Nunca percebi se Januário
Torgal Ferreira diz o que diz porque realmente o pensa ou se as declarações da
criatura ao longo dos anos compõem um imenso e rebuscado quadro cómico.
Continuo sem perceber.

Vamos por partes, se possível.
D. Januário acredita mesmo que um governo que, por culpas próprias, alheias ou
partilhadas, aumenta o peso fiscal, sobe a despesa pública e no fundo faz de
tudo para que o Estado permaneça relativamente intacto é liberal,
"neo" ou não? D. Januário faz sequer uma vaga ideia do significado de
"liberal", vocábulo ou inclinação filosófica? Em qualquer dos casos,
D. Januário acha que o liberalismo se confunde com as políticas do Estado Novo?
D. Januário sabe quem foi e o que defendia Salazar? As alternativas risonhas
que D. Januário propõe aos "escravos" criados pelas economias de mercado
são aquelas em que estou a pensar? D. Januário considera emancipados os
cidadãos dos regimes declaradamente avessos ao capitalismo? D. Januário possui
informações privilegiadas acerca do "banho de sangue" que aí vem ou
ainda nos encontramos no domínio da alucinação? O povo passou a D. Januário uma
procuração para que o representasse? Se sim, ninguém me avisou.
Vão longe os tempos em que as
indignações da Igreja se esgotavam no filme Pato com Laranja. Mas mantém-se a
tendência de alguns sacerdotes para opinar sobre o que, por opção de carreira,
não compreendem. Pior ainda, a tendência espalhou-se por crentes ligeiros,
laicos, agnósticos e ateus intransigentes, todos unidos sob o lendário
manifesto do 70, que sob a forma de petição já chegou aos 25 mil e nem por isso
alcançou um pedacinho de pertinência.
A reclamada
"reestruturação" da dívida, ou seja, a possibilidade de o caloteiro
ditar as condições do calote, levanta sérias interrogações acerca da lucidez
dos respectivos preponentes e seguidores - e esta é a hipótese simpática. A
hipótese desagradável é o discurso da "reestruturação" ser uma
deliberada e desastrada intrujice, embrulhada no género de delírios repetidos
por D. Januário de modo a evangelizar pasmados. No fundo, trata-se da diferença
entre a fé e a má-fé, e na matéria em questão é um mistério haver gente alheia
aos interesses das "elites" que adere à primeira ou se deixa enganar
pela segunda. Por outras palavras, não admira que um país que leva, por
exemplo, D. Januário a sério acabe no estado - e no Estado - actual. E se um
Governo abaixo de sofrível beneficia de uma contestação assim, o País não.
Título e Texto: Alberto Gonçalves, Diário de Notícias, 07-04-2014
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