Quando surgiu a
novidade, eu declarei: Pretendo ser o último homem do mundo a usar o telefone
celular. Não me importa que me chamem de retrógrado, quadrado, anti-social.
Muitos outros qualificativos do gênero já ilustraram minha biografia, o que até
me estimula a manter inalterável a decisão.
Deixando o aparelhinho de ser
uma novidade, a vaidade e ostentação deixaram também de justificar a febre
competitiva inicial. Tenho constatado que a qualidade da comunicação melhorou
muito, corrigindo alguns dos problemas iniciais. O curioso é que agora muitos
deixam cada vez mais o aparelho desligado, e a caixa postal se transforma numa
tranquila secretária eletrônica. Outros inconvenientes se manifestaram: tarifas
elevadas, defasagem (delay) entre a recepção e a resposta, perda de
tempo com telefonemas desnecessários. Surpreendem-me comentários assim:
— Os celulares estão
tornando minha vida impossível. Vou sair dessa.
Os “viciados” alegam:
— Só não paro de usar
porque já me acostumei.
Outros se justificam com os
limites autoimpostos:
— Só uso para fins
profissionais.
Os meus motivos e a minha
decisão se mantêm inalterados, mas o que nem sempre consigo é livrar-me das
consequências de outros usarem o celular. Você já deve ter sido vítima delas,
mas não custa citar alguns exemplos.
Num restaurante, estamos quatro
amigos conversando e colocando em dia assuntos profissionais. De repente, uma
musiquinha desafinada sai do bolso de um deles. Sem qualquer consideração para
conosco, ele atende:
— Alô!
— …
— Ah! É você, Pancrácio?
Chegou inteiro em casa? [haviam se encontrado duas horas antes].
— … … … … …
A conversa entre
os demais fica impossível, os três assumimos caras de paisagem, e o importante
monólogo com o intruso prossegue. Três minutos depois:
— Hoje à noite eu passo
aí.
— … …
E a despedida é esse
abominável “tchau”, que não é português, italiano, língua nenhuma decente, e
que soa aos meus ouvidos como “vá plantar batatas!”.
— Sobre que estávamos
conversando?
— Ah! Era uma
coisa sem importância.
Não sei até quando minhas
disposições conciliatórias suportarão o rancor acumulado, sem transpor o tênue
limite entre contrariado e agressivo, para responder:
— Pergunte ao seu amigo
Pascácio.
Outro exemplo. Numa loja:
— … Tem também este
outro modelo com mais recursos, um pouco mais caro.
Um desafinado Pour
Élise interrompe. E o pobre vendedor, cujo tempo é pago pelo dono da
loja, e que recebe uma comissão sobre a venda, tem de ficar esperando.
Numa igreja, em pleno sermão,
lá vem a musiquinha desafinada, desta vez a Kalinka. O irado
sacerdote interrompe o sermão, a atenção dos fiéis se desfaz irremediavelmente.
Por quê? O celular não tinha sido desligado, e só tardiamente o distraído
resolve parecer educado.
Por que tenho de interromper a
conversa com um amigo presente, para ele atender um ausente não convidado,
interlocutor dele e não meu? Por que teria de assumir a condição de audiência
involuntária, enquanto ando pela rua? Deve um motorista desviar a atenção do
trânsito, para tratar de banalidades com um importuno? Há quem leve o celular
para o banheiro, e provavelmente terá o desrespeito de atender naqueles trajes
(ou sem eles), fingindo uma normalidade inexistente.
O mesmo nas filas, cinemas,
teatros, transportes coletivos. Alguns desses já avisam que o celular deve ser
desligado. Cada situação como essas me basta para manter a decisão de nunca
usar o celular. Além disso, constantemente me chegam ao conhecimento outros
motivos importantes para reforçá-la.
Será que tenho de ficar sempre
à disposição de qualquer desocupado, esteja eu onde estiver? Assuntos urgentes?
Toda urgência é bastante relativa, basta dizer que durante séculos a
administração do Brasil ficava em Portugal, e as mensagens levavam dois meses
para atravessar o oceano. Portanto havia uma demora de pelo menos quatro meses
entre consultas e respostas. Nem por isso o Brasil foi mal administrado. Pelo
outro lado, na nossa época de comunicações instantâneas os erros
administrativos podem também ser instantâneos, e disso há exemplos abundantes.
Quanto às consequências negativas, podem demorar a aparecer. O sucessor que se
dane.
Se eventuais interlocutores
têm urgência, contem carneirinhos até eu voltar para casa. Fora de casa, não
estarei disponível: Por favor, não me achem.
Título, Imagem e Texto: Jacinto Flecha, ABIM,
07-06-2014
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Olá Jim,
ResponderExcluirAlguns sites como o seu que não admitem html, sei que é por auto defesa, não admitem grifos, negritos e outras... por isso a caixa alta de alguns jegues como eu...
Eu não tenho CELULAR, não me achem...
Oi, Rochinha!
ResponderExcluirSobre o html, até podemos escrever em itálico ou negrito...
Quanto à caixa alta, o seu comentário demonstra à perfeição que podemos escrever, comentar, indignar... sem utilizar as maiúsculas em TODO o texto, well...
Grande abraço./-
PS: Para destacar uma palavra ou frase em itálico, experimente utilizar antes da palavra ou frase este sinal (i), se for negrito o sinal para abrir é este (b).
Para fechar utilize (/i) ou (/b).
DETALHE:
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