Rui Ramos
António
Costa diz que o país queria estabilidade e mudança de orientação. Mas com os
seus três acordos, ele nunca lhe poderá dar nem uma coisa nem outra. Não há
alternativa a eleições antecipadas.
Pediram um acordo? Pois
António Costa não traz um acordo, mas três, porque o PCP teve o requinte de se
desmultiplicar e exigir dois (um com ele próprio e outro com o seu heterónimo
Verdes). Há três acordos, mas pelo menos dois deles, segundo Costa
explicou na SIC-Notícias, não são “políticos”, apenas “programáticos”, isto é,
uma troca de “medidas simpáticas” (expressão do próprio Costa). Entre os quatro
partidos, segundo ele, há “diferenças profundas em matérias importantes”. Um
governo de Costa ocupar-se-á assim só de matérias que não são importantes?
Para não nos inquietarmos
demais, há um mês que nos andam a ensinar curiosidades da política nórdica. Num
dia, aprendemos que há países em que não é o líder do partido mais votado, mas
o do segundo ou do terceiro quem chefia o governo. Noutro dia, passamos a saber
que, perto do polo norte, há partidos mais ou menos parecidos com o Bloco de
Esquerda que apoiam o governo de partidos mais ou menos parecidos com o de
António Costa. E é suposto, depois destas aulas gratuitas, ficarmos convencidos
de que nada de extraordinário se passa em Portugal, a não ser mais um pulo
civilizacional, que nos há-de pôr ao lado da Finlândia.
Desculpem eu não estar
convencido. Na Escandinávia, governarão líderes cujo partido ficou em segundo
lugar na votação, mas não um candidato a primeiro-ministro que tenha sido
o grande derrotado político das eleições, com o segundo pior resultado do seu
partido em vinte anos. Na Escandinávia, poderá haver governos apoiados por
pequenos partidos da esquerda radical, mas não governos dependentes de partidos
que controlam grandes sindicatos e se mantêm fiéis aos modelos e aos métodos da
ditadura soviética. Não, isto não é normal, nem na Noruega.
Que significará um governo
Costa? Costa não é um Jeremy Corbyn, nem o BE e o PCP reviram o seu ódio à
democracia pluralista, à economia de mercado ou à União Europeia. Um quer
salvar a carreira e os outros resgatar os seus sindicatos ou consolidar a
sua influência. E por acaso, tudo isso passa, neste momento, por um governo
minoritário do PS. Por acaso e neste momento. Ainda será assim daqui a uns
meses?
Também já percebemos que
ninguém vai ganhar com estes três acordos, a não ser talvez, e por enquanto,
Costa, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa. Se não quiserem cortar o tubo de
alimentação do BCE, terão de prosseguir aquilo a que chamaram “austeridade” e
que atribuíram à “radicalização neo-liberal” da “direita”. Irá a população
convencer-se de que 1,8 euros por mês chega para distinguir entre “neo-liberalismo” e socialismo?
Não tentarei adivinhar quanto
tempo pode durar um eventual governo minoritário de Costa. O ponto é este:
sempre que Francisco Assis almoçar, vamos querer saber com quem; sempre que o Avante! sair,
vamos ler; sempre que Catarina Martins tweetar a meio da
noite, vamos acordar; e sempre que a “construção europeia” der mais um passo,
ficaremos todos à espera da sua votação na Assembleia da República. Vai ser um
psicodrama, que o próximo presidente da república saberá certamente apurar com
o devido tempero.
Costa diz que o país queria
estabilidade e mudança de orientação. Mas com os seus três acordos, ele nunca
lhe poderá dar nem uma coisa nem outra. Posto isto, é provável que não haja
recuo. Se na terça-feira Costa admitisse que afinal não há condições para o seu
governo, aumentaria apenas a ebulição no PS. Costa inutilizou o PS para
colaborar na estabilidade da governação. Nesta linha férrea, a próxima estação
é o esfacelamento dos partidos e a sua substituição por pequenas facções.
Talvez eleições antecipadas possam ainda poupar-nos a essa degradação
final. Aprendemos muita coisa neste mês. Estamos em condições de votar. Quanto
mais depressa, melhor. De contrário, veremos a Noruega ainda mais longe. E,
isso sim, será normal.
Título e Texto: Rui Ramos, Observador,
7-11-2015
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