Cesar Maia
1. A decisão de atribuir os XI Jogos a Berlim foi tomada em 1931,
ainda durante a República de Weimar e antes da ascensão do Partido Nacional
Socialista (nazista) ao poder. A cidade favorita era Barcelona, mas a
proclamação da II República Espanhola, a 14 de abril de 1931, dias antes da
votação, assustou o Comitê Olímpico Internacional (COI).
2. Berlim era uma cidade em espera há pelo menos 20 anos. Recebeu
os Jogos de 1916 que foram cancelados devido à 1ª Guerra Mundial. Penalizada
pelo seu papel no conflito, a Alemanha regressou ao convívio olímpico em 1928.
Atribuir os Jogos de 1936 ao país era um passo no sentido da normalização da
relação dos alemães com o COI e com o mundo.
3. Mas com a consagração de Adolf Hitler como chanceler alemão, a
30 de janeiro de 1933, aos poucos, foram-se revelando indícios de que a
política não estaria ausente dos Jogos. Em 1934, Bruno Malitz, porta-voz
nazista, condenou o desporto moderno por estar infestado de “franceses, belgas,
polacos e judeus negros”. A 19 de agosto desse ano, um editorial da publicação
“Der Volkische Beobachter” defendeu que os Jogos Olímpicos deviam ser
exclusivos a atletas brancos.
4. Para os novos governantes, o evento — e os Jogos de inverno, em
Garmisch-Partenkirchen, que antecediam os de verão — seria um gigantesco palco
de propaganda do Terceiro Reich e de demonstração da superioridade dos arianos,
“a raça pura”, através das qualidades dos seus atletas.
5. O mundo ainda não testemunhara os horrores do Holocausto nem os
assaltos territoriais do poder nazista, mas as suas políticas racistas já
provocavam repulsa. Introduzidas a 15 de setembro de 1935, as Leis de Nuremberg
impunham a xenofobia e o antissemitismo e confirmavam o estatuto “sub-humano”
(“untermensch”) dos judeus.
6. Hitler procurava dissipar as dúvidas que cresciam e dava
garantias de que atletas alemães judeus seriam autorizados a competir nos Jogos
de Berlim, que a política não iria interferir e que o espírito olímpico seria
respeitado. O regime nazista procurava mascarar as suas reais intenções, e
desmentir que as suas políticas eram discriminatórias, mandando retirar das
ruas os indícios de perseguição aos judeus e convocando atletas de ascendência
judaica, como a esgrimista Helene Mayer.
7. Campeã olímpica em 1928, em Los Angeles, Helene tinha ficado
vivendo nos EUA. Hitler pediu-lhe pessoalmente que regressasse à Alemanha para
disputar a qualificação para os Jogos. Em Berlim, a esgrimista seria segunda,
atrás da húngara Ilona Elek, igualmente judia. Helene competiu com a suástica
no uniforme e fez a saudação nazista quando subiu ao pódio.
8. Outros atletas alemães judeus foram excluídos com o argumento de
não pertencerem a clubes desportivos “oficiais”, apesar de terem obtido
resultados que os qualificavam. Era o caso de Gretel Bergmann, detentora do
recorde nacional do salto em altura, que as autoridades nazistas apagariam dos
registos. Ela foi substituída por Dora Ratjen, que ficaria em quarto lugar e
que, mais tarde, se descobriria ser… um homem.
9. Apesar das dúvidas e desconfianças que cresciam, o COI decide
não retirar à Alemanha a organização dos Jogos. Nos Estados Unidos, um
movimento apelando ao boicote, impulsionado pelo membro do COI Ernest Lee
Jahncke, tinha cada vez mais apoio entre congressistas, clérigos de todas as
confissões, jornalistas, artistas e escritores.
10. Duas posições esgrimiam argumentos: uns defendiam que
participar seria apoiar as posições antissemitas de Hitler; outros diziam que
havia que separar esporte da política. O próprio COI era equívoco em relação à
chamada “questão judaica”. Os EUA acabariam por decidir participar nos Jogos de
Berlim, após uma votação renhida. “A política e o desporto não se podem
misturar. A única oportunidade de sobrevivência do movimento olímpico é
manter-se alheio da política”, defendia Avery Brundage.
11. O estádio foi ampliado para poder receber 110 mil espectadores
e a piscina 18 mil. O sistema de transportes dos atletas era eficiente e os
equipamentos de contagem de tempos e de foto-finish eram os mais sofisticados
alguma vez usados. Nas principais ruas de Berlim, havia grandes bandeiras com a
suástica em abundância. Tudo em grande para impressionar os visitantes e quem
assistia à distância — os Jogos de Berlim seriam os primeiros a serem
transmitidos pela rádio e pela televisão. A grandeza dos Jogos — o sucesso do
regime e o orgulho nacional do povo — seria documentada pela cineasta Leni Riefenstahl
no filme “Olympia” (1938). Dividido em duas partes (“Festival das Nações” e
“Festa da Beleza”) —, onde não faltam multidões sorridentes a desfrutarem do
espetáculo.
12. A 2 de julho, Hitler declarou abertos os XI Jogos, numa
cerimônia que mais se assemelhou a uma coroação. Na tribuna, acolitado por
outras figuras sinistras do regime nazista, o Führer via 100 mil alemães
esticarem o braço e ouvia-os gritar o fanático “Heil Hitler”. Perante aquele
mar de suásticas, os atletas eram supostos saudarem Hitler.
13. No medalheiro, pela primeira vez na história dos Jogos, a
Alemanha tomou o primeiro lugar aos EUA, conquistando 89 medalhas (33 de ouro),
contra 56 dos norte-americanos (24 ouros). Entre os medalhados norte-americanos
havia dez afro-americanos, que conseguiram um total de oito ouros, quatro
pratas e dois bronzes. Quatro medalhas de ouro (100m, 200m, estafeta 4x100m e
salto em distância) foram ganhas pelo mesmo homem: o afro-americano James
Cleveland Owens (a alcunha JC, usada por familiares e amigos, seria confundida
na escola com “Jesse”), que assim deitaria por terra as teses do
nacional-socialismo alemão e o mito da superioridade ariana.
14. Nascido em 1913, no
Alabama, este filho de agricultores e neto de escravos, o sétimo de onze
irmãos, bateria em Berlim três recordes olímpicos e dois mundiais. Uma afronta
para Hitler e todo o aparelho nazista. O presidente do COI, Baillet-Latour, fez
saber a Hitler que, como convidado de honra, ou recebia todos os medalhados ou
não recebia nenhum.
15. Os Jogos de Berlim teriam sido os de Jesse Owens em qualquer
circunstância. Mas o regresso do atleta a casa seria amargo... “Hitler não me desprezou
— foi Franklin Delano Roosevelt quem me desprezou. O Presidente nem sequer me
enviou um telegrama”, diria o afro-americano. Em campanha eleitoral para as
presidenciais desse ano, Roosevelt negou-se a receber o atleta com receio de
perder votos nos estados segregacionistas do sul.
16. Na Alemanha, Owens tinha partilhado alojamento com atletas
brancos, enquanto em muitos hotéis nos EUA havia segregação. Apesar das
medalhas ganhas, o atleta continuou a ter de entrar nos ônibus pela porta de
trás e, quando de uma recepção em sua honra no Hotel Waldorf-Astoria, em Nova
Iorque, teve de usar o elevador de serviço.
17. Os Jogos de Berlim foram os últimos realizados em vida de
Pierre de Coubertin. Morreria a 2 de setembro de 1937, em Genebra. O seu
coração foi sepultado em Olímpia num jazigo especialmente construído em sua
honra. Não sobreviveria, pois, para ver, pela segunda vez, os Jogos serem
derrotados pela política — duas edições seriam canceladas por causa da II
Guerra Mundial.
Título e Texto: Cesar Maia, 16-8-2016
Relacionados:
Jesse Owens, "deitou por terra" as teses "nazistas"?!Uma boa mentira holocau$tica! A Alemanha "nazista" esmagou os arrogantes ianques imperialistas em Berlim em 1936, essa é a verdade!!!
ResponderExcluirOwens disse: “Hitler não me desprezou — foi Franklin Roosevelt quem me desprezou. O Presidente nem sequer me enviou um telegrama”. Isso mostra como a Alemanha Nazista era top. Merecia ter ganhado a guerra sem dúvidas e dominar a Europa toda. Uma pena.
ResponderExcluir