Maria João Marques
Sim, o anterior governo magicou o saque
fiscal e ataque à propriedade privada mascarados de reforma do IMI. Mas este
governo tornou-se co-progenitor orgulhoso da aberração, com oferta de DNA e
tudo.
É oficial: a governação corre
tão bem, as contas públicas estão tão controladas, o crescimento económico é
tão estonteante, a austeridade está tão exterminada que o governo finalmente
recorreu a essa medida evidente: vai literalmente taxar o sol.
Pessoas miudinhas e pouco
esclarecidas nas ideologias geringonciais poderiam argumentar que, face à já
criminosamente alta carga fiscal a que estão sujeitos os contribuintes,
qualquer governo bem sucedido se lembraria logo de baixar os impostos. Se não
com convicção, pelo menos como amuse-bouche que nos deixasse na expetativa de
mais. Mas não, as contas públicas estão tão fortalecidas que o PS,
corajosamente sem temer o ridículo, vai taxar o sol que cada casa recebe. E
dizem que é ‘justiça fiscal’ sem tremeliques na consciência. Como na esquerda
PS e BE há muito o fenómeno de só conhecerem os pobres pelos livros de Soeiro
Pereira Gomes, nunca os viram ao perto e não sabem que a casa de uma família em
dificuldades pecuniárias pode ser muito solarenga. Faz sentido.
Mais exótico ainda é taxar as
casas consoante a qualidade da vista. Uma vista supimpa é, como se sabe, um
critério objetivo e mensurável, convenientemente à espera de ser taxado sem
provocar distorções ou injustiças. Estou felizmente habitada de uma absoluta
confiança nos burocratas do ministério das finanças e das câmaras municipais
para definirem o que é uma boa vista, porque infelizmente sou eu própria pouco
esclarecida ideologicamente, em termos geringonciais, e reconheço que a minha
primeira (e a trigésima quarta) reação à notícia da subida do IMI para casas
com boa vista e exposição solar foi de gozo e de conselhos de prolongadas
psicoterapias para quem inventou a manigância.
Sendo uma pessoa com
deficiências quando se trata de ver pontos positivos no aprofundamento do
socialismo, vislumbrei logo algumas lacunas. Escapa-me, por exemplo, a justiça
de aumentar o IMI aos proprietários de imóveis nas zonas antigas de Lisboa,
muitos deles com vistas catitas, mas que não dão grandes alegrias em vil metal
aos seus proprietários porque estão arrendadas por poucas dezenas de euros por
mês cada casa.
A seguir, com a minha
impenitente vontade de contrariar a chegada da ‘justiça fiscal’, notei que o
conceito é um tudo-nada sujeito a imprecisões. Dou um exemplo: para mim, uma
vista para qualquer repartição pública seria uma vista funesta, muito mais do
que um cemitério, mesmo que ao fundo, para compensar, o Tejo se deixasse ver de
forma desimpedida. E por falar em cemitérios, os românticos que vão para Paris
visitar o Père Lachaise, ver o túmulo de Oscar Wilde e assim, bem podem
apreciar uma vista sobre o Cemitério dos Prazeres. E por falar em Cemitério dos
Prazeres, a Junta de Freguesia da Estrela tem um projeto para o jardim em frente
que tornará a vista mais apelativa. Devemos a partir de agora exigir que
câmaras e juntas de freguesia parem de requalificar o espaço público para que a
vista das casas circundantes não melhore?
E, como lembrava Rui
Albuquerque no facebook, como fazer para as pessoas ceguetas que não aproveitam
as vistas? Terei eu um desconto no IMI se prometer ao ministro Centeno ir à
minha varanda sempre sem óculos? As pessoas com cataratas que estão em lista de
espera para operação no SNS, que lhes sucederá? E quem mora com vista para
edifícios bonitos que um dia são grafitados e o proprietário não tem dinheiro
para limpar? Haverá desconto no IMI enquanto os gatafunhos permanecerem? Nos
anos com chuva e nevoeiro que impeçam o gozo da vista e do sol, teremos
redução?
Mas tenho de me ensinar a não
ser miudinha e avessa à ‘justiça fiscal’. Como prova de boa vontade até deixo
aqui mais algumas sugestões ao PS para aumentos de impostos.
Eu gosto de tomar um gin
tónico na minha varanda ao fim da tarde (quando o sol bate do outro lado da
casa – raios). Como é evidente, as varandas que se prestam a estes usufrutos
burgueses, em vez de apenas local para estendal de roupa, devem ser mais
taxados. Casas com cães de porcelana à entrada deviam ter aumento de IMI de
400%. Azulejos pirosos (mais um critério objetivo) nas casas de banho e na
cozinha, coeficiente proibitivo se faz favor. Casas art deco, essa corrente
artística que eu tanto venero? É carregar no imposto a ver se eu deixo de ter
inveja dos proprietários.
Saindo do IMI, aproveito para
apresentar a minha antiga proposta para aumento de natalidade: taxar as
senhoras que não usem minissaias. (Exceto, claro, as que andam de burqa, que as
ideologias geringonciais têm um lugar terno no coração para estas simpáticas
manifestações do islão.)
Sim, sim, o anterior governo
magicou o saque fiscal e ataque à propriedade privada mascarados de reforma do
IMI. Mas este governo, campeão das reversões, que aproveita para afinal alargar
o saque e o ataque, tornou-se co-progenitor orgulhoso da aberração, com
fornecimento de DNA e tudo. Em todo o caso, no meio de perplexidades e
sugestões, afianço ao PS que é um gosto ter o IMI de minha casa aumentado para
pagar as 35 horas dos funcionários públicos e a suspensão dos cortes de
ordenados e pensões acima dos 1500€. Estou ainda grata pela desvalorização
comercial da minha casa que um IMI mais alto trará. Já anotei na agenda para
logo que possível retribuir as amabilidades...
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