Rui Ramos
A imprensa passou um ano a reduzir Trump
a um monstro patético, destinado a ser facilmente atropelado por Clinton. Mas
Trump ganhou, e a história, tal como aconteceu após o Brexit, ainda não acabou.
Isto foi Brexit vezes dois:
Trump presidente, com uma maioria republicana nas duas câmaras do congresso.
Era um resultado possível, porque desde o Brexit nos começámos a habituar a
todas as possibilidades, mas que pouca gente esperava. Talvez por isso, não é
fácil agora prever o que vem a seguir. Neste momento, já sabemos quem perdeu,
ainda não sabemos quem ganhou.
Perdeu Hillary Clinton, uma
candidata apoiada por quase todo o establishment, pelo presidente, pela máquina
partidária com mais dinheiro desta campanha, pelo poder financeiro, pelo poder
mediático, pelo poder universitário, pelo poder de Hollywood. A história da
primeira mulher presidente nunca pegou, porque Clinton era sobretudo a herdeira
do sistema, cheia de bagagem, de equívocos e de opacidades. Foi assim que foi
derrotada.
Perdeu Barack Obama, que depois
de prometer unidade e consenso, optou por uma presidência divisiva e
autoritária, abusando das “ordens executivas” para impor a sua vontade, o que
agora coloca a maior parte do seu património governativo à mercê de reversões
simples. Agora, terá de entregar as chaves da Casa Branca a um homem que sempre
fez questão de desprezar.
Perdeu a estratégia dos
democratas de manipular as minorias étnicas, sobretudo os latinos, para fazer
com elas um bloco eleitoral definido pelas identidades, e não pelas opções e
valores. Esta tribalização da política ter-se-á voltado contra o feiticeiro,
porque os brancos parecem estar a começar a votar em bloco, como uma minoria
étnica, o que favoreceu Trump (que terá contado com 58% dos seus votos). E
Trump teve mais latinos com ele do que o candidato republicano de 2012: 29% vs.
27%.
Perdeu o conservadorismo
clássico, que cedeu o seu lugar, enquanto inspiração doutrinária do Partido
Republicano, a um movimento capaz de levantar milhões de pessoas contra a elite
privilegiada do “politicamente correcto” e contra a visão do mundo que
resumimos com o rótulo de “globalização”.
Chamamos-lhe “populismo”,
porque não sabemos bem o que chamar a algo que não encaixa nas divisões
tradicionais entre esquerda e direita. Trump está nitidamente para além dessa
dicotomia.
E quem ganhou? Ganhou Trump, o
primeiro presidente dos EUA que nunca teve antes um cargo político e que nunca
serviu no exército. Ganhou um candidato republicano, mas que há poucos anos era
um eleitor democrata. Ganhou um político imprevisível e indisciplinado, mas que
na noite eleitoral leu um discurso no teleponto, sem improvisações. Ganhou um
homem truculento e grosseiro, mas que foi cortês e elogioso para Clinton no
momento da vitória. Ganhou um candidato divisivo, mas que agora prometeu ser o
presidente de todos os americanos.
Como será o seu governo?
Ninguém sabe, porque ninguém o esperava. Como se irá dar com uma maioria
republicana no Congresso que não acreditou demasiado nele? Vai mesmo construir
o muro com o México, banir a imigração muçulmana, rasgar os tratados de
comércio e o acordo com o Irão, abraçar Putin e menosprezar a NATO? Quererá
mesmo continuar a ser na presidência o braço e a voz de uma suposta insurreição
popular contra o “sistema”? Tentará inspirar os movimentos populistas e
nacionalistas da Europa? Tudo isso serviu para criar à volta dele uma aura de
apocalipse, de fim do mundo. A imprensa passou um ano a reduzir Trump a um
monstro patético, destinado a ser facilmente atropelado por Clinton.
Agora, talvez devesse arranjar
algum tempo para o tentar perceber. Para começar, Trump ganhou, e a história,
tal como aconteceu após o Brexit, ainda não acabou. De facto, está apenas a
começar.
Título e Texto: Rui Ramos, Observador,
9-11-2016
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