João Lemos Esteves
Marcelo não convida Donald Trump porque não
quer espicaçar Catarina Martins e companhia, utilizando a “opinião pública
portuguesa” para não assumir o óbvio: até o Presidente da República – com a sua
obsessão pelas selfies e pelas sondagens – já está refém da extrema-esquerda

2. Não, não e não: Portugal, na lógica da opinião publicada (sim,
porque hoje praticamente não há notícias: só opinião ou propaganda), virou
paraíso porque o fetiche sonhado por numerosos jornalistas do politicamente
correto se tornou realidade. Finalmente temos um governo da extrema-esquerda
com o PS: o casamento sonhado (e negado) durante décadas foi consumado,
derrubando--se destarte os muros que separavam a esquerda. E a esquerda unida
será invencível: independentemente das preferências políticas dos portugueses
devidamente manifestadas nas urnas, a esquerda (basta querer) vencerá sempre. É
uma mera questão aritmética: somando-se os deputados do extremo-PS com a extrema-esquerda,
é bastante verosímil que a direita fique afastada do poder por um longo tempo.
Só uma maioria absoluta da direita assegurará a sua possibilidade de exercer
funções governativas – pelo que só em situações de exceção, de crise profunda,
após o PS levar o país à bancarrota (cumprindo a sua tradição
político-constitucional mais conhecida e reiterada) é que a direita poderá
aspirar a corresponder aos anseios de mudança da maioria (cada vez menos)
silenciosa dos portugueses.
3. Pois bem, qual o motivo que excitou as nossas “elites
comunicacionais”? A lição de História dada por Marcelo a Donald Trump – e o seu
aperto de mão em forma de “puxão ostensivo”. A prioridade nacional desde
quarta-feira tornou-se, pois, desvendar os segredos do “aperto de mão singular”
de Marcelo Rebelo de Sousa. Para tal foram ouvidos especialistas em linguagem
corporal e mestres de judô (parece que o cumprimento é uma forma de sinalizar a
disposição do combatente) e o próprio Presidente Marcelo comentou ao “Expresso”
a sua façanha. De facto, Marcelo descreveu o gesto como um “golpe de aikido”,
confirmando as análises com que o país político-mediático se entreteve: o nosso
Presidente é especialista em aikido, o que, como se sabe, é a principal
valência de política internacional que um político deve ter. Mais acrescentou
Marcelo Rebelo de Sousa que não convidou o presidente Donald Trump para vir a
Portugal porquanto tal poderia causar melindre na opinião pública nacional. Na
mesma declaração ao “Expresso”, Marcelo revelou que o presidente da República
Popular da China, Xi Jinping, virá a Portugal em novembro – o que é uma
notícia, segundo o próprio Marcelo, entusiasmante. As leitoras e os leitores já
perceberam o ridículo desta situação: então o nosso sábio Presidente Marcelo
Rebelo de Sousa recusa convidar o presidente Donald Trump (o que é, aliás, um
gesto contrário à cortesia diplomática, ainda para mais relativamente ao nosso
mais importante aliado) porque isso poderia causar “urticária” na opinião
pública devido ao “radicalismo” (como?!) do presidente dos EUA? No entanto,
Marcelo anda muito contente (e a jornalista do “Expresso” fica em êxtase!) com
a vinda do presidente de um Estado onde não há respeito pelos direitos humanos,
não há limitação do poder político, onde há um Estado centralizado com
“capitalismo de Estado” como é a República Popular da China! Então como é,
senhor Presidente Marcelo: a opinião pública não fica com urticária por vir um
presidente autoritário ao nosso país? Ainda para mais, Marcelo anunciou a vinda
do presidente chinês a Portugal… nos Estados Unidos da América! O que,
convenhamos, é uma singularidade diplomática…
4. Ora, por que razão terá Marcelo sentido “urticária” pela vinda
do presidente dos EUA a Portugal (não obstante ter considerado a sua reunião
com Donald Trump um “enorme sucesso” e com muita empatia entre os dois, como
nós explicámos no “Sol” online na semana passada) – mas apenas júbilo pela
vinda do presidente da China? Fácil: porque Marcelo não está preocupado com a
opinião pública portuguesa – está tão-somente apreensivo quanto à sua
popularidade junto dos militantes (e elite) do Bloco de Esquerda e da ala
radical do PS. Marcelo não convida Donald Trump porque não quer espicaçar
Catarina Martins e companhia, utilizando a “opinião pública portuguesa” para
não assumir o óbvio: até o Presidente da República – com a sua obsessão pelas
selfies e pelas sondagens de popularidade – já está refém da extrema-esquerda.
Já convidar um presidente realmente autoritário que pensa que os direitos
humanos são meros lirismos ocidentais e que tem evidentes objetivos
expansionistas é uma animação para Marcelo – afinal de contas, até o Bloco de
Esquerda e o PCP já se renderam aos encantos chineses. Portanto, no caso do
presidente Xi, Marcelo não chateará nem Catarina Martins nem Jerónimo de Sousa.
Não haverá, portanto, urticária na pele política de Marcelo… Assim como não
haverá urticária no convite que Marcelo terá formulado ao presidente Putin para
visitar Portugal: aliás, já em 2016, Marcelo, em declarações à agência de
notícias do Kremlin, Sputnik, afirmou que “gostaria muito de receber o seu
presidente, o presidente Putin, em Portugal”. Aí parece não haver urticária…
5. O melhor momento, contudo, ocorreu na passada sexta-feira. O
poder político português esteve todo (literalmente todo!) no palco do Rock in
Rio Lisboa, cantando as saudades que têm da sua alegre casinha. Entendamo-nos:
a homenagem a Zé Pedro é mais do que merecida e justifica-se. Todavia, Marcelo
poderia ter encontrado outras formas mais institucionais de proceder a tal
tributo: por exemplo, um concerto aberto nos jardins do Palácio de Belém, como
já fez. É que subir ao palco e ser fotografado encenando o símbolo do Rock in
Rio suscita problemas políticos para o Presidente da República. Efetivamente,
um Presidente que pugna e dá lições sobre a prevalência do poder político sobre
o poder económico dá por esta via um sinal de que, afinal, é o poder económico
e mediático que condiciona o poder político. Como poderá no futuro Marcelo
Rebelo de Sousa reclamar (invocando a sua velha doutrina) que os políticos não
devem envolver-se demasiado com iniciativas empresariais ou com os poderes fáticos?
Será muito difícil…
6. Em segundo lugar, Marcelo Rebelo de Sousa ainda não percebeu que
o tempo de tomar decisões difíceis está a chegar – no próximo ano teremos um
calendário eleitoral intenso, com europeias e legislativas. Ora, o Presidente
da República – que deveria ser o Presidente de todos os portugueses –, ao
cantar junto de António Costa (e sua esposa, Fernanda, a estrela da noite,
batendo todos em qualidade artística e vocal) e Catarina Martins, está
objetivamente a beneficiar dois partidos políticos. Nossa questão: Marcelo
também convidou representantes do PSD, do CDS ou do PCP para cantar no palco do
Rock in Rio?
7. Por outro lado, como acreditar que Marcelo Rebelo de Sousa,
quando for chamado a decidir sobre a nomeação do próximo governo, tem
distanciamento crítico em relação a António Costa e Catarina Martins para
rejeitar, em nome do interesse de Portugal, um executivo proposto por estes
dois partidos? Politicamente, o que parece é. E o que parece é que Marcelo quer
continuar com António Costa e Catarina Martins em São Bento… Enfim, os nossos
políticos deram mais uns “xutos e pontapés” na qualidade da nossa democracia.
Na autoridade do Estado. Surpresa? Talvez não… Portugal não é mesmo os Estados
Unidos da América.
Título e Texto: João Lemos Esteves, jornal SOL, 3-7-2018
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João Pereira Coutinho, revista Sábado, nº 740, de 5 a 11 de julho de 2018:
ResponderExcluirCAUSOU SÉRIA CONSTERNAÇÃO o fato de altas figuras do Estado terem estado no palco do Rock in Rio a pular e a cantar. Não é “dignificante”, disseram os críticos, que pelos vistos ainda têm expectativas elevadas sobre as personagens em causa.
Eu, pelo contrário, gostei. Para começar, não desafinaram. E, para acabar, dei por mim a pensar como seria maravilhoso que grande parte dos nossos políticos se dedicasse mais ao canto e menos à intromissão nas nossas vidas.
Se, por mera hipótese, António Costa ou Catarina Martins quisessem mesmo mudar de vida, eu seria o primeiro a comprar bilhetes.
O problema não é termos altas figuras do Estado e da política no palco do Rock in Rio. É elas não partirem daqui em tournée permanente.