Helena Matos
Portugal é uma espécie de Pátio das Cantigas agora na versão
Parque da Bela Vista. No cemitério de Santa Comba a esta hora ressoa uma
gargalhada escarninha.
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Foto: Getty Images |
Nenhum deles quer ficar para
trás. Todos sabem que o limite para aquela atuação é aquele que o Presidente
estabelecer… E no palco Marcelo indubitavelmente ganha a todos pois
ultrapassa pelo desconcerto do populismo qualquer veleidade que a frente de
esquerda tivesse de o cercar (no palco real da Bela Vista, Catarina Martins
parece uma figurante ao lado de Marcelo). Mas se a táctica funciona às mil
maravilhas, como estratégia é uma armadilha: o Presidente está refém da sua
popularidade. Não ousará nada que belisque o coro de palmas com que está
habituado a ser recebido. E tal como acontecia antigamente com as flores nos
camarins das vedetas também as palmas se têm de renovar no palco dos políticos.
As personalidades que antes iam institucionalmente a alguns espetáculos e noutros eram avistadas enquanto público tornaram-se agora elas mesmas no centro do espetáculo. Morre um cantor? Eles cantam e o seu canto é a notícia. Joga a seleção? Eles pulam e o seu pulo torna-se espetáculo. Eles celebram-se a si mesmos através dos outros. Todas as semanas “as personalidades” ou “as mais altas figuras da nação” como escrevem uns desconcertados jornalistas apresentam constantemente novas performances.
Afinal o espetáculo não pode
parar porque se isso acontecesse podíamos perguntar: quem foi responsabilizado
no relatório sobre o roubo de armas em Tancos? O que é que isso interessa? Toca
mas é a cantar porque quem canta seus males (e seus medos) espanta: “Que saudades eu já tinha/Da minha alegre casinha/ Tão modesta como eu” (o
link segue para a versão original porque nestas coisas a origem conta)…
Quando é que o ministro da
Educação abandona o estado de holograma e responde pelas consequências de não
ser capaz de controlar o monstro que libertou ao franchisar o ministério a
Mário Nogueira? E para quando uma explicação sobre a alteração dos critérios da avaliação do exame de Matemática?
Não se sabe, mas à cautela o ministro aposta na assistência a jogos de futebol. E qual
é o problema disso enquanto nos écrans o primeiro-ministro balançar como quem
se embala ao ritmo do “Como é bom meu Deus morar/ Assim num primeiro andar/ A contar vindo do céu” na
versão roqueira?…
Os outrora tão criticados espetáculos
da política e a política-espetáculo deram lugar a algo completamente diferente
e muito mais perigoso: o espetáculo enquanto forma de preencher o vazio da
política.
Sintomática e reveladora desta
mudança foi a resposta de Marcelo Rebelo de Sousa a Donald Trump sobre a
possibilidade de Cristiano Ronaldo ser candidato à Presidência da
República: “Portugal não é bem os Estados Unidos da América” —
respondeu Marcelo a Trump e logo Lisboa foi unânime, em Portugal, nação
secular, os jogadores de futebol não podem ser candidatos à Presidência da
República. Espantoso, não é? Todos os dias nos enchem os ouvidos com o drama da
desigualdade e das assimetrias, justificam-se verbas faraónicas para programas,
unidades de missão, gabinetes e movimentos para as erradicar, fixam-se metas e
definem-se calendários mas afinal, diz o nosso Presidente, um jogador de
futebol não pode aspirar a ser presidente da República pois “Portugal não é bem
os Estados Unidos da América”. Já o Presidente da República esse pode fazer de
conta que é jogador de futebol ou treinador. Cantor ou comentador… Portugal não
é de facto os Estados Unidos. Portugal é uma espécie de Pátio das Cantigas
agora na versão Parque da Bela Vista. No cemitério de Santa Comba a esta hora
ressoa uma gargalhada escarninha.
PS. “Ministério da Educação quer que os refeitórios de todas as escolas estejam ao serviço nas férias.” Portanto o Ministério da Educação,
o tal que não consegue sequer fixar os critérios para o exame de Matemática,
exige – exigir aos outros é sempre fácil para quem nada cumpre – que os
refeitórios de todas as escolas funcionem nas férias. Mas para quê? Com que fim?
E de todas as escolas?…
O monstro soviético da 5 de outubro
é incapaz de assegurar o essencial daquilo para que foi criado – ensinar – mas
a voz engrossa-lhe na hora de cumprir a missão que cada vez mais privilegia:
estatizar a vida das crianças e jovens. Substituir-se cada vez mais às
famílias. Diminuir-lhes as competências. Desresponsabilizá-las. Ou seja,
torná-las menos capazes de tomarem conta de si e consequentemente mais
dependentes do poder político. A não ser em circunstâncias excepcionais servir
refeições nas cantinas escolares durante as férias é um absurdo.
É cada vez mais urgente que se
avaliem as consequências daquilo que nos é apresentado como apoio social pois
em vários casos todo esse arrazoado de medidas mais não faz que reforçar o protagonismo
dos dirigentes e as situações de exclusão daqueles que se propõem ajudar. Além
de claro proporcionarem muitos empregos e boas notícias numa imprensa que
invariavelmente identifica mais Estado com melhores políticas.
Título e Texto: Helena Matos, Observador,
1-7-2018
Imaginem se o ex-primeiro-ministro, Passos Coelho, fizesse metade das fantochadas dos atuais "governantes"!...
ResponderExcluirAliás, ainda bem que a seleção portuguesa foi eliminada, lamento lembrar. Nos vimos livres desses e dessas caras!