Alexandre Homem Cristo
Agora que a comunicação social puxou para
si uma reforçada responsabilidade de esclarecimento do público e de combate às
fake news, a aposta massiva nos políticos-comentadores contraria essa missão.

Mais do que arregalar os olhos
perante os salários elevados com que alguns deles são remunerados, importa
assinalar o que aqui verdadeiramente está em causa. O problema não são os
políticos, que fazem o seu trabalho. O problema também não é o dinheiro nem as
estações de televisão poderem ou não ter esta opção editorial – é claro que
podem decidir conforme quiserem e, nesse domínio, refira-se que a RTP decidiu abdicar de políticos no ativo nos seus programas. A questão
problemática que se tem de colocar diz respeito à submissão do debate público
às agendas partidárias: uma participação esmagadoramente maioritária de
políticos no comentário televisivo empobrece o debate, afunila a discussão,
abre portas a interesses ocultos e diminui a missão de escrutínio da
comunicação social sobre quem detém o poder político. Numa frase: este modelo
de debate público por políticos-comentadores torna a sociedade portuguesa menos
informada e, consequentemente, menos livre.
Não é de hoje. O comentário
televisivo está há muitos anos minado de spin partidário e de
ex-políticos a defender os seus interesses. Veja-se o caso atual de Fernando
Medina, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, que tem um programa em nome
próprio e sem contraditório, no qual “analisa” a atualidade, inclusivamente decisões políticas da qual participa. A
linha entre o comentário e a propaganda é, de facto, muito ténue.
O ponto está aqui: se esta for
a lente a partir da qual se olha para os fenómenos sociais do nosso tempo, é
inevitável que se fique com a visão turva e com uma compreensão manipulada dos
assuntos que preenchem a atualidade. Por mais que alguns aleguem que os
programas de políticos-comentadores prestam um serviço democrático (de acesso à
posição dos partidos), é difícil contradizer o seguinte: nenhum debate
televisivo semanal entre políticos é esclarecedor para o público, até porque
funciona em circuito fechado, como extensão dos (pobres) debates parlamentares.
E quem estiver minimamente informado adivinha, aliás, o que os
políticos-comentadores irão defender. Pior: quem acompanha algum destes debates
constata, sem surpresa, que importa mais o peso da agenda partidária do que a
seriedade na exposição dos factos. Situação económica, desafios da governação,
falhas nos serviços públicos – nada disto pode ser discutido nesses programas
sem ser pela cartilha partidária e, simplesmente, não há discussão que, nestes
termos, tenha qualquer utilidade.
Pergunta óbvia: para que
servem, então, os milhões de euros investidos pelas estações nos
políticos-comentadores? Algum interesse terá para as estações, na medida em que
continuam a apostar nesse modelo e a pagá-lo. Possivelmente, servirá para
manter ligações diretas com o poder político, nos seus vários quadrantes. Num
país endogâmico e onde toda a rede de poder económico e político janta nos
mesmos restaurantes, o modelo empresarial habitual consiste em encostar-se ao
Estado ou, no mínimo, em cultivar uma certa proximidade. É, na prática, uma
forma de sobrevivência – e lá vai funcionando.
A pergunta menos óbvia, mas
mais importante é, contudo, se existem alternativas. E, sim, existem. A
situação atual beneficia as estações televisivas e os políticos (cuja
visibilidade ajuda na subida da hierarquia partidária), mas é também a opção
editorial que menos valor informativo e jornalístico tem: oferece narrativas
partidárias, em vez de apostar nas investigações jornalísticas, nos estudos e
nas opiniões formadas através da pesquisa, algo que uma maior participação de
jornalistas, especialistas e académicos traria para o debate público. Não é,
por isso, de estranhar que Portugal surja como um caso raro, visto que, nos
países europeus, a presença de políticos-comentadores tende a ser reduzida. E,
sobretudo, quando nesses países existe, tende a ser equilibrada com contraditório,
com investigação jornalística, com informação rigorosa, com debates de peritos
e com exigência de escrutínio público. É esse o modelo que faz sentido e que
realmente tem valor jornalístico: pluralismo e informação de qualidade para
esclarecimento dos cidadãos, em vez de um quase-monopólio de debates que
transpiram agendas partidárias.
Dir-me-ão que esta crítica à
excessiva participação dos políticos-comentadores tem anos. Sim, é verdade, o
problema vem de trás. Mas, em 2019, a prevalência desse modelo tornou-se ainda
mais difícil de justificar. Numa época em que a comunicação social puxou para
si uma reforçada responsabilidade de esclarecimento do público, de combate
às fake news e de escrutínio ao poder político, tem de ser
visto com estupefacção que se continue a apostar nas opções editoriais que,
precisamente, contrariam essa missão.
Título, Imagem e Texto: Alexandre Homem Cristo, Observador,
11-4-2019
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