Aparecido Raimundo de Souza
“Sou
tão fora de mim que às vezes me pego comigo de braços dados com as euforias das
bosteilâncias e inconseinsequências que me matam e me fazem um defrunto fresco,
ainda que aos trancos e barrancos e contra a vontade do aqui altor”.
José Serapião Cafuné. (autor do livro “Loco, lougo, EU?!” Editora
Independente, Campinas - São Paulo, 2001, 55 páginas).
ACREDITEM, MEUS
AMIGOS LEITORES, o meu alter ego (assim como Castor e Pólux), está bem. Apesar da
pochete que carrego na linha da cintura colada ao pescoço andar completamente
vazia, tanto de dinheiro como de niqueis e cheques polpudos, estou me sentindo
em forma. Afinal de contas, sou um jovem de sessenta e seis anos e gosto de
moda. De moda fashion mais precisamente. Nela, e em seus reveses, navego a onda
que não me reteve um instante sequer. Como num voo às pregas perdão, às cegas,
perpetuo no céu do meu destino um amanhã que abraço com a sofreguidão cálida
dos dias que ainda me restam a ser vividos. Meus faróis míopes ganharam lentes
novas e uma armação importada do Paraguai que me custaram os enxergadores da
cara.
Se alguém me disser para não me preocupar com nada, costumo olhar para
trás, para ver quem me deu tal conselho. Por outra ótica, gosto de ter absoluta
certeza de que a minha bunda está no lugar em que a coloquei e que nenhum
engraçadinho se armou para me dar um belo de um chute. Fugir de certos azares
requer véspera antecipada. Paciência de Jó. Pelo sim, pelo não, melhor estar
sempre em estado de alerta. O precavido não faz mal a ninguém. Um homem
desconfiado vale por dois. Três em alerta, em acautelamento, não sobra nenhum
dos quatro. Tudo isso porque ainda tenho uma cota de medo meio que mórbido para
me estalar a face estagnada em frangalhos adormecidos.
Ultimamente ando com mania de grandeza. Coisa de intelectual. Passei a me interessar por coisas difíceis,
por palavras bonitas e rebuscadas. Por exemplo, gostaria de saber o que é
hipocausto. E se teodicéia se come ou se é só um ramo da teologia que trata da
existência de Deus como o Altíssimo. Malino é parente de maligno? Cãs! Que
porra venha a ser isso? Acaso água de torneira velha e resfriada (que por não
ter ao alcance um lenço), vazando para o chão e se esparramando pela casa toda?
Hoje, pela manhã, assim que acordei, comi mangas em pedaços com casca
e tudo. Antes um pouco das cinco da matina chupei a cor da noite com tanta
sofreguidão que até cheguei a ver heterônimos bailando ao som de Rita Lee com
Roberto de Carvalho se esgoelando na guitarra. E olha que apesar dos
heterônimos, nada tenho a ver com a pessoa de Fernando Pessoa. Após o café
corri ao dicionário para ver se achava explicação para ígneo e depois desenhei
o perfil dos oponentes como me vieram à mente. Para a máquina do meu pensamento
parece ser tudo muito simples. Penso, às vezes, ela embola as coisas,
centrifuga como um liquidificador envelhecido acometido do mal de Parkinson em
estado avantajado. Quero dizer avançado.
Mas agora, por favor, me deixem absorver esse choque, essa estremeção,
como se não fosse uma merenda indigesta que comi como uma puta da zona, antes
de saber que ela estava infectada pelo vírus da Aids. Será que peguei a CIDA de
sobremesa? Por que certas pessoas, quando vão tomar um ônibus, ao passarem pela
roleta já não trazem o cartão, o passe, ou o dinheiro trocado para não
atrapalharem os demais que veem logo atrás? Meu Deus, como a vida é simples!
Tão aldeã e casta, que a galera faz do seu cotidiano um caos inexplicável.
Reparem. Peidamos, cagamos, espirramos, vomitamos, tomamos café,
fodemos a paciência dos outros e durante todo o dia tentamos fazer o que há de
melhor pela outra parte que está ao nosso lado. Por falar nisso, minha nova
affair me deu um tremendo tapa na fuça que perdi completamente o rebolado. A
filha da mãe conseguiu virar meu rosto para a outra ponta -, aquela banda
especificamente oculta que não via fazia tempos -, e enxerguei, acreditem, sem
fazer escalas na Alemanha, tamanha a força da porrada.
Descobri semana passada, que abiscoitador é aquele sujeito que toma
alguma coisa do alheio para si. Coisa dos outros. E quanto se apodera, se
apossa de tal forma, que não há quem consiga demovê-lo da burrice dessa ideia.
Geralmente o “abiscoitrombadinha” é um abestalhado, tipo malandro pela metade.
Em outro tom, o “landro” apoderador não vai além de um conquistadorzinho
palerma e despreparado. Conheci um captador que participou de um concurso para
ver quem conseguia roubar e colocar mais gatos recém-nascidos num saco de uma
clínica veterinária ao sul do equador. Nesse certame, ganhou o troféu, uma
criatura que jogou a namorada na frente de um trem em movimento numa estação do
metrô de São Paulo. Puta merda, amados! De repente, ela apareceu minutos
depois, com um policial dependurado nas costas e, de contrapeso, exibindo um
par de algemas sorrindo faceira para os expectadores que estavam na plataforma
do terminal Barra Funda.
Mudando de pau para pica, estou cheio de flatulências. Acho melhor
caçar um poste desusado ou uma caixa d’água vazia e soltar uns traques. Sempre que
o mundo me decepciona, procuro uma mulher novinha que tenha a boceta apertada e
me escondo dentro dela. Literalmente me amoito. A sete chaves me trancafio.
Evita surpresas. Imagine um cacete
ansioso querendo fazer parte da festa em hora imprópria. Nessa vida de meu
Deus, me orgulho de ter feito de tudo um pouco. Fui bateria que não segurava
carga, carro sem gasolina para ir até o primeiro posto, avião sem asa, prédio
sem elevador, taxi sem passageiro, carteiro sem carta para entregar...
Sofri quase um ano de hipotermia geométrica. Hoje graças ao stress,
padeço de insônia aguda. Também ronco e babo, quando pego no sono. E quando não
pego também. Costumo latir, às vezes urrar altas horas da noite, como aquele
macaco no alto do Empire State Building. Em outras ocasiões, me levanto da
cama, vou até o banheiro, olho no espelho, balanço o pinto três vezes, dou
descarga no vazio e palito os dentes com um fio de linha arrancado da toalha de
banho. Antes de voltar para a alcova, esfrego meus costados na porta da
geladeira como um cavalo com coceira num
lugar de difícil acesso.
O que interessa a vocês, meus caríssimos leitores saberem dessas
coisas? Tomarem conhecimento de pequenas fraquezas desconexas, ainda mais ditas
assim, na bicha, desculpem, na bucha, sem nenhum sentido lógico? Antes que me
mandem à merda, deixa contar a última. Prometo que depois sairei de cena. Na
verdade, irei catar latinhas para vender e ganhar uns trocadinhos. Ontem à
tarde, entrei para comprar uns pães na padaria e não sei como, juro por Deus,
não sei como, sai com uma namorada nova dentro do pacote. Sem falar nas gramas
de mortadela que vieram parar na sacola, sem que soubesse explicar à moça do
caixa como tal coisa aconteceu. Não é hilário? Pois bem: pretendo, a partir
desse momento, tomar dois cursos, dois rumos em minha vida.
Que cursos, que rumos? - Vocês claro, perguntarão. Curiosos como são,
não vão deixar de ser abelhudos justo agora. Esperem um bocadinho. Tenham um
pouco de paciência comigo. Meu clínico geral me disse recentemente que sofro de
arabão. O que é? Vocês não sabem o que é arabão? – Arabão, meus prezados, é o
ato de se alimentar descontroladamente. Antes achava quem comia demais se dava
o nome de comilão. Nada a ver! Além de arabão, sofro da síndrome da
assacadilha. Não sei qual o motivo, mas, às vezes, certas pessoas me fazem lembrar
um tocador de bandurra. Por acaso vocês, meus amigos leitores são bandurristas?
Não riam, por favor, não zombem de mim! Minha vizinha de frente, quando quer
trepar parece fazer um pacto suicida com meu amansador de tesão recolhido.
Nessas horas o troço entre as pernas entra numa espécie de tempestade elétrica.
Num piscar de contrassensos, a galhardia e a sacanagem se fundem
(talvez por terem, em comum, um “Tino” de humor meio “Marcos” distorcido) numa
falta de ânimo que acaba se transformando em tremenda dor de cabeça tão forte
que meus nervos se quedam acorrentados em farraparias e molambos. No final das
contas, eu só queria voltar para minha vida, mas me pego preso dentro de um
túmulo, com um monte de formigas passeando sobre as maçãs de meu rosto. Papai,
coitado, era meio Camões. Morreu sonetando Mario Quintana, deitado numa espécie
de camilha coberto da cabeça aos pés com um monte de sacos de farinha de trigo.
Antes de bater as botas, o velho leu para mim um poema de Drummond que ficou na
minha garganta como um espinho de peixe entalado de maneira errada.
Fiz um check-up, completo. Existe check-up incompleto? Me banhei com a
lama negra e cheirosa de Brumadinho, e sonhei que estava lendo o catecismo de
Heidelberg para o Lula na Polícia Federal em Curitiba. Vocês sabiam que o fio
de Ariadne forneceu ao seu amado Teseu, uma linha que lhe permitiu sair do
labirinto onde se encontrava o minotauro? Mudando outra vez de presunto, não,
de assunto: e a barca de Caronte? Quem é
Caronte? Dizem, por aí, um barqueiro dos infernos representado por um ancião
andrajoso, encarregado de transportar as almas dos falecidos não sepultados.
Transportar para onde? Acho, com toda certeza, para a puta que me pariu! Fiquem
tranquilos meus amigos. Não se apolentem (desculpem de novo), não se
apoquentem. Estou saindo fora. Auto lá. Não, auto da comadre Cidra cá: alguém,
em algum lugar desse planeta, conseguiu sair para dentro??!!
Título e Texto: Aparecido
Raimundo de Souza, de São Paulo, Capital. 7-5-2019
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