Péricles Capanema
Quase 60 anos atrás, 1961, Nelson Rodrigues escreveu: “Hoje em dia, chamar um brasileiro de reacionário, é pior do que xingar a mãe. Não há mais direita, nem centro — só há esquerda neste país. Perguntem ao professor Eugênio Gudin: — ‘Você é reacionário?’. Sua resposta será um tiro. Insisto: — o brasileiro só é direitista entre quatro paredes e de luz apagada. Ao contrário de setenta milhões de patrícios, eu me sinto capaz de trepar numa mesa e anunciar gloriosamente: — Sou o único reacionário do Brasil. E, com efeito, agrada-me ser xingado de reacionário. Por toda parte, olham-me, apalpam-me, farejam-me como uma exceção vergonhosa.”
Comenta ainda o dramaturgo,
considerado o maior do Brasil: “Eu, com todo o meu reacionarismo,
confesso e brutal, sou o único autor de teatro, o único que, até hoje,
não mereceu jamais um mísero prêmio. Pois bem. O Dias Gomes, com o seu ‘Pagador
de promessas’, fez um rapa de prêmios. O Flávio Rangel não dá um espirro sem
que lhe caia um prêmio na cabeça. O meu amigo Augusto Boal, premiado. O Vianinha,
premiadíssimo”. Dias Gomes e Vianinha foram do PCB, os dois outros são também
autores de esquerda.
Em 2020, o brasileiro só se
confessa direitista entre quatro paredes e de luz apagada? “Só há
esquerda nesse país” continua válido? Vamos distinguir. Ponto capital:
o Brasil de 1961, em boa parte, mantinha nível de moralidade privada e de
moralidade pública que já não temos; melhor, moralidade e respeitabilidade,
eram em larga medida penhor de futuro brilhante. Nesse sentido, sob o ponto de
vista do que hoje se intitula revolução cultural, despencamos para a esquerda.
Ficamos diferentes para pior, apareceram mais nítidas e mais pesadas nuvens
negras no horizonte do futuro.
Faltam os prêmios. Continuam a
jorrar só para a autores de esquerda? Por que naqueles anos de generalizada
inibição e temor direitistas — de hegemonia cultural esquerdista na posse dos
microfones —, ninguém premiava Nelson Rodrigues? Simples, os instrumentos pelos
quais se exprimia na época a opinião que se publica (diferente da opinião pública)
estavam a bem dizer todos na mão da esquerda, comitês, comissões, diretorias de
associações, tanta coisa mais. E ela só premiava e premia gente da patota. E
assim, na promoção de numerosos corifeus da esquerda por meio de ambientes
eruditos e posições de destaque (as patotas prestigiam patotas), não mudou nada
ou quase nada. Temos ainda atuante uma carapaça revolucionária, já bastante
encarquilhada, asfixiando um miolo vivo em que existe muita coisa boa. Em
resumo, o brasileiro comum em boa medida permanece refratário à pregação
esquerdista.
Não nos iludamos, este mundo
de letrados esquerdistas, insulado do público em redoma tóxica, representa
realidade artificial, postiça, mas sedimentada. Infelizmente ainda hoje sua
orientação predomina nas sacristias, na academia, nas redações, em muitos
clubes grã-finos. E isso projeta visão deformada do que seja o Brasil.
Alguém, por exemplo, já ouviu
falar que a CNBB, CIMI ou CPT tenham promovido para os galarins sacerdote
conservador, mesmo que seja por distração? Não existe. Nos últimos anos algum
autor de direita foi distinguido com prêmio literário de valor? Nas redações
despontam jornalistas com traços direitistas e conservadores, é fato. Por quê?
Motivo pouco enfatizado, para as direções das empresas é conveniente tê-los
como colaboradores, pois atraem para suas publicações e programas leitores e
ouvintes conservadores. O descolamento entre o público comum e docentes,
fortíssimo na academia, aqui é bem menor.
Em um aspecto, o Brasil de
nossos dias é muito diferente do Brasil de 1961, em que a patrulha ideológica
marcava forte. Nas redes, com audiência, há sites direitistas e conservadores
dos mais variados matizes e orientações. De alto a baixo da opinião brasileira,
em especial na parte anônima, que não se publica, que tem poucos microfones à
disposição, cresce um movimento de reação. Quem diz reação, diz gente que
reage, reacionários. Repito, mudou o Brasil, o reacionário e o conservador se
manifestam com decibéis cada vez maiores. Em numerosos setores, abrigando-se em
numerosas correntes, existem conservadores e reacionários atuantes.
Falei acima de matizes e
orientações diferentes. Com efeito, as discrepâncias tantas vezes eriçadas
provocam choques, às vezes desagregadores e destrutivos. E aqui começo o mais
importante de minhas considerações. Liberais na economia, contrários à
estatização, são tantas vezes libertários em costumes. Temos conservadores nos
costumes, mas com pendores estatizantes.
Vou tentar clarear parte da
situação, o demônio pesca em águas turvas. Para isso olho quintal vizinho, a
França. Por razões de tempo e espaço, trato do tema por cima. Lembro divisão
conhecida da direita francesa (com muitas adaptações seu conhecimento ilumina a
cena brasileira): legitimista, bonapartista, orleanista.
A legitimista — um dia quis
Luís XVIII, mais ainda, sonhou com Carlos X [foto], recusou Napoleão no
trono — via de regra é tradicionalista, monárquica, católica. Valoriza elites
enraizadas na História, não é estatizante, seu foco é a defesa da família,
espera relativamente pouco da ação do Estado, dá mais importância ao costume
que à lei. A mais, luta pelos direitos das sociedades intermediárias (princípio
de subsidiariedade). Líderes com certa nota patriarcal; melhor, paternal.
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Coroação de Carlos X, quadro de François Pascal Simon Gérard |
A direita orleanista aceitou a
Revolução Francesa, mas quer o Rei, limitado constitucionalmente, como fator de
ordem e unidade. Economia liberal, moral liberal, Estado secular. Instituições
nascidas dos princípios da Revolução Francesa, sociedade moldada por eles, tem
algo de república coroada. Líderes pragmáticos e gestores, em geral de
mentalidade girondina.
Termino. O curso da lógica
traz a pergunta: para quem não é esquerdista, que tipo de direita preferir para
o Brasil? Quais características o movimento conservador deveria privilegiar.
Respondo. Sou católico, propugno a doutrina social da Igreja. Defendo o
princípio de subsidiariedade e a ampliação da influência da família na
sociedade. Recuso o estatismo, o populismo para mim é falsa solução para
problemas reais. Convido-o, leitor, a alinhar as características de sua
preferência. E os perigos que pretende evitar com elas. Tem motivo importante,
o Brasil de hoje não é o de 1961, vergastado por Nelson Rodrigues; na sociedade
começam a se generalizar sem timidez conservadores e reacionários. Os rótulos
valem menos que os conteúdos. Que conteúdo terão tais correntes de opinião daqui
a alguns anos?
Título e Texto: Péricles
Capanema (periclescapanema.blogspot.com),
ABIM, 17-1-2020
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