quarta-feira, 30 de outubro de 2024

O discurso da extrema-esquerda

Henrique Pereira dos Santos

“Nós temos é que matar o homem branco como sugeria o [Frantz] Fanon. O homem branco que nos trouxe até aqui tem de ser morto. Para evitarmos – como dizia Orlando Patterson – a morte social do sujeito político negro é preciso matar o homem branco, assassino, colonial e racista“.

Esta é uma famosa frase de Mamadou Ba [foto], que os polígrafos desta vida dizem que não pode ser descontextualizada e que o próprio Mamadou Ba considera desonestamente citada, se tirada do contexto, mas a frase é mesmo esta e Mamadou Ba está (evidentemente em sentido figurado) a reconhecer razão a Fanon (que tinha sido referido por alguém da assistência a quem Mamadou Ba está a responder).

Agora imaginemos que uma frase absolutamente simétrica (incluindo no contexto) era dita por alguém da "extrema-direita".

Lembrei-me disto porque um amigo meu ficou muito indignado por eu ter feito um post a perguntar qual era mesmo o perigo da extrema-direita, tendo esse meu amigo ficado à espera que eu escrevesse um post sobre as declarações de dirigentes e afins do Chega.

Como há milhares de pessoas a sinalizar a sua virtude assinando uma petição para criminalizar a liberdade de expressão, como eu não preciso de fazer essa sinalização e não tenho qualquer razão para andar a comentar as tolices de Ventura e afins (sendo as tolices auto-evidentes, para mim, não se ganha nada em andar a martelar na mesma tecla, excepto no caso de achar que a liberdade de expressão deve ser limitada à expressão da virtude), achei boa ideia passar antes os olhos pelo discurso da extrema-esquerda sobre a gestão dos subúrbios pobres das grandes cidades.

Como disse, e muito bem, Rui Moreira, o discurso de que a única face do Estado nesses subúrbios é a polícia é falso, a habitação, ou pelo menos os serviços urbanos de água, electricidade e tratamento de resíduos, é providenciada pelo Estado, as prestações sociais são uma das grandes fontes de rendimento desses bairros (não há, nesta afirmação, qualquer juízo de valor, também é a Segurança Social o principal financiador do mundo rural, atualmente), os transportes públicos servem esses bairros, as escolas e creches existem, a prestação de cuidados de saúde existe, etc.

Mas mais, que não disse Rui Moreira, boa parte das associações que trabalham com essas comunidades são financiadas, pelo menos parcialmente, pelo Estado.

A esquerda insiste em contestar sistematicamente o funcionamento das instituições, o que é especialmente visível quando os tribunais decidem de forma diferente daquilo que serviria melhor a agenda a extrema-esquerda, dando origem a comunicados inflamados protestando contra o racismo do sistema de justiça português.

"Em todos os casos de brutalidade policial que resultou nas mortes de cidadãos negros, racializados, a PSP nunca foi convincente sobre as condições e motivos destas mortes. Portanto, num país cuja polícia está inegavelmente infiltrada pela extrema-direita racista, as mortes de pessoas negras às mãos de agentes policiais levantam as maiores dúvidas e preocupações sobre as reais motivações das intervenções policiais que acabam nestas mortes".

O parágrafo citado é do SOS Racismo, mas corresponde ao discurso dominante da extrema-esquerda, a mesma que se ofende pelo facto de Israel falar da infiltração das agências da ONU pelo Hamas.

Estranhamente, a extrema-esquerda não se apercebe de que se é verdade que há uma sobre representação de ciganos e não brancos nas vítimas das ações policiais, também é verdade que essa sobre representação também se verifica em todo o percurso relacionado com o crime, incluindo no sistema prisional.

E quando alguém estuda o assunto, identifica rapidamente a principal (há várias) raiz dessa sobre representação no mundo do crime: a pobreza.

É uma extrema-esquerda que prefere falar da violência policial (o fim de linha), esquecendo-se de defender seriamente as duas principais instituições que melhor defendem os deserdados da vida dos contextos adversos em que sobrevivem: a família e a escola.

Por mim, uns e outros podem dizer o que quiserem, não são as palavras que matam ou ferem pessoas e, na maior parte dos casos o discurso é tão troglodita que autolimita os seus efeitos mas, se tiver de escolher, eu diria que o discurso da extrema-esquerda é bem pior que o discurso da extrema-direita, não no conteúdo, que é igualmente cavernícola, mas no facto de ser muito mais levado a sério por muito mais gente, que deveria ter muito mais juízo que o que tem.

Título e Texto: Henrique Pereira dos Santos, Corta-fitas, 30-10-2024

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