Aparecido Raimundo de Souza
Zélio do Papo Coaxante puxara os dotes da rainha de seus dias e, ainda metido nas fraldas, saia a correr tresloucadamente desembestado, como se fugisse de um ramerrão montado numa bicicletinha de cor vermelha que ganhara de seu avô. Tal brinquedo, ele apelidara carinhosamente de “Fogueteira”. Todos os dias, explorava novos trilhos e veredas, sentindo o vento fresco e ouvindo o canto dos pássaros. Dessa forma, ele cresceu livre, leve e solto, enquanto os anos voavam ao redor da lagoa. Sua bicicleta de rodinhas, de repente, passou para uma Bike Kruiser S Plus de cor preta. Com marcha, motor e tudo o que tinha direito. De bicicleta nova, manteve o mesmo nome de batismo. Certo dia, enquanto pedalava alegremente, Zélio ouviu um som estranho vindo de sua bicicleta. “Pssssss…” O pneu dianteiro havia furado.
Parou imediatamente e desceu para inspecionar o dano. Ele sabia que um pneu furado poderia arruinar a sua aventura, mas Zélio se desenvolvera num sujeito determinado e não se deixaria abater tão facilmente por um simples contratempo. Com a sua mochila sempre preparada, tirou dela um kit de reparo de pneus. Lembrou das instruções que seu amigo Cururu, o sapo mecânico havia lhe dado. Primeiro, Zélio retirou a roda da bicicleta com cuidado. Em seguida, usou uma espátula para remover o pneu do aro e encontrar o furo na câmara de ar. Depois de localizar o pequeno buraquinho, limpou a área ao redor e aplicou um remendo com cola especial. Esperou pacientemente até que a cola secasse, enquanto aproveitava para descansar um pouco e apreciar a beleza da floresta ao seu redor.
Com o remendo bem fixado, recolocou a câmara de ar e o pneu no lugar. Encheu com sua bomba portátil e verificou se estava tudo em ordem. Estava. Satisfeito com seu trabalho, montou novamente na sua “Fogueteira” e continuou a sua jornada. Aquele pequeno contratempo não apenas ensinou a importância de estar sempre preparado para o que pintasse diferente. Também serviu para reforçar a sua paixão pelo ciclismo. Sabia que, como na vida, os desafios poderiam surgir a qualquer momento, porém, com determinação e um pouco de habilidade, não havia meio possível para desapontá-lo de seguir em frente. Com esse pensamento aflorado, Zélio do Papo Coaxante o sapo ciclista, reiniciou a sua jornada feliz se embrenhando mais a fundo pela floresta, atento e pronto para a próxima aventura, com a sua fiel bicicleta.
Depois de um dia cheio de pedaladas, Zélio decidiu que queria experimentar algo novo. Ouvia falar quase diariamente, das maravilhas da floresta à noite. Nunca teve a oportunidade de explorá-la sob a luz das estrelas. Sem mais delongas, certa tarde, preparou a sua mochila com uma lanterna, um mapa e alguns lanches e refrigerantes. Esperou o sol se pôr totalmente. Quando a noite chegou, montou em sua amiga “Fogueteira” e deu início a tão sonhada aventura noturna. A floresta, ao seu entorno, parecia um lugar completamente diferente à noite. As árvores lançavam sombras misteriosas, e os sons dos animais noturnos criavam uma sinfonia encantadora. Pedalou, sem pressa de voltar. Se embrenhou por trilhas e desvãos que conhecia muito bem durante o dia.
Contudo, em plena escuridão da noite, pareciam coisas novas e emocionantes. Avistou vagalumes brilhando como pequenos astros ao seu redor e ouviu admirado o canto suave dos grilos. Em um momento, estancou para observar uma coruja majestosa pousada em um galho. Seus olhos grandes e brilhantes refletiam a luz da lanterna de uma maneira exuberante que ele jamais havia visto. Enquanto explorava, o local, encontrou um pequeno lago iluminado pela mesma lua que o acompanhara por todo o trajeto. Decidiu fazer uma pausa e se sentar à beira da água, apreciando a tranquilidade daquele momento que lhe pareceu único e indescritível. O fulgor da constelação, na superfície do lago se fazia hipnotizante, e ele sentiu uma paz profunda. Depois de comer, beber refrigerante e descansar, resolveu continuar a sua jornada.
Assim fez. Descobriu, logo adiante, novas sendas e apreciando a beleza da floresta noturna, desejou ter uma câmera fotográfica ou uma filmadora para registrar aqueles momentos espantosos e colossais. Sabia que essa aventura seria transformada em uma das suas favoritas. As trilhas por onde passou, lhe descortinou um lado da mata que ele nunca havia visto antes. Quando finalmente voltou para casa, estava exausto e apesar do cansaço, imensamente feliz. Tinha consciência de que a floresta guardava em sua densidade muitos segredos e mal podia esperar para descobrir outras novidades em suas próximas façanhas. Não deu outra. Enquanto explorava aquele bosque denso, em uma outra noite, ouviu um som suave de canto vindo de uma clareira próxima. Curioso, seguiu o som e encontrou, sentada numa pedra enorme, uma linda perereca.
O nome dela, Sanja. A beldade se fazia sentada à beira de um minúsculo riacho. Sanja, de posse de um violão, cantava uma canção do Roberto Carlos e a sua voz parecia se harmonizar perfeitamente com os ruídos nascidos do seio da terra. Encantado, ou melhor, embasbacado pela voz e pela beleza daquela estonteante sapa, a mente de Zélio foi perdendo o fio das ideias, ao tempo em que dela se aproximava pé ante pé. Foi se achegando timidamente e a cumprimentou. Sanja sorriu e sem demonstrar um pingo de medo, percebeu que naquele momento havia perdido o tom de uma possível emergência em vista do recém-chegado. Sem receio algum, o convidou para se sentar ao seu lado. Nesse momento cresceu dentro dela uma inflamação impossível de dominar.
Começaram a conversar e papo vai, papo vem, descobriram que tinham muito em comum, especialmente no amor incondicional pela natureza e claro, pelas aventuras. Nesse chove não molha, passaram a noite explorando juntos, compartilhando histórias e risadas. Zélio mostrou a Sanja alguns de seus lugares favoritos e a prestimosa, por sua vez, o levou para conhecer um campo de flores estonteantes que brilhavam sob a luz cálida da lua. Ambos se divertiram tanto, que perderam a noção do tempo. Quando a noite chegava ao fim, Zélio e Sanja perceberam que não queriam mais se separar. Decidiram que, embora cada um tivesse a sua própria lagoa, poderiam se encontrar frequentemente naquele mesmo lugar, para novas proezas. Selaram, pois, esse compromisso com um longo aperto de mãos e beijos quentes, quase perspirando.
Sem falar nos olhares prolongados e carinhosos, entrelaçados a sorrisos efusivos. Prometeram explorar juntos outros pontos daquele paraíso sempre que pudessem. Não cabendo em si de contentamento, Zélio regressou para a sua lagoa com o coração cheio de alegria e expectativa pelas próximas andanças e aventuras com a Sanja. A pequena diva, por sua vez, em dias posteriores, voltou para a sua lagoa, ansiosa para contar às suas amigas sobre o sapo ciclista bonitão que havia conhecido. A partir daquele dia, Zélio do Papo Coaxante e a perereca sanja se tornaram grandes amigos e companheiros de muitas peripécias, sempre prontos para descobrirem os segredos insondáveis daquele lindo e flamejante pedaço de chão, agora ricamente aconchegante ou melhor, importante e repletado de mil galhardias e incontáveis magnificências.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha, no Espírito Santo, 25-10-2024
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