Henrique Pereira dos Santos
A propósito do fim da comissão de serviço de Lucília Gago, por estes dias, não foi um nem dois jornalistas que, procurando resumir o seu desempenho à frente do Ministério Público, falaram no parágrafo que provocou a queda do governo de António Costa.
O que provocou a queda do
governo de António Costa foi António Costa, não foi nenhum parágrafo escrito
por terceiros.
Se dúvidas houvesse na altura,
bastaria o percurso posterior de António Costa para demonstrar o que já então
me parecia evidente: António Costa tinha perfeita consciência do grau de
degradação institucional que o rodeava e estava apenas à procura de um pretexto,
qualquer que fosse, para justificar a forma como tencionava tratar da sua
vidinha.
Como sempre, António Costa
procurava não fechar umas portas para abrir outras, o que ele estava a fazer,
como sempre fez, foi ir abrindo portas, sem nunca deixar muitas outras abertas
porque o futuro é uma coisa muito incerta.
Até havia vários precedentes
na sua carreira, por exemplo, a forma como abandonou o governo de Sócrates,
sabendo que a probabilidade de dar asneira era muito grande, que o esteve estar
nesse governo apenas o tempo necessário para escolher a melhor forma para se
distanciar, sem nunca demonstrar que essa era uma preocupação central para ele
(o discurso de defesa de Sócrates no último congresso do PS que elegeu
Sócrates, com uma votação norte-coreana, já depois de chamada a troica, é
notável como demonstração do cinismo que caracteriza António Costa, que sempre
esteve fartinho de saber quem era Sócrates e como funcionava).
A carreira de António Costa, na forma como ocorreu, só é possível num ambiente mediático como o que existe em Portugal, com todas as redações dos jornais dominadas pela esquerda woke, enfronhadas na intriguice que assenta nas fontes anónimas e na leitura de "entrelinhas" feitas por jornalistas que não sabem que cada leitor escolhe as entrelinhas que quiser, não havendo utilidade nenhuma em qualquer jornalista se entreter a explicar ao povo ignaro quais são as entrelinhas de qualquer discurso.
Mithá Ribeiro, ontem, no
Observador, escreveu uns parágrafos muito lúcidos e expressivos sobre um dos
problemas centrais do jornalismo atual:
"Quantos jornalistas saem
noites seguidas ao mar com pescadores? Quantos saem à rua, semanas ou meses
seguidos, com polícias em ações de patrulha habituais no bairro difícil?
Quantos passam noites e noites com trabalhadores municipais da recolha de resíduos
urbanos? Quantos partilham semanas, meses e anos seguidos de convívio
quotidiano com uma família ou comunidade cigana? Por aí adiante.
Como pode um jornalista
conhecer o país de que fala e emitir juízos de valor sem evidências empíricas
sólidas? Como pode uma classe profissional inteira fugir do país real para
gravitar em torno da casta governativa?".
Não venham com a história da
escassez de meios nas redacções, por favor, a opção de aceitar citar fontes
anónimas, quando esse anonimato não protege a vida de ninguém, mas apenas a
posição política dessa fonte que assim pode espalhar o que lhe interessa sem
assumir a responsabilidade pelo que diz, é uma opção que viola os códigos da
profissão e não decorre da falta de meios, decorre de uma opção pela
calhandrice em detrimento do jornalismo.
É a esta calhandrice
permanente, esta quadrilhice, esta intriga à volta do que alguém diz, a que
alguém responde de forma igualmente anônima, que estão rendidas as seções de
jornalismo político, que permite a António Costa singrar como o melhor político
da sua geração, com base em tretas como a de que o seu governo foi deitado
abaixo por um parágrafo, e não pela degradação institucional que sempre
caracterizou a atuação política de António Costa, como instrumento para melhor
tratar da sua vidinha no meio da confusão.
Título e Texto: Henrique Pereira dos Santos, Corta-fitas, 14-10-2024
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