A disseminação de informações falsas pode destruir vidas, causando danos emocionais irreparáveis, levando até à prisão ou à morte de inocentes
David Agape
Lembram do caso do esquilo Peanut? O pet, famoso nas redes sociais, foi apreendido pelo Departamento de Conservação Ambiental (DEC) de Nova Iorque após uma denúncia sobre a posse ilegal de animais silvestres. Após morder um oficial durante a apreensão, o esquilo foi sacrificado, gerando uma onda de comoção pública.
Em meio à indignação dos
seguidores de Peanut, uma mulher chamada Monica Keasler foi acusada de ser a
denunciante, tornando-se alvo de ameaças de morte e pacotes de bombas falsas em
casa, além de ter seus dados pessoais disseminados nas redes.
Contudo, Keasler não fez a
denúncia e não tinha qualquer ligação com o caso.
Tornem-na famosa.
Pouco após a notícia da morte
de Peanut, usuários de redes sociais começaram a especular sobre quem poderia
ter feito a denúncia. Um print de
uma publicação, supostamente de uma conta de Monica Keasler no TikTok, circulou
nas redes com uma “confissão” em que ela afirmaria ter denunciado o esquilo às
autoridades. A mensagem atribuída a Keasler dizia: "Foi meu direito
denunciar Peanut, o esquilo, às autoridades. Peanut é um animal selvagem e não
um pet. Pare com o ódio!!!"
Pouco depois, a influenciadora
texana Sarah Fields, que se
autointitula “jornalista investigativa” e possui mais de 250 mil seguidores no
X, apontou Keasler como a responsável pela denúncia. Sarah escreveu: “Monica
Keasler é quem fez a denúncia sobre Peanut. Ela agora deletou todas as suas
redes sociais. Tornem-na famosa.”
Sem apresentar provas, Fields
não apenas expôs o nome de Keasler, mas também detalhes sobre seu negócio e a
cidade onde mora. A postagem acumulou 17 milhões de visualizações e 38 mil
compartilhamentos antes de ser deletada, o que desencadeou uma "caça às
bruxas" virtual. Keasler passou a receber ameaças de morte e assédio, e
até teve seu endereço e telefone expostos na internet.
Mark Longo, dono de Peanut, também contribuiu para aumentar as suspeitas. Ele fez uma publicação pedindo aos seguidores para “lembrar o nome de Monica Keasler”, insinuando que mais detalhes viriam à tona. Porém, a suposta “confissão” de Keasler havia sido postada por uma conta falsa no TikTok, criada apenas três horas depois de seu nome começar a circular. A conta possuía apenas uma postagem e mostrava outros sinais de fraude, indicando que a confissão havia sido fabricada. Percebendo o erro, Longo apagou as mensagens e pediu publicamente que cessassem os ataques contra Keasler, enfatizando a importância de checar os fatos antes de acusar alguém e “arruinar a vida de outra pessoa”. Entretanto, o pedido de Longo foi ignorado e os ataques continuaram.
Outras vítimas
Em sua “denúncia”, Sarah
incluiu na publicação uma suposta foto de Keasler, mas esta pertence a outra
pessoa posteriormente identificada como Adrienne Baltzer. Em seu Instagram,
Adrienne lamentou que essa não era a maneira pela qual gostaria de ter ficado
famosa.
Outra vítima foi uma mulher
chamada Monica Kessler. Sem qualquer relação com o caso, esta publicou um vídeo no
TikTok relatando que também vem recebendo ameaças de morte por ser confundida
com Monica Keasler.
“Oi, TikTok, sou a garota mais
odiada da internet — e pelos motivos errados”, desabafou Kessler no vídeo. “Meu
sobrenome não é o mesmo. Se você abrir um vídeo e quiser comentar algo odioso,
leva dois segundos para ver que muitas, muitas pessoas já avisaram que não sou
eu.” Kessler reforçou que jamais esteve envolvida em uma denúncia contra o
esquilo Peanut e que só tomou conhecimento do caso na manhã de sábado.
Monica K., fotógrafa de
crianças e recém-nascidos, também foi vítima de mensagens agressivas e ameaças
por ter um nome semelhante. Em sua página no Facebook,
ela esclareceu que estavam procurando a Monica errada.
“Vou dar 24 horas para que
leiam minha resposta e sejam redirecionados corretamente. Aqueles que
continuarem a me assediar serão denunciados por assédio. Obrigada. Lembrem-se:
atacar pessoas inocentes não os torna melhores do que quem destruiu a vida dessa
família e seus pets”, escreveu.
Em meio aos ataques, ela
relatou que precisou responder a inúmeras mensagens e telefonemas esclarecendo
sua identidade e localização, pedindo que as pessoas buscassem informações
confiáveis antes de prosseguir com as ofensas.
A verdade vem à tona
Para comprovar sua inocência,
Keasler solicitou acesso aos registros públicos de Nova Iorque sobre o caso de
Peanut. Os documentos obtidos confirmaram que seu nome não estava associado a
nenhuma denúncia ao DEC. Seu advogado requereu também registros adicionais para
identificar o verdadeiro denunciante, eliminando qualquer dúvida sobre a
participação de Keasler no caso. Em entrevista a
uma rádio local, Keasler e seu advogado descreveram o impacto emocional das
acusações, afirmando que “não há evidências” que liguem Keasler ao
ocorrido.
Ah, e Sarah Fields? A
influenciadora, que inicialmente divulgou a falsa acusação contra Keasler, só
retirou o post depois que recebeu uma nota da comunidade no X e perdeu a
monetização. Após deletar suas postagens, Sarah bloqueou usuários que
questionaram sua atitude e não ofereceu uma retratação pública.
Esse não foi o primeiro erro
grotesco de Sarah que colocou vidas em perigo. Recentemente, ela acusou
falsamente outra mulher, Jordan Bowen, de ser a pessoa flagrada gritando com um
bebê em um comício de Kamala Harris. Essa acusação equivocada gerou ataques e
ameaças a Bowen e a sua família.
Outro exemplo de mau
jornalismo praticado por Sarah Fields foi o caso de Matthew Metro. Durante a
campanha presidencial de 2024, Sarah divulgou no X que Metro havia
“oficialmente acusado” o candidato democrata a vice-presidente, Tim Walz, de
agressão sexual, baseando-se em um vídeo produzido com inteligência artificial.
No entanto, o verdadeiro Matthew Metro negou as acusações, afirmando nunca ter conhecido Walz. Sarah apagou a publicação posteriormente.
Em resposta a um comentário no
X que questionava sua “apuração” sobre o caso de Keasler devido às suas
conclusões precipitadas anteriores, Sarah respondeu: “Lições foram aprendidas.
Eu cometi um erro. Eu aprendi com isso. Esta é ela”.
Entretanto, em entrevista a
Tony Ortiz, do Substack Current Revolt, Fields admitiu que não tinha certeza da culpa de Keasler no
momento em que fez a acusação. Segundo ela, seu “editor” e chefe na organização
para a qual supostamente escreve havia garantido a veracidade da história. No
entanto, uma investigação do Current Revolt revelou que a
organização em questão não existe mais e que Fields, na verdade, não possui um
editor ou chefe.
Mesmo diante da repercussão e
dos danos causados a Keasler, Fields afirmou que não fará um pedido de
desculpas público ou uma retratação formal até que conclua sua “investigação”
sobre o caso. Para Ortiz, Fields adota uma abordagem irresponsável, “publicando
primeiro e investigando depois”, atitude incompatível com o que se espera de um
jornalista. Após a publicação de sua investigação, Ortiz desabafou: “Acusar
alguém de ser culpado gera mais visualizações do que provar que ele é
inocente”.
Após a publicação do
Substack Current Revolt, Fields bloqueou Ortiz.
Conclusão
É essencial ter cautela ao
confiar em autointitulados jornalistas investigativos que não apresentam provas
sólidas para sustentar suas acusações. Participar de campanhas de ataque e
assédio digital é igualmente irresponsável; mesmo que Monica Keasler fosse de
fato a denunciante, ações como essa podem ter consequências irreversíveis. Ao
se deparar com convocações como “vamos torná-la famosa”, o melhor caminho é
evitar o envolvimento.
O jornalismo investigativo é
uma profissão de grande responsabilidade, capaz de impactar profundamente a
vida das pessoas e, em alguns casos, até condenar inocentes. Embora seja fácil
se autodenominar jornalista investigativo, é impossível manter-se na prática
por muito tempo sem comprometimento com a verdade — mais cedo ou mais tarde, a
falta de rigor e responsabilidade será desmascarada.
Título e Texto: David Agape,
A Investigação, Substack,
10-11-2024
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