quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Caso esquilo Peanut: um alerta contra o “jornalismo investigativo” irresponsável

A disseminação de informações falsas pode destruir vidas, causando danos emocionais irreparáveis, levando até à prisão ou à morte de inocentes 

David Agape 

Lembram do caso do esquilo Peanut? O pet, famoso nas redes sociais, foi apreendido pelo Departamento de Conservação Ambiental (DEC) de Nova Iorque após uma denúncia sobre a posse ilegal de animais silvestres. Após morder um oficial durante a apreensão, o esquilo foi sacrificado, gerando uma onda de comoção pública.

Em meio à indignação dos seguidores de Peanut, uma mulher chamada Monica Keasler foi acusada de ser a denunciante, tornando-se alvo de ameaças de morte e pacotes de bombas falsas em casa, além de ter seus dados pessoais disseminados nas redes. 

Contudo, Keasler não fez a denúncia e não tinha qualquer ligação com o caso.

Tornem-na famosa.

Pouco após a notícia da morte de Peanut, usuários de redes sociais começaram a especular sobre quem poderia ter feito a denúncia. Um print de uma publicação, supostamente de uma conta de Monica Keasler no TikTok, circulou nas redes com uma “confissão” em que ela afirmaria ter denunciado o esquilo às autoridades. A mensagem atribuída a Keasler dizia: "Foi meu direito denunciar Peanut, o esquilo, às autoridades. Peanut é um animal selvagem e não um pet. Pare com o ódio!!!"

Pouco depois, a influenciadora texana Sarah Fields, que se autointitula “jornalista investigativa” e possui mais de 250 mil seguidores no X, apontou Keasler como a responsável pela denúncia. Sarah escreveu: “Monica Keasler é quem fez a denúncia sobre Peanut. Ela agora deletou todas as suas redes sociais. Tornem-na famosa.”

Sem apresentar provas, Fields não apenas expôs o nome de Keasler, mas também detalhes sobre seu negócio e a cidade onde mora. A postagem acumulou 17 milhões de visualizações e 38 mil compartilhamentos antes de ser deletada, o que desencadeou uma "caça às bruxas" virtual. Keasler passou a receber ameaças de morte e assédio, e até teve seu endereço e telefone expostos na internet.

Mark Longo, dono de Peanut, também contribuiu para aumentar as suspeitas. Ele fez uma publicação pedindo aos seguidores para “lembrar o nome de Monica Keasler”, insinuando que mais detalhes viriam à tona. Porém, a suposta “confissão” de Keasler havia sido postada por uma conta falsa no TikTok, criada apenas três horas depois de seu nome começar a circular. A conta possuía apenas uma postagem e mostrava outros sinais de fraude, indicando que a confissão havia sido fabricada. Percebendo o erro, Longo apagou as mensagens e pediu publicamente que cessassem os ataques contra Keasler, enfatizando a importância de checar os fatos antes de acusar alguém e “arruinar a vida de outra pessoa”. Entretanto, o pedido de Longo foi ignorado e os ataques continuaram.

Outras vítimas

Em sua “denúncia”, Sarah incluiu na publicação uma suposta foto de Keasler, mas esta pertence a outra pessoa posteriormente identificada como Adrienne Baltzer. Em seu Instagram, Adrienne lamentou que essa não era a maneira pela qual gostaria de ter ficado famosa.

Outra vítima foi uma mulher chamada Monica Kessler. Sem qualquer relação com o caso, esta publicou um vídeo no TikTok relatando que também vem recebendo ameaças de morte por ser confundida com Monica Keasler. 

“Oi, TikTok, sou a garota mais odiada da internet — e pelos motivos errados”, desabafou Kessler no vídeo. “Meu sobrenome não é o mesmo. Se você abrir um vídeo e quiser comentar algo odioso, leva dois segundos para ver que muitas, muitas pessoas já avisaram que não sou eu.” Kessler reforçou que jamais esteve envolvida em uma denúncia contra o esquilo Peanut e que só tomou conhecimento do caso na manhã de sábado.

Monica K., fotógrafa de crianças e recém-nascidos, também foi vítima de mensagens agressivas e ameaças por ter um nome semelhante. Em sua página no Facebook, ela esclareceu que estavam procurando a Monica errada.

“Vou dar 24 horas para que leiam minha resposta e sejam redirecionados corretamente. Aqueles que continuarem a me assediar serão denunciados por assédio. Obrigada. Lembrem-se: atacar pessoas inocentes não os torna melhores do que quem destruiu a vida dessa família e seus pets”, escreveu.

Em meio aos ataques, ela relatou que precisou responder a inúmeras mensagens e telefonemas esclarecendo sua identidade e localização, pedindo que as pessoas buscassem informações confiáveis antes de prosseguir com as ofensas.

A verdade vem à tona

Para comprovar sua inocência, Keasler solicitou acesso aos registros públicos de Nova Iorque sobre o caso de Peanut. Os documentos obtidos confirmaram que seu nome não estava associado a nenhuma denúncia ao DEC. Seu advogado requereu também registros adicionais para identificar o verdadeiro denunciante, eliminando qualquer dúvida sobre a participação de Keasler no caso. Em entrevista a uma rádio local, Keasler e seu advogado descreveram o impacto emocional das acusações, afirmando que “não há evidências” que liguem Keasler ao ocorrido. 

Ah, e Sarah Fields? A influenciadora, que inicialmente divulgou a falsa acusação contra Keasler, só retirou o post depois que recebeu uma nota da comunidade no X e perdeu a monetização. Após deletar suas postagens, Sarah bloqueou usuários que questionaram sua atitude e não ofereceu uma retratação pública.

Esse não foi o primeiro erro grotesco de Sarah que colocou vidas em perigo. Recentemente, ela acusou falsamente outra mulher, Jordan Bowen, de ser a pessoa flagrada gritando com um bebê em um comício de Kamala Harris. Essa acusação equivocada gerou ataques e ameaças a Bowen e a sua família. 

Outro exemplo de mau jornalismo praticado por Sarah Fields foi o caso de Matthew Metro. Durante a campanha presidencial de 2024, Sarah divulgou no X que Metro havia “oficialmente acusado” o candidato democrata a vice-presidente, Tim Walz, de agressão sexual, baseando-se em um vídeo produzido com inteligência artificial. No entanto, o verdadeiro Matthew Metro negou as acusações, afirmando nunca ter conhecido Walz. Sarah apagou a publicação posteriormente. 

Em resposta a um comentário no X que questionava sua “apuração” sobre o caso de Keasler devido às suas conclusões precipitadas anteriores, Sarah respondeu: “Lições foram aprendidas. Eu cometi um erro. Eu aprendi com isso. Esta é ela”.

Entretanto, em entrevista a Tony Ortiz, do Substack Current Revolt, Fields admitiu que não tinha certeza da culpa de Keasler no momento em que fez a acusação. Segundo ela, seu “editor” e chefe na organização para a qual supostamente escreve havia garantido a veracidade da história. No entanto, uma investigação do Current Revolt revelou que a organização em questão não existe mais e que Fields, na verdade, não possui um editor ou chefe.

Mesmo diante da repercussão e dos danos causados a Keasler, Fields afirmou que não fará um pedido de desculpas público ou uma retratação formal até que conclua sua “investigação” sobre o caso. Para Ortiz, Fields adota uma abordagem irresponsável, “publicando primeiro e investigando depois”, atitude incompatível com o que se espera de um jornalista. Após a publicação de sua investigação, Ortiz desabafou: “Acusar alguém de ser culpado gera mais visualizações do que provar que ele é inocente”. 

Após a publicação do Substack Current Revolt, Fields bloqueou Ortiz.

Conclusão

É essencial ter cautela ao confiar em autointitulados jornalistas investigativos que não apresentam provas sólidas para sustentar suas acusações. Participar de campanhas de ataque e assédio digital é igualmente irresponsável; mesmo que Monica Keasler fosse de fato a denunciante, ações como essa podem ter consequências irreversíveis. Ao se deparar com convocações como “vamos torná-la famosa”, o melhor caminho é evitar o envolvimento.

O jornalismo investigativo é uma profissão de grande responsabilidade, capaz de impactar profundamente a vida das pessoas e, em alguns casos, até condenar inocentes. Embora seja fácil se autodenominar jornalista investigativo, é impossível manter-se na prática por muito tempo sem comprometimento com a verdade — mais cedo ou mais tarde, a falta de rigor e responsabilidade será desmascarada.

Título e Texto: David Agape, A Investigação, Substack, 10-11-2024

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