segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Distopia do Reino Unido: Tribunal profere primeira condenação de um ‘crime do pensamento’ na história britânica moderna

Paulo Hasse Paixão

Um veterano do exército foi na semana passada condenado por rezar em silêncio perto de uma clínica de aborto

Adam Smith-Connor [foto], que serviu no Afeganistão, foi processado e condenado a uma pena suspensa de dois anos, por violar a proibição de protestos dentro de uma zona tampão em torno de uma clínica em Bournemouth, Dorset, em novembro de 2022. A sua cabeça estava inclinada e as mãos entrelaçadas enquanto rezava em penitência por ter permitido o aborto de um feto de que era progenitor, há mais de duas décadas.

A oração de Smith-Connor não durou mais que três minutos.

Ao relatar o caso, o grupo de defesa legal Alliance Defending Freedom (ADF) afirmou que a condenação foi

a primeira condenação conhecida de um ‘crime de pensamento’ na história britânica moderna”.

A declaração acrescenta ainda que Smith-Connor tem agora de pagar 9.000 libras (10.770 euros) de custas judiciais à acusação, apenas por ter rezado silenciosamente nas imediações da clínica. O grupo está a analisar a possibilidade de recurso da condenação. Mas o facto do Reino Unido não ter uma constituição escrita, que proteja certos valores fundamentais, vai dificultar esse processo.

Durante o julgamento no Tribunal de Magistrados de Poole, Smith-Connor negou a acusação de não cumprir a Ordem de Proteção do Espaço Público, mas a juíza distrital Orla Austin disse que o que ele fez foi “deliberado”.

A notícia surge no momento em que o governo trabalhista de Keir Starmer está a considerar a possibilidade de proibir especificamente as orações silenciosas à porta das clínicas de aborto.

Antes da decisão, Lois McLatchie Miller, que é responsável pelas comunicações da ADF UK, descreveu o caso como “definidor de uma era”, acrescentando:

“Ou se pode ser julgado e condenado pelas crenças que se tem na cabeça, ou não se pode.”

Acontece que se pode.

Convém lembrar que em Agosto deste ano, entre centenas de cidadãos que foram condenados e encarcerados por delito de opinião a propósito dos protestos contra a imigração que ocorreram depois de um adolescente de origem imigrante ter esfaqueado até à morte três crianças em Southport, um outro cidadão britânico foi preso e acusado criminalmente por ter publicado nas redes sociais “retórica antissistema”.

Ou seja, considerando que o crime de opinião expressa também é um crime do pensamento, este não é de todo o primeiro caso do género e, para sermos justos com Keir Starmer (por muito que ele não mereça a justiça), o fascismo de estado não começou agora. Foi inaugurado até sob governos conservadores como o de Boris Johnson. 

Título e Texto: Paulo Hasse Paixão, ContraCultura, 15-11-2024 

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