domingo, 3 de novembro de 2024

[As danações de Carina] Trapos e farrapos dos ‘eus’ dentro de mim

Carina Bratt 

A MINHA VIDA, sem mais nem menos, se abancou chata, maçante, enfadonha, sem nexo, destituída de qualquer tipo de razão acolhedora. Por conta, não vejo alegria em nada. Não vejo graça, tampouco motivos para abrir a cara fechada e carrancuda num sorriso franco. Parece que os meus pés cheios de dedos grudaram num chão coberto com sandálias desgastadas à Super Bonder em excesso. Meus caminhos de ida e vinda se tornaram cansativos, fadigosos, importunos, chatos e aborrecidos. Minhas horas insidiosas. Até o relógio de pulso me mostrou um semblante de Eva sem paraíso. Meus instantes de sossego, em uma espécie de Popocatépetl. Nada ou ninguém consegue me fazer pensar em algo bom. E olha que não sou tão velha assim... 

Tempos passados, a vida plena me sorria alegre e saltitante. As estradas e vielas a serem percorridas se apregoavam não insípidas e cheias de abismos, com travessas traiçoeiras e capciosas de ciladas e emboscadas, pelo contrário, belas e acolhedoras, onde até os cabelos da bo... digo, da barriga da minha perna se desmanchavam envolvidos em encantos e formosuras. Os horizontes ‘advindouros’ se descortinavam aos meus prazeres cheios de presságios elegantes. O porvir ‘pra vir,’ pra acabar de se achegar, fazia com que o meu ‘eu’ sonhasse aventuras inesquecíveis, mesmo de olhos fechados ou espamparados, sempre, sem tirar nem pôr, se arreganhavam para um cenário deslumbrantemente sempiterno. Ah, que loucura... e nessa época, repito, eu não era tão velha assim... 

Hoje pesadas nuvens me envolvem a cabeça. Parece ter e na verdade existe, de concreto, uma tempestade se ensaiando volumosa, pronta a se derramar a qualquer minuto. É como se o infinito, no próximo segundo, fosse me cobrir de pesadelos intransponíveis e me esmagar como a uma ratazana de esgoto tipo aquelas encontradas nos corredores palacianos de Brasília. As forças me fraquejam. Me faltam. O ar me pede socorro. A vida anda por um fio, não grita, apenas geme. O desanimo tomou conta de tudo. Me sinto fraca, vazia, oca, como se todo meu ser interior tivesse numa progressão desordenada ou que merda, caído num buraco ‘osteoporoseado’ com alto risco de me esmigalhar em trocentas partes. E que situação... eu não sou tão velha assim... 

A alma, outrora em ‘jardinosa’ flor botão, parece, ou melhor, não parece, está em vias de um ataque de nervos abarbarados. Sem falar no resto, ou seja, da torre-carcaça completamente frangalhada. O corpo todo virualizou num detrito só, pior que a Cracolândia da boca do lixo da estação Luz. Um ajuntamento de ossos se decompondo, sob as carnes flácidas, às vistas se turvando ao fluxo de uma cegueira como a descrita por Saramago, os sonhos idem, cada vez mais apagados, enfim, dentro em breve acredito piamente (sem dar um pio) me transformarei num corpo morto, um cadáver ambulante em busca de um buraco onde enfiar o que sobrar do que fui, as peles desengonçadas e em completa decomposição. E olha, repito mais uma e agora, pela derradeira: não sou, ainda, nem estou tão velha e carcomida (carcomida?! Euzinha disse carcomida? A sim?... não, assim!     

Título e Texto: Carina Bratt, de Guarapari, no Espírito Santo, 3-11-2024 

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Camisinha e ‘pipi’

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