Enquanto a cultura woke dá sinais de
desgaste, Jaguar dobra a aposta na lacração
Omar Godoy
Eternizados nos filmes de James Bond, os carros da fabricante britânica Jaguar sempre tiveram sua imagem associada às qualidades do personagem. Isso quer dizer que, no imaginário do consumidor, seus produtos são sinônimo de elegância, inovação, desempenho e maturidade.
Portanto, é natural que num momento de crise a empresa recupere esses valores para dar a volta por cima, certo? Errado.
Após registrar uma queda de 70% de suas vendas no mercado dos EUA nos últimos cinco anos, a marca resolveu recomeçar seu marketing do zero. E o pior: acenando para um público com o qual nunca dialogou — e sequer associa o automóvel a um estilo de vida.
Além de lançar um novo logotipo minimalista, sem o desenho do felino clássico, a Jaguar divulgou nesta semana uma peça publicitária audiovisual que mais parece um comercial de moda para a juventude woke.
No vídeo, figuras andróginas fazem movimentos esquisitos em um cenário futurista e multicolorido. Ninguém entendeu direito. E a gozação rolou solta.
Elon Musk foi um dos primeiros a tirar sarro. “Vocês vendem carros?”, ironizou no X.
Um usuário da mesma rede comentou, referindo-se aos personagens da campanha: “Quando você entra no elevador e todo o departamento de DEI [diversidade, equidade e inclusão] está lá”.
Outro ainda disse que nem a turma identitária seria capaz de fazer algo tão ridículo. “Isso não é woke, é só uma porcaria”, disse.
Não é preciso ser um entendido em publicidade, nem ter assistido ao vídeo, para entender que a Jaguar simplesmente jogou fora sua essência com essa troca de identidade.
Mas então por que seus executivos permitiram uma aposta tão arriscada justamente quando outras grandes marcas estão revalorizando seu público fiel (vide os exemplos recentes de Harley-Davidson, Jack Daniel’s e John Deere, entre outras)?
Empresa busca ser a líder de um mercado de carros elétricos de “ultraluxo”.
Em 2008, a Jaguar foi comprada pela Tata Motors, multinacional indiana que também adquiriu a Land Rover. Desde então, a empresa vem perdendo mercado e investindo cada vez menos em inovação — a ponto de não lançar novos modelos desde 2019 e retirar praticamente todo os seus carros de linha neste ano.
O próprio CEO da companhia, Adrian Mardell, chegou a afirmar para investidores que os veículos produzidos nos últimos anos geraram “lucratividade próxima de zero” e tinham “valor inferior”.
Mardell está à frente de um plano estratégico iniciado em 2021 e chamado internamente de Reimagine. O objetivo é reposicionar a marca como uma fabricante de automóveis elétricos de “ultraluxo”, tornando-a protagonista de um mercado ainda indefinido.
Para isso, prepara uma reformulação que remete às startups de tecnologia e grifes de moda como Dior e Louis Vuitton. Uma mudança que não se limitará aos carros — a primeira concessionária com essa nova proposta será inaugurada em Paris em 2025.
Antes disso, a Jaguar dará seu próximo passo rumo ao “reset total” no próximo dia 2 de dezembro, quando apresentará um carro-conceito em plena Semana de Arte de Miami.
Nestes tempos em que não existe publicidade negativa, e o importante é aparecer, a marca parece ter conseguido fazer barulho com sua campanha bizarra. Como disse o publicitário Toby Barlow, CEO da premiada agência Lafayette American, “Ninguém estava falando da Jaguar. Hoje todo mundo está”.
Mas o verdadeiro desafio é
traduzir esse alvoroço em vendas reais. Do contrário, a estratégia de
“reimaginar” a marca será apenas uma tentativa desajeitada de surfar na já
enfraquecida onda identitária. E um exemplo do que não fazer em matéria de
marketing, ao descartar uma história de mais de cem anos.
Título e Texto: Omar Godoy, Gazeta do Povo, 22-11-2024, 16h24
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