Aparecido Raimundo de Souza
DONA DOLORES marcou uma consulta com o ginecologista da família. Quando se sentou diante do médico parecia aflita, nervosa e visivelmente apreensiva. Suas mãos tremiam incessantemente.
— Qual o problema, dona Dolores?
— Meu marido, doutor.
— O que há com o Rubenval? Não me diga que também está grávido?
— Doutor, é sério! Pelo amor de Deus, não caçoe...
O especialista se abriu num gesto terno.
— Desculpe. Queria quebrar o gelo. A senhora me parece muito agitada, além de séria e meio que constrangida...
— Estou... estou mesmo, doutor... acertou em cheio. Na mosca. Parabéns pela sua percepção.
O esculápio aproveitou e interfonou para a secretária, na recepção e solicitou um copo de água com açúcar e café.
— Procure ficar calma. Relaxe.
— O senhor se importa se eu fumar?
— À vontade. Não deveria, mas devido às circunstâncias abrirei uma exceção. Bem, enquanto fuma, me conte do que se trata. Problemas com o bebê, sei que não é.
Dolores sorriu enquanto alisava a barriga enorme de quase nove meses. Faltava pouco...
— Graças à Deus, doutor.
— Então?
— Doutor, naquele dia que o senhor conversou com o Rubenval ele falou alguma coisa em especial?
— Sobre o quê, exatamente?
— Nós dois...
— Olhe, dona Dolores. Rolou os mais variados assuntos, mas todos eles, evidentemente relacionados à sua gravidez.
— Nada... fora?
— Que me lembre, sinceramente!...
— Faça um esforço, doutor. É importante...
O ginecologista e obstetra interrompeu a conversa momentaneamente. A secretária bateu na porta e logo em seguida entrou com uma bandeja sobre a qual trazia uma garrafa de água, outra de café, um açucareiro e dois copos. Dirigindo-se à cliente do médico, perguntou:
— A senhora aceita um cafezinho?
— Sem dúvida. Bem forte e ao contrário do doutor, sem uma gota de açúcar, por gentileza.
— Sem açúcar, dona Dolores? A vida é tão amarga!...
— Às vezes dá vontade de morrer. Amarrar as chuteiras num campo de futebol de comunidade...e ver os moleques brigarem para ver quem consegue levar o achado para casa.
— Não diga uma barbaridade dessas. A vida é bela. Pense na criança que está vindo dentro em breve. Vai ser uma linda menininha.
— Ela não me sai da cabeça um instante sequer.
— Já escolheram o nome?
— Concita. Em homenagem a minha falecida mãe.
A secretária, após servir, tão silenciosa como entrou, se retirou com um sorriso encantador no rostinho de boneca. Antes de fechar a porta atrás de si observou, brejeira:
— Se quiserem repetir alguma coisa, me avisem...
Ambos agradeceram meneando a cabeça.
— Retornemos à prosa de onde paramos, dona Dolores?
— Ok. Doutor, está acontecendo uma coisa muito estranha lá em casa...
— Estranha?
— Exatamente.
— Com o Rubenval ou com a senhora?
— Com meu marido.
— Vamos entrar um pouco na sua intimidade. Farei algumas perguntas. Se não quiser responder, entenderei.
— Fique à vontade. O senhor faz parte da família.
— Agradeço, de coração. Vocês fazem... fazem sexo?
— Nunca deixamos de fazer, doutor. Nunca...
— Ótimo.
— Nessas ocasiões ele a trata com carinho? É atencioso?
— Doutor... doutor... não é por aí...
— Acaso ele está fugindo ao... desculpe... ao tradicional papai e mamãe? Quero dizer – entenda – partiu para outro tipo de relações com a senhora? Eu disse a ele...
— Em absoluto! Não é nada disso que está passando nessa sua cabecinha oca e cheia de sujidades.
— Não compreendo. Tenho pacientes que vêm aqui e reclamam de seus parceiros. As histórias são as mais cabeludas. Eles querem sexo diferente. Fora dos padrões. Entende o que estou dizendo?
— Doutor, o Rubenval sempre fez as mesmas coisas antes e continua fazendo agora durante a gravidez.
Tomou fôlego e continuou:
— Desde o primeiro mês. Nada mudou, com relação a isso. Sou liberal, o senhor me conhece... não tenho preconceitos quanto a fazer isso ou aquilo. Acho que entre quatro paredes, uma cama redonda, o teto espelhado, a mulher não pode ser quadrada. Tem que ser... a puta... a vagabunda... a piranha... a dama, a generosa... a mulher, enfim, eu faço tudo... tudo o que o Rubenval me pede. E vice-versa. Igual a ele, chupo, mordo, engulo a porra, assopro, enfio os colhões na goela, aplico fio terra... noutras introduzo um consolo no rabo dele, ele no meu...
— Querida, por favor, me poupe dessas partes. Nesse caso, qual é o “xis” da questão?
— É que agora, doutor, agora o Rubenval resolveu –, imagine —, resolveu me pendurar no teto.
O doutor se espantou:
— Como é que é?
Eu explico, doutor. Meu querido marido adaptou, nem acredito que esteja contando uma coisa dessas para o senhor. Que mico! O desgraçado encarrilhou um suporte com uma corda e duas argolas bem no meio do forro do nosso quarto. Só transamos... só transamos prá valer se eu estiver nua e dependurada. Detalhe. Tenho que estar literalmente suspensa no ar, de cabeça para baixo, as pernas arreganhadas.
— Credo em cruz! No teto, logo no teto?
— É doutor. No teto. Onde mais? A princípio pensei que fosse uma tara, algum tipo de distúrbio sexual ou uma simples fantasia não realizada, sei lá. Vocês, homens, alimentam essas idiotices...
— No teto?
— No teto, doutor. No teto. Quer que eu faça uma pequena demonstração? Peça à sua simpática assistente que me traga uma escadinha. A propósito: seu ventilador está bem colocado? Arranco as roupas, me dependuro nele e...
No que falava se levantou. O médico polidamente pediu que ela continuasse calma e serena. “Nada de demonstrações perigosas. Onde já se viu ficar dependurada em um ventilador.!”
— Rubenval disse que a ideia partiu do senhor...
— De mim?
— Sim senhor!
— Dona Dolores, pelo amor de Deus. Me entenda. Por favor. Jamais diria a seu marido para lhe dependurar... no teto... no forro, no batente ou em qualquer outro lugar... ainda mais levando em conta o seu estado... e a barriga... e pelas graças do Pai Maior, de cabeça para baixo?!
— Só o que sei é que a coisa começou depois que vocês levaram o tal papo...
— Concordo, mas nessa nossa “troca de idéias” que tivemos, vamos colocar assim, apenas esclareci certos pontos obscuros. Matei algumas curiosidades e, por fim... por fim disse a ele que depois do oitavo mês de gravidez as relações sexuais entre vocês deveriam ser de comum acordo e SUSPENSAS. S U S P E N S A S!...
Dona Dolores pulou da cadeira e gritou, eufórica:
— Bingo! Doutor, o senhor chegou onde eu queria. Relações suspensas. É isso! Está aqui a ponta do fio que nos levará até o novelo.
— Que fio? Que novelo? Do que a senhora está falando? Não estou conseguindo entender! Desenhe, por gentileza...
— Meu marido, doutor, não é bom no entendimento da língua portuguesa – e o senhor sabe... a criatura nasceu, viveu e se criou na roça. É burro de pai e mãe. Mal sabe assinar o nome. Saiu do mato quando nos casamos. Nunca entrou numa escola. E também nunca saiu...
Risos, de ambos os lados:
— E daí? Onde a senhora quer chegar?
— Nas relações sexuais. O senhor não disse a ele que elas deveriam ser suspensas?
— Disse, mas... qual a ligação?
— Suspenso, ou suspensa, para o Rubenval, doutor, no conhecimento tacanho que ele tem da vida é a mesma coisa que dependurar.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha no Espírito Santo, 22-11-2024
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