Adriano Benayon
Crescem os protestos contra as
intoleráveis injustiças sofridas pelos povos em grande parte deste mundo. Na
Espanha, na Itália, na Grécia e em Portugal surgem grandes manifestações,
desencadeadas pelo brutal aumento dos sacrifícios exigidos dos já sacrificados,
pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Central Europeu, a fim de
beneficiar bancos europeus e estadunidenses. (1)
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Lisboa, 15 de outubro de 2011 |
2. Experiência semelhante foi
suportada, muitas vezes, por países latino-americanos. Entre eles o Brasil, que
está menos distante do que imagina de mais uma crise nas contas externas,
acompanhada de agravamento das já degradadas condições de vida da maioria de
sua população.
3. Merecem atenção também as
manifestações de resistência civil nos EUA e Reino Unido (Inglaterra), sedes da
oligarquia financeira que comanda a tirania mundial. Especialmente, o “Ocupemos Wall Street” aponta para o alvo
correto: os grandes bancos internacionais, cujos controladores e associados
dominam não só as finanças, mas também o petróleo, os armamentos, a grande
mídia, a indústria químico-farmacêutica etc.
4. Em suma: os concentradores
do poder econômico-financeiro exercem absolutismo político cada vez maior, mandando
nos governos “democráticos” eleitos pelo dinheiro e pela mídia. Esses não
passam de gerentes da “democracia” e do cinismo que dá esse nome à tirania e
que chama de liberdade a opressão, e de defesa de direitos humanos o genocídio
cometido contra nações com armas de destruição de massa.
5. Se, em muitos países há
alguma consciência da fonte do problema, no Brasil o povo parece anestesiado
pelo ópio da TV enganadora. Os governistas pintam tudo de cor-de-rosa, como se
não houvesse razão para manifestações contrárias ao status quo, enquanto
oposicionistas, ainda mais submissos ao império, tentam capitalizar o élan dos
indignados com a corrupção.
6. Os promotores das marchas
“contra a corrupção” não entendem ou fingem não entender que - embora ela seja
praticada por políticos e por muitos do serviço público - a mega-corrupção
começa no setor privado, especialmente nas transnacionais sediadas no exterior,
grandes beneficiárias das políticas públicas implantadas no País desde 1954.
7. A partir de então e
crescentemente, tornou-se legal e não identificada como corrupção, a
mega-corrupção que entrega o mercado brasileiro à exploração de cartéis e
oligopólios e que desnacionalizou o setor produtivo privado, além de privatizar
a quase totalidade das empresas e bancos estatais e de pôr o que restou do
setor público ao inteiro serviço das grandes empresas, principalmente
estrangeiras.
8. O Brasil só faz figura de
potência emergente para quem gosta de se iludir. A pobreza da grande maioria e
também o atraso relativo do País resultam do modelo de dependência financeira e
tecnológica. Ele não foi implantado por equívoco, mas de caso pensado: foi
desenhado para isso, sob a influência e a pressão das potências imperiais que
intervieram em 1954, 1961, 1964 e organizaram, entre 1982 e 1988, a pretensa
volta ao “regime democrático”
9. A concentração da economia
nas mãos das transnacionais só poderia dar no que deu: recorrentes crises nas
contas externas, que geraram a dívida externa. Quando esta e seus juros se
avolumaram, a ponto de levar à inadimplência forçada e ao consequente
freiamento de sua expansão (final dos anos 70, início dos 80), despontou, em
perene crescimento, a dívida pública interna.
10. Esta constitui enorme
fardo, que inviabiliza o desenvolvimento do País, reduzindo a níveis ridículos
os investimentos da União Federal e dos Estados. Aquela assumiu as dívidas
destes e lhes exige juros tão absurdos como os que ela própria paga ao sistema
financeiro.
11. Formou-se assim o esquema
de quádrupla sugação dos brasileiros: a primeira, pagar impostos altíssimos e
mal distribuídos: os pobres (mais de 83% da população) entregam mais de 30% do
que ganham; os de renda média (menos de 15% da população) têm carga tributária
acima de 50%, e as grandes empresas, bancos e outros investidores, além de
poder evadir impostos, só são tributados nos ganhos financeiros em, no máximo,
15%.
12. A segunda sangria é as
pessoas gastarem elevadas quantias com serviços que deveriam ser públicos,
gratuitos ou módicos, nas áreas de saúde, educação etc., além de sofrerem
prejuízos com saneamento e transportes inadequados e com energia
injustificadamente cara, devido às privatizações e à falta de investimentos
públicos na infra-estrutura que ainda lhe cabe prover.
13. Os pobres e a classe média
são mal atendidos ou nem o são, porque não têm como pagar clínicas, hospitais e
escolas privadas, de qualidade, de resto, questionável e favorecidas pelo
mercado com que o Estado lhes presenteia ao não proporcionar esses serviços à
sociedade.
14. A terceira sugação é os
juros escorchantes, múltiplos da taxa SELIC dos títulos públicos, de longe a
mais alta do mundo, com 5,5% aa., corrigida a inflação. Chegam a cerca de 240%
aa. no cartão de crédito, 180% no cheque especial e a 90% em empréstimos a
pequenas empresas.
15. A quarta é adquirir bens e
serviços a preços muitíssimo mais altos que os praticados em países mais dotados
de indústrias intensivas de tecnologia, e mesmo que na Argentina, México e
outros latino-americanos.
16. Exemplo gritante é a
indústria automobilística transnacional favorecida com subsídios escandalosos
desde o golpe de 1954, aumentados por JK. Isso prossegue, até hoje, com empréstimos
do BNDES a juros baixos e n outras benesses prestadas às transnacionais em
geral.
17. De fato, elas se cevam
também com incríveis subsídios à exportação, desde o final dos anos 60 (Delfim
Neto), - isentadas de gravames em suas superfaturadas importações – bem como
com a isenção do ICMS na exportação, presenteada pela Lei Kandir/Collor. Cresceram
no Brasil com capital formado no próprio mercado brasileiro e com dinheiro
público.
18. Este ano, em oito meses,
só as montadoras de veículos transferiram ao exterior mais de US$ 4 bilhões em
lucros registrados, o que não inclui os ganhos com o subfaturamento de
exportações e o superfaturamento de importações, nem os serviços superfaturados
ou fictícios pagos às matrizes.
19. Agora, e mais uma vez, as
montadoras estrangeiras foram agraciadas com proteção à “indústria nacional”,
mediante elevações do IPI para veículos importados, alegadamente para evitar a
“invasão” de carros chineses e coreanos. As montadoras aqui instaladas estão
livres do IPI majorado, utilizando 65% de componentes produzidos no MERCOSUL. A
reserva de mercado, que não existe para a indústria nacional, mesmo porque
acabaram com ela, tornou-se política governamental para favorecer os
“investimentos diretos estrangeiros - IDES”.
20. Os IDEs estão na raiz dos
problemas, inclusive o da dívida interna, cujos juros são a expressão maior da
submissão do País à escravização financeira, em nível injustificável conforme
os parâmetros que balizam as taxas em todo o mundo. Por isso, a dívida adveio
da capitalização de juros, estando os bancos e os aplicadores financeiros entre
os grandes beneficiários do modelo econômico e político que inviabiliza o
Brasil como nação.
21. Para concluir: sem liderança
capaz de compreender as grandes sugações e de identificar os causadores delas, não
há como fazer que qualquer movimento popular leve às transformações que se
impõem, por mais que ganhe ímpeto em função das insuportáveis condições de vida
do povo.
(1) Em Barcelona, 15.10.2011,
250 mil pessoas, segundo os organizadores, participaram de marcha encabeçada
por cartaz onde se lia "Da indignação à acão. As nossas vidas ou os lucros
deles.” Em Sevilha: 50 mil pessoas, com gritos de “Chamam-lhe democracia, mas
não é”; “A solução: banqueiros na prisão”.
Título e Texto: Adriano
Benayon é Doutor em Economia e autor de “Globalização versus Desenvolvimento”
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