Rivadávia Rosa
Verifica-se na rede quando se intenta um debate político - uma
verdadeira verborragia própria de um hospício (de antigamente, pois atualmente
não há mais internamento), expressa em linguagem grosseira, vulgar, insultuosa,
ofensiva, injuriosa, caluniosa e até difamatória, além dos chavões
esquerdizóides ou regressão ideológica vinculada ao infantilismo utópico do
século passado como - direita preconceituosa e subserviente, direita retrógada,
paranóia anti-esquerda, idiota, imbecil, reacionário de merda, assim como os
jargões decorrentes do vitimismo -
'imperialismo', 'capitalismo', 'ianques', 'neoliberalismo', globalização...
Basta observar os ‘juízos’ e as ‘sentenças’ apologéticas proferidas sobre os
debatedores que os contrariem, especialmente os ‘qualificativos’.
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Arthur Schopenhauer |
O filósofo Arthur Schopenhauer no seu tempo (1788-1860) aprimorou a
técnica escatológica demonstrativa desse déficit
moral, elevada a categoria de
estratagema – mediante truques desonestos
utilizados por pessoas de mau caráter para levar vantagem sobre os outros...
No livro SCHOPENHAUER – A arte de
insultar (organização e ensaio – FRANCO VOLPI - São Paulo: Martins Fontes,
2005) – passagens extraídas dos escritos póstumos de Schopenhauer – revelam os
estratagemas para se ‘ter razão sempre’. Schopenhauer reconhecia, no entanto
que toda técnica argumentativa tem limites: se
discutirmos com um adversário mais inteligente e mais hábil do que nós, não
haverá astúcia que resolva; no plano da dialética, não há escapatória,
acabaremos fatalmente sendo derrotados. Isso não significa, todavia, que a
partida esteja irremediavelmente perdida. De fato, resta um derradeiro, pérfido
expediente, que aconselha:
“Quando perceber que o
adversário é superior e que você acabará por perder a razão, torne-se ofensivo,
ultrajante, grosseiro, isto é, passe do objeto da contestação (dado que a
partida está perdida) ao contendor e ataque de algum modo sua pessoa.”
Menciona que se trata de um expediente conhecido e praticado desde
os tempos antigos: “De fato, como é que poderia não ser conhecido dos sofistas
o meio com que um pode pôr-se em pé de igualdade com outro e com que é possível
equilibrar momentaneamente até mesmo a maior desigualdade intelectual? Essa
meio é a ofensa. Com efeito, a natureza baixa sente uma tendência totalmente
instintiva para ela, mal adverte uma superioridade espiritual”.
Na antiga Grécia - ARISTÓTELES – chamou de sofística – “a sabedoria (sapientia) aparente, mas não
real” (El. Soph., 1, 165 a 21), e que passou a indicar a habilidade de aduzir
argumentos capciosos e enganosos.
Assim - os sofistas – que se movimentam no terreno das aparências
dos fenômenos – e quando argumentam o fazem
com recursos a falácias, tentando enganar de forma arbitrária, com
simulacros da realidade, agressão descarada aos princípios racionais e morais,
e, apoio no duplo discurso – em que “proferem
discursos opostos sobre as mesmas coisas e o mesmo discurso sobre coisas que
são e não são ao mesmo tempo, pondo em causa o próprio princípio de não
contradição, e procuram iludir os seus interlocutores através de todo o tipo de
expedientes.” (ARISTÓTELES – in
Metafísica, livro IV - Refutações Sofísticas. p. 16).
Schopenhauer – porém mestre na
arte do insulto – nos tempos modernos - oferece um alfabeto de
insolências e aconselha com sugestões práticas:
1) por exemplo, fazer-se de
desentendido e ignorar os insultos do adversário; uma série de anedotas
clássicas, por ele recolhidas com tal fim, mostram como os homens sábios sabem
manter a impassibilidade diante das ofensas e dos insultos mais irritantes.
2) ou, melhor ainda, como
ARISTÓTELES já sugeria nas Refutações Sofísticas - evitar discutir com o
primeiro que aparecer ou com gente que fala só por falar, à maneira dos
sofistas, portanto escolher com clarividência os interlocutores com os quais
entabular seriamente controvérsias e discussões.
No entanto, pode acontecer que mesmo com todas as cautelas, muitas
vezes somos levados ao insulto. Em certas situações, é impossível recuar porque
– explica SCHOPENHAUER – quem insulta nos faz perder a honra, mesmo se for o
“mais indigno canalha, o mais estúpido animal, um vagabundo, um jogador, um
facadista”.
Portanto, “uma só grosseria supera qualquer argumentação e faz
sombra a qualquer espiritualidade”. Em outras palavras: “A vileza é uma qualidade que, nas questões de honra, supera e
suplanta qualquer outra. Se, por exemplo, durante uma discussão ou um colóquio,
outro demonstra um conhecimento de causa mais exato, um amor mais rigoroso à
verdade e um juízo mais sadio que nós, ou uma superioridade intelectual
qualquer que nos faça sombra, podemos eliminar essa e qualquer outra
superioridade, para não dizer nossa própria inferioridade assim posta a nu, e
por nossa vez sermos superiores, tornando-nos vis: uma vileza prevalece e leva
a melhor sobre qualquer argumento e, a não que nosso adversário não replique
com uma vileza ainda maior... somos nós os vencedores, a honra fica conosco, e
a verdade, o conhecimento, o espírito e o engenho devem cair fora, derrotados e
encurralados pela vileza.
Schopenhauer ainda enfatiza - “toda vileza é, na realidade, um
apelo à animalidade, já que declara incompetente a contenda das forças
intelectuais ou do direito moral, assim como a possibilidade de decidi-la
mediante argumentação, e põe em seu lugar a luta das forças físicas. Rebaixar-se
a tal nível significa, em outras palavras, recorrer ao direito do mais forte.”
O insulto é um meio vil e vulgar – e o próprio Schopenhauer o rejeitava do alto do seu espírito e sua
inteligência, em rebaixar-se a esse nível. As razões de sua rejeição resultam
da lúcida definição que ele dá desse argumento:
“A injúria, o simples insulto,
é uma calúnia sumária, sem que sejam fornecidos seus motivos. Sem dúvida
nenhuma, quem insulta revela com isso, claramente, não poder fazer valer contra
o outro nada de real ou verdadeiro. Caso contrário, ele apresentaria tal
argumento como premissa e faria tranqüilamente os ouvintes tirarem suas
conclusões. Já com a injúria, ele fornece a conclusão e fica devendo as
premissas: quer dar a entender de tal modo que isso só acontece por amor à
brevidade.”
Na atualidade – agregou-se a essa técnica a regra máxima leninista do debate político - que não é
mais persuadir o adversário, nem apontar seus erros, mas destruí-lo (“Acuse os outros de fazer o que você está
fazendo” - Wladmir
Illich Ulianov Lênin - 1870-1924).
O certo é que insultar o
debatedor, ‘adversário’, oponente (considerado até ‘inimigo’) ou quem defende uma idéia diferente,
ignorando os argumentos contrários e fazendo-se de desentendido - não é uma demonstração de caráter, mas limitações
morais e intelectuais, resultado da incapacidade de convivência no mundo
civilizado. Isso é claro, é ‘justificado/fundamentado’ pelo mestre da barbárie,
como terrorismo intelectual – que consiste num conjunto de
mecanismos jornalísticos e publicitários inventado por Lênin para intimidar e reduzir ao silêncio os inimigos do
comunismo.
Mas ainda temos uma saída para os casos extremos: ARISTÓTELES
afirmava que a “indignação é uma virtude, constituindo um justo meio entre a
indiferença e a raiva diante de um ultraje sofrido ou de uma injustiça recebida” (Ética
a Nicômaco, IV, 11), ou seja, nada melhor do que um bom insulto para exprimir
indignação.
Título e Texto: Rivadávia Rosa
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