Por duas vezes, órgão preferiu
não fazer parte de processos de ressarcimento
A AGU, comandada por Luís Inácio Adams, alega que seu objetivo, ao se recusar a integrar os processos, foi não atrasar os pedidos de ressarcimento ao Erário, foto: André Coelho,5-12-2012 |
Vinicius Sassine
A Advocacia Geral da União
(AGU) se recusou por duas vezes a fazer parte de processos que pedem a
devolução de dinheiro desviado para o mensalão. Uma das recusas ocorreu há
menos de três meses, em meio ao julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) da
ação penal referente ao esquema criminoso, e foi orientada pela Procuradoria
Geral da União, órgão de direção superior da AGU.
Numa das ações em que a AGU
preferiu não entrar no caso, para tentar recuperar o dinheiro desviado, há 21
réus acusados de transações que resultaram em suposto enriquecimento ilícito de
beneficiários do mensalão. O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o
ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, o ex-presidente do PT José Genoino, o
operador do esquema, Marcos Valério, e diretores do Banco Rural são réus no
processo, em tramitação na Justiça comum desde 2007. Os beneficiários apontados
na ação do Ministério Público Federal (MPF) são políticos do PP, entre eles o
deputado federal Pedro Henry (MT). A “vantagem econômica” mencionada na ação é
de R$ 4,1 milhões. No STF, todos já foram condenados pela prática dos crimes.
No julgamento do mensalão, o
STF concluiu que houve desvio de dinheiro público para o mensalão. Os ministros
já iniciaram uma discussão sobre a recuperação dos recursos desviados. A
proposta do decano do tribunal, Celso de Mello, é estabelecer um valor mínimo a
ser indenizado pelos réus, o que deve ser discutida nesta fase final do
julgamento. Os ministros decidiram pela perda de bens de Valério para ressarcir
o Erário pelo crime de lavagem de dinheiro. Segundo manifestação de Celso de
Mello em plenário, a AGU já deveria ter ingressado com ações para recuperar o
dinheiro público.
Decisões tomadas na gestão de Adams
A decisão de não fazer parte
de duas ações de improbidade administrativa em curso na Justiça Federal em
Brasília foi tomada na gestão do atual advogado-geral da União, Luís Inácio
Adams. Apesar da recusa da AGU em fazer parte dos processos, o dinheiro
proveniente de um eventual ressarcimento de danos é destinado diretamente ao
Tesouro Nacional. Para isso, o juiz responsável deve calcular o valor a ser
ressarcido e determinar a devolução na sentença.
A ação na esfera cível pede o
ressarcimento integral do dano ao Erário e a intimação da União para atuar no
caso junto ao MPF, caso exista o interesse pela recuperação do dinheiro
público. A primeira manifestação da AGU foi em maio de 2011, quatro anos depois
de iniciada a tramitação do processo. “Aguarda-se autorização do
procurador-geral da União para intervir ou não no presente processo”,
manifestou em ofício a Procuradoria Regional da União da 1ª Região. Em 14 de
setembro deste ano, a mesma unidade confirmou a negativa à Justiça: “Não é
pertinente o ingresso da União. A assistência ao MPF só ocorre em ação de
improbidade em que, objetiva e concretamente, a atuação da União agregue
utilidade ao processo”.
O outro processo em que a AGU
se recusou a recuperar o dinheiro público desviado diz respeito à contratação
pela Câmara dos Deputados — sob a presidência do deputado João Paulo Cunha
(PT-SP) — da SMP&B Comunicação, empresa de Marcos Valério, e ao saque de R$
50 mil na boca do caixa do Banco Rural pela mulher do parlamentar. São réus no
processo o deputado João Paulo, Valério e sócios e diretores do Rural. Também
nesse caso, o STF já condenou os envolvidos no esquema.
A ação de improbidade
administrativa, com pedido de ressarcimento integral do dano causado, tramita
desde 2007. O MPF sugeriu o ingresso da União no processo. “Não se mostra
pertinente o ingresso da União, seja pela ausência de elementos próprios a
reforçar o quadro probatório, seja porque o interesse público já se encontra
devidamente resguardado pela atuação do MPF”, argumentou a AGU na resposta à
Justiça, em setembro de 2011. João Paulo responde a outra ação de improbidade
na Justiça Federal em Brasília. Uma decisão judicial referente a este processo,
em 2007, intimou a União para se posicionar sobre o interesse em atuar ao lado
do MPF. Não houve resposta da AGU.
Em reportagem do GLOBO
publicada em novembro, sobre as dificuldades da União para reaver o dinheiro
público desviado no mensalão, a AGU sustentou que a “reparação pecuniária”
decorrente do esquema já era objeto de ações cíveis propostas pelo MPF na
primeira instância do Judiciário. Nas manifestações entregues até agora à
Justiça, a AGU preferiu ficar fora dos processos.
Sete ações de improbidade em curso
São sete ações de improbidade
administrativa abertas como desdobramento da ação penal julgada pelo STF: cinco
se referem aos principais núcleos e aos integrantes de cinco partidos
beneficiários do valerioduto — as “vantagens econômicas” somam quase R$ 41
milhões — e as outras duas tratam da participação do deputado João Paulo no
esquema. A AGU confirmou que não integra o polo ativo em nenhum dos sete
processos, apesar da sugestão do MPF nas ações.
A AGU informou ao GLOBO que
uma das razões de não ter feito parte nas ações de improbidade em curso na
Justiça foi para não atrapalhar e atrasar o pedido de ressarcimento da
Procuradoria. “O ingresso da União poderia atrasar a tramitação do processo,
impondo a necessidade de sua intimação em todos os atos processuais.” O MPF no
DF, por sua vez, diz aguardar decisão do STF sobre como agir em relação ao
ingresso da AGU nos autos.“Não houve investigação por parte de órgãos de
controle (CGU, TCU, procedimentos disciplinares), o que não legitima a atuação
da União no caso”, diz a AGU em resposta ao GLOBO, em referência às ações de
improbidade em curso na Justiça.
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