quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

A obsessão antiamericana (VII)

Jean-François Revel
“De onde provém a dificuldade sentida pelos Europeus em compreenderem a maneira como se realizam as reformas e o progresso social nos Estados Unidos? De uma especificidade cultural que leva a que, na Europa e desde o início do século XX, o quadro de interpretação histórica seja forjado na ideologia socialista, e mesmo em surdina, pelos que não se afirmam socialistas. Este quadro assenta, para falar sucintamente (mas as opiniões políticas são quase sempre sucintas), na noção de que a luta de classes é o único motor do progresso social. Assim, o capitalismo só traria riqueza a uma minoria através do empobrecimento de uma massa cada vez maior de trabalhadores, por ele esbulhados. O objetivo do socialismo só pode, pois, ser a abolição do capitalismo, com a apropriação coletiva dos meios de produção e de distribuição, sendo o objetivo do liberalismo impedir esta apropriação, defendendo a iniciativa privada. Há que admitir que, em paralelo com o socialismo revolucionário, que defendia a via da insurreição como a única capaz de levar à ‘ditadura do proletariado’, surgiu nos finais do século XIX um outro socialismo, apodado de revisionista ou de reformista. Mas a diferença em relação ao primeiro estava nos meios, não nos fins, que eram iguais para ambos. No entanto os marxistas, e não só os comunistas, sempre viram na social-democracia uma forma de traição ao verdadeiro socialismo. Ainda em 1981, François Mitterrand censurava os socialistas suecos por não terem ‘atingido o capitalismo no coração’, e no final do século XX, no seio do Partido Socialista Francês, ainda se julga com severidade o New Labour de Tony Blair, considerado como uma versão ‘degenerada’ da doutrina. Na primeira volta das eleições presidenciais francesas de 2002, quase 25 por cento dos votos foram para candidatos da extrema-esquerda, trotskistas ou pseudo-ecologistas, que abominam o mercado do mesmo modo que o fazem os eleitores de extrema-direita protecionista da Frente Nacional (16,8 por cento). Indubitavelmente, cerca de metade dos eleitores do Partido Socialista (mais ou menos 8 por cento) também reprova a liberdade de comércio e a globalização, ou seja, o capitalismo e a liberdade económica.

Esta concepção de sociedade, dividida entre dois pólos intransigentemente antagonistas é estranha ao pensamento coletivo americano. Desde muito cedo que os analistas europeus se colocam a questão que em 1906 serviu de título à obra clássica do célebre sociólogo alemão Werner Sombart: Por que é que não há socialismo nos Estados Unidos? As respostas avançadas por Sombart começam com a introdução do sufrágio universal nos Estados Unidos no princípio do século XIX. Ao contrário do que então se passava na Europa, a classe operária americana pôde começar muito cedo a participar na vida política e a integrar-se ativamente em associações e em partidos, em suma, a escapar ao sentimento de exclusão que no proletariado europeu acompanhou o desenvolvimento da sociedade industrial. Em seguida, outra razão para a ausência do socialismo nos Estados Unidos, deve-se ao facto de as classes trabalhadoras serem maioritariamente compostas por imigrantes oriundos da Europa, que podiam comparar a situação que tinham abandonado com a que agora encontravam na América, uma sociedade que, malgrado as suas desigualdades económicas e de outra natureza e os seus conflitos violentos, era muito menos rígida do que a do Velho Mundo, muito mais flexível e prpoícia à mobilidade e à ascensão sociais.

Depois de Sombart, esta mobilidade foi objeto de numerosos trabalhos na área da sociologia. Entre os mais conhecidos e influentes contam-se os de Seymour Martin Lipset. Esta mobilidade é frequentemente apontada como mítica pelos Europeus, que fazem dela objeto de troça, considerando o ‘sonho americano’ como nada mais do que um logro. No entanto, como escreve Pierre Weiss na sua introdução ao livro de Sombart, ‘o operário americano faz parte, e quer fazer parte, de um sistema socioeconómico que lhe garanta um grau de integração satisfatório’ e, a par disso, desde o início do século XIX, ‘a sua vida cívica faz dele um cidadão ativo’. Economicamente, o sonho americano não é o do servente de pedreiro que pensa vir a ser milionário, mas sim o da osmose entre o proletariado e a média burguesia, que se realizou mais cedo e de forma mais completa do que na Europa.”

“Decididamente, a ‘esquerda’ europeia não aprendeu nada com a história do século XX. Continua a mostrar-se fanática para com os moderados e moderada para com os fanáticos.
Foi esta a linha de conduta seguida pelos manifestantes franceses que em 26 de maio de 2002 protestaram ruidosamente contra a presença em Paris de George W. Bush, vilipendiando a América e a ‘sua lógica de guerra e de domínio’. Quanto à lógica de sectarismo e de desonestidade desses manifestantes, só teve equivalente no cinismo com que, também eles, escamotearam a realidade do ‘hiperterrorismo’ islâmico, a fim de poderem atribuir a intervenção dos Estados Unidos no Afeganistão exclusivamente à sua sede de ‘dominar’.
Título e Texto: Jean-François Revel, in “A obsessão antiamericana”

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