“De onde provém a dificuldade sentida pelos
Europeus em compreenderem a maneira como se realizam as reformas e o progresso
social nos Estados Unidos? De uma especificidade cultural que leva a que, na
Europa e desde o início do século XX, o quadro de interpretação histórica seja
forjado na ideologia socialista, e mesmo em surdina, pelos que não se afirmam
socialistas. Este quadro assenta, para falar sucintamente (mas as opiniões
políticas são quase sempre sucintas), na noção de que a luta de classes é o
único motor do progresso social. Assim, o capitalismo só traria riqueza a uma
minoria através do empobrecimento de uma massa cada vez maior de trabalhadores,
por ele esbulhados. O objetivo do socialismo só pode, pois, ser a abolição do
capitalismo, com a apropriação coletiva dos meios de produção e de
distribuição, sendo o objetivo do liberalismo impedir esta apropriação,
defendendo a iniciativa privada. Há que admitir que, em paralelo com o
socialismo revolucionário, que defendia a via da insurreição como a única capaz
de levar à ‘ditadura do proletariado’, surgiu nos finais do século XIX um outro
socialismo, apodado de revisionista ou de reformista. Mas a diferença em
relação ao primeiro estava nos meios, não nos fins, que eram iguais para ambos.
No entanto os marxistas, e não só os comunistas, sempre viram na
social-democracia uma forma de traição ao verdadeiro socialismo. Ainda em 1981,
François Mitterrand censurava os socialistas suecos por não terem ‘atingido o
capitalismo no coração’, e no final do século XX, no seio do Partido Socialista
Francês, ainda se julga com severidade o New Labour de Tony Blair, considerado
como uma versão ‘degenerada’ da doutrina. Na primeira volta das eleições
presidenciais francesas de 2002, quase 25 por cento dos votos foram para
candidatos da extrema-esquerda, trotskistas ou pseudo-ecologistas, que abominam
o mercado do mesmo modo que o fazem os eleitores de extrema-direita
protecionista da Frente Nacional (16,8 por cento). Indubitavelmente, cerca de
metade dos eleitores do Partido Socialista (mais ou menos 8 por cento) também
reprova a liberdade de comércio e a globalização, ou seja, o capitalismo e a
liberdade económica.
Esta concepção de sociedade, dividida entre dois
pólos intransigentemente antagonistas é estranha ao pensamento coletivo
americano. Desde muito cedo que os analistas europeus se colocam a questão que
em 1906 serviu de título à obra clássica do célebre sociólogo alemão Werner
Sombart: Por que é que não há socialismo nos Estados Unidos? As respostas
avançadas por Sombart começam com a introdução do sufrágio universal nos
Estados Unidos no princípio do século XIX. Ao contrário do que então se passava
na Europa, a classe operária americana pôde começar muito cedo a participar na
vida política e a integrar-se ativamente em associações e em partidos, em suma,
a escapar ao sentimento de exclusão que no proletariado europeu acompanhou o
desenvolvimento da sociedade industrial. Em seguida, outra razão para a
ausência do socialismo nos Estados Unidos, deve-se ao facto de as classes
trabalhadoras serem maioritariamente compostas por imigrantes oriundos da
Europa, que podiam comparar a situação que tinham abandonado com a que agora
encontravam na América, uma sociedade que, malgrado as suas desigualdades
económicas e de outra natureza e os seus conflitos violentos, era muito menos
rígida do que a do Velho Mundo, muito mais flexível e prpoícia à mobilidade e à
ascensão sociais.
Depois de Sombart, esta mobilidade foi objeto de
numerosos trabalhos na área da sociologia. Entre os mais conhecidos e
influentes contam-se os de Seymour Martin Lipset. Esta mobilidade é
frequentemente apontada como mítica pelos Europeus, que fazem dela objeto de
troça, considerando o ‘sonho americano’ como nada mais do que um logro. No
entanto, como escreve Pierre Weiss na sua introdução ao livro de Sombart, ‘o
operário americano faz parte, e quer fazer parte, de um sistema socioeconómico
que lhe garanta um grau de integração satisfatório’ e, a par disso, desde o
início do século XIX, ‘a sua vida cívica faz dele um cidadão ativo’.
Economicamente, o sonho americano não é o do servente de pedreiro que pensa vir
a ser milionário, mas sim o da osmose entre o proletariado e a média burguesia,
que se realizou mais cedo e de forma mais completa do que na Europa.”
“Decididamente, a ‘esquerda’ europeia não aprendeu
nada com a história do século XX. Continua a mostrar-se fanática para com os moderados
e moderada para com os fanáticos.
Foi esta a linha de conduta seguida pelos
manifestantes franceses que em 26 de maio de 2002 protestaram ruidosamente
contra a presença em Paris de George W. Bush, vilipendiando a América e a ‘sua
lógica de guerra e de domínio’. Quanto à lógica de sectarismo e de
desonestidade desses manifestantes, só teve equivalente no cinismo com que,
também eles, escamotearam a realidade do ‘hiperterrorismo’ islâmico, a fim de
poderem atribuir a intervenção dos Estados Unidos no Afeganistão exclusivamente
à sua sede de ‘dominar’.
Título e Texto: Jean-François Revel, in “A obsessão antiamericana”
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