terça-feira, 14 de janeiro de 2014

A obsessão antiamericana (VIII – Final)

Jean-François Revel

Celso Furtado
Esta inversão das responsabilidades teve os seus defensores logo após os atentados da Al Qaeda contra Nova Iorque e Washington. Três dias depois desses acontecimentos, Celso Furtado, um famoso economista brasileiro, publicou num dos principais jornais de seu país um artigo onde propunha a sua própria explicação para o hipotético desastre. Segundo o articulista, a destruição das torres do World Trade Center tinha resultado de uma conspiração da extrema-direita americana, que contava tirar partido dessa provocação por si urdida para ‘assumir o poder’. (Leia abaixo artigo de Elio Gaspari publicado na Folha de S. Paulo, no dia 16 de setembro de 2011). Talvez seja bom recordar que não há registro de qualquer putsch na história dos Estados Unidos, enquanto que na do Brasil… Adiante. Vamos lá promover a nossa absolvição, lançando sobre a América os nossos próprios erros. O grande intelectual brasileiro comparava a destruição das Torres Gêmeas e do Pentágono ao incêndio do Reichstag, em 1933, incêndio perpetrado pelos nazis e atribuído por eles à esquerda no intuito de obterem um pretexto para a instauração de um regime totalitário.

No dia 11 de novembro de 2001, o teólogo Leonardo Boff, também ele brasileiro, declarou ao jornal O Globo que tinha pena de que apenas um avião se tivesse despenhado no Pentágono: gostaria que tivessem sido vinte e cinco. Caridade cristã… É que estas explicações aberrantes, estes apelos ao crime, vêm de um país que nada tem a ver com o Islão, e onde não existe nenhum mullah a pregar a guerra santa a multidões fanatizadas por uma versão histérica do Corão.

(Em maio de 2011, Leonardo Boff declarou: “Fez-se vingança, não justiça)

Nestas condições, percebe-se que os Estados Unidos se tenham retirado das negociações destinadas à criação do Tribunal Penal Internacional, um tratado assinado em 1998, em Roma, e que entrou em vigor no dia 1 de julho de 2002. Muitos foram os amigos dos Estados Unidos que lamentaram essa decisão. Mas perante as mentiras grosseiras, as historietas ridículas e as acusações imaginárias lançadas todos os dias contra a política americana, é possível antecipar como milhares de procuradores se ergueriam por todo o planeta para exigirem a comparência perante o tribunal da totalidade dos líderes americanos e dos membros do Congresso, por crimes contra a humanidade. O funcionamento equilibrado e justo de uma instância tão delicada como um tribunal internacional pressupõe a existência, entre todas as nações signatárias do tratado constituinte, de um mínimo de boa-fé em relação a todas as outras. E a América tem boas razões para achar que, no mundo dos nossos dias, não é a boa-fé que preside a seu respeito.”
Título e Texto: Jean-François Revel, in “A obsessão antiamericana”


Celso Furtado comprou a teoria do Grande Satã
Elio Gaspari
Só não vê quem não quer. Os atentados do dia 11 de setembro levantaram a tampa de um inesperado sentimento antiamericano no Brasil. Olhando-o de baixo para cima, houve um transeunte que atribuiu os atentados ao fato de os Estados Unidos terem se tornado "a capital do neoliberalismo". Na linha mediana, os atentados foram vistos como uma resposta a erros cometidos pelos seus governos recentes. No topo dessa pirâmide, o professor Celso Furtado disse o seguinte, numa entrevista ao repórter Marcos Flamínio Peres:

"Uma hipótese que será aventada por muitos é a de que tem que ser gente muito bem organizada da direita americana. Organizar uma operação dessa amplitude, com essa sincronia fantástica, comandar essa tecnologia tão perfeita e contar com meios tão amplos, isso leva a pensar em alguém de dentro dos EUA, uma organização interna. Uma segunda hipótese é a de que se trata de algo improvisado, de milícias islâmicas".

Estranho pensar. Por organizados, os atentados seriam obra da direita americana. Na hipótese de serem obra do doutor Bin Laden, seriam "algo improvisado". Não dá para entender como um mesmo fato pode ser uma coisa porque foi bem organizado e, ao mesmo tempo, outra, por improvisado.
Retomando a linha da conspiração de direita, Celso Furtado arrematou:

"Será um desafio muito grande à humanidade o fato de surgir algo assim dentro dos EUA, com o poder e os recursos que eles têm. Isso seria reproduzir o Reichstag, na Alemanha, que criou Hitler. O Parlamento foi incendiado pela direita, que culpou a esquerda".

Só há um jeito de acreditar na possibilidade de que a direita americana, a la Hitler, tenha sido capaz de provocar a maior mortandade já ocorrida num só dia em sua história para culpar seus adversários. É necessário passar pela teoria do Grande Satã, do aiatolá Khomeini. Em benefício do raciocínio do professor Furtado, deve-se registrar que, nos primeiros meses de governo do presidente John Kennedy, o chefe do Estado-Maior Conjunto, general Lyman Lemnitzer, sugeriu que se fizessem atentados nos Estados Unidos para culpar Fidel Castro e, com isso, invadir Cuba. O general foi afastado e, se hoje isso é sabido, o mérito vai para a democracia americana, que preserva e divulga as maluquices de seus generais. Mesmo nos seus delírios, o general Lemnitzer jamais propôs coisa parecida com o 11 de setembro.

A astúcia analítica que coloca na porta das vítimas de atentados como os da semana passada algum tipo de responsabilidade pelo que lhes aconteceu é paraterrorismo. É paraterrorismo porque, num raciocínio inverso, o país que é vitimado por um atentado deveria pensar duas vezes antes de ter uma política que pudesse provocar a destruição traiçoeira de uma parte de sua principal cidade. Portanto, esse país deveria colocar o medo do terrorismo entre os fatores de inibição da defesa do que julga serem os seus interesses e até mesmo do seu modo de vida. Se isso vale para países, vale também para as relações entre as pessoas. Daí a se concluir que os sequestrados têm parte da culpa nos sequestros vai um passo.

Se um afegão que lavra sua terra com a tecnologia da Idade da Pedra resolve culpar o Grande Satã, pouco se pode fazer. O que não faz sentido, por asnático e hipócrita, é exercitar a serenidade-chique na qual os Estados Unidos devem reagir com a cabeça no lugar (como se os americanos fossem malucos), inclusive porque o agravamento da situação internacional poderá ter consequências adversas no fluxo de capitais para países como o Brasil. (Não é esse o caso do professor Furtado.)

Beleza de construção. O povo americano deve ter calma, não se pode deixar cegar pelo desejo de vingança, porque o Brasil precisa de seus investimentos. É a confirmação da teoria mais primitiva do direitismo americano: dane-se o mundo, porque, quando precisarmos dele, estaremos sozinhos.

O antiamericanismo, assim como o anti-senegalismo, é uma modalidade da ignorância a serviço do complexo de inferioridade. Ceva-se na suposição de que aquilo que acontece de errado no Brasil ou no Senegal é culpa dos americanos. Antes fosse. É problema dos brasileiros e dos senegaleses.Foi o governo brasileiro quem pôs à venda o patrimônio da Viúva. Para sua surpresa, as empresas americanas interessadas em comprá-las ficaram muito aquém do esperado. É o governo brasileiro que está oferecendo aos americanos a base aérea de Alcântara. Foi no Brasil que a expressão "interesse nacional" tornou-se insulto. Os Estados Unidos são o que são exatamente porque nunca fizeram esse tipo de coisa.
Título e Texto: Elio Gaspari, Folha de S. Paulo, 16 de setembro de 2001

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