Parte da sociedade portuguesa
vive numa espécie de estado de choque feito de hipocrisia e negação. O País
mediático recusa-se a discutir o essencial e entrou num processo de recusa
sistemática da realidade. A impunidade é a regra geral e quando um jornalista
faz perguntas isso equivale a uma emboscada. Muitos dos responsáveis pela
situação em que nos encontramos são agora intocáveis líderes da opinião.
Estamos a dois meses do fim do
programa de ajustamento e não sabemos o que nos exigem no pós-troika. A discussão
é tabu. Estamos a dois meses de eleições europeias e não há um único debate
sobre Europa; ninguém menciona as mudanças em curso e que teremos de
acompanhar. Só se fala de fantasias, por exemplo, sobre os futuros mecanismos
de mutualização de dívida que não vão existir, pois precisariam de alterações
de tratado ou da improvável aceitação eleitoral nos países credores.
A ideia de restruturação da
dívida é um exemplo de discussão lateral. Ela visa condicionar as eleições
europeias e embaraçar os partidos, impedindo uma eventual vitória clara de
António José Seguro e um resultado razoável da direita. É preciso que ambos
percam em grande, para que as reformas possam parar. Há forças políticas que,
não podendo derrubar o governo, querem que o pós-troika seja um regresso ao
passado. E, no entanto, para que o País possa cumprir o Tratado Orçamental,
será necessário continuar a agenda reformista e cortar mais 5 ou 6 mil milhões
de euros na despesa pública, ao longo dos próximos três anos. Isto exige
alterações Constitucionais e um acordo entre os maiores partidos, sendo a
alternativa, a prazo, a saída da zona euro. Ou seja, o pós-troika implica
manter o rigor orçamental, sem fazer cedências ao populismo ou à fantasia.
A economia começa a dar sinais
de recuperação, mas a comunicação social dedica grande parte do seu tempo a
tentar negar este facto. Durante três anos foi recusada a inevitabilidade do
resgate e ignorada a própria situação de falência: o País estava condenado à
espiral recessiva, à insurreição, ao empobrecimento radical, ao segundo resgate
e ao diabo a quatro. Nada disto se concretizou.
Enfim, a estratégia alemã na
crise das dívidas soberanas deu resultado, mas o noticiário é apenas
anti-alemão e transmite a imagem falsa de uma Europa à beira do colapso.
Portugal terá de concluir a reforma do Estado, sobretudo da segurança social, e
isso implica um acordo alargado entre partidos, mas a discussão encontra-se
bloqueada. Fala-se apenas do acessório e não admira que as pessoas, tomadas por tolas, deixem de ler jornais ou de ver noticiários.
Título e Texto: Luís Naves, Fragmentário,
02-04-2014
Grifos: JP
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