domingo, 2 de novembro de 2014

O regresso do anti-americanismo

MST queima bandeira norte-americana durante ato em defesa da Venezuela, Recife, Pernambuco, julho de 2010, foto: Alexandre Gondim/JC Imagem/Agência Estado

João Marques de Almeida
Quando chega o momento de atacar a relação transatlântica o Bloco de Esquerda e o Público estão dispostos a aceitar a hegemonia alemã e a seguir Berlim. Nunca é tarde para revelações interessantes.

Com a partida de Bush já nos tínhamos esquecido do anti-americanismo de alguma esquerda mal-pensante europeia (a que devemos juntar, verdade seja dita, muita da direita populista e anti-capitalista). E agora que o entusiasmo do “yes, we can” se foi, já nem Obama consegue esconder o ódio aos Estados Unidos. Certas coisas nunca mudam. Em Portugal, o anti-americanismo da esquerda mal-pensante regressou esta semana através da velha aliança Bloco de Esquerda-Público.   
O pretexto foi uma carta assinada pelo governo português, juntamente com mais 13 governos da União Europeia, a apelar à nova Comissão Europeia para se manter fiel ao mandato recebido do Conselho para negociar com os Estados Unidos um tratado comercial e de investimento (conhecido pela sigla TTIP). A assinatura da carta pelo governo português foi vista como uma manifestação de uma política de direita e excessivamente pró-americana.

Mais uma vez, os factos são ignorados. Dos 14 governos que assinaram a carta, cinco são de esquerda e dois outros resultam de uma grande coligação entre a esquerda e a direita. Ou seja, metade dos signatários representa a esquerda europeia. Há ainda uma contradição natural, pelo menos neste momento, entre assumir uma política de direita e uma posição pró-americana. Se a carta pode ser interpretada, o que é altamente discutível, como uma posição pró-americana, isso significaria um alinhamento com uma administração democrata, logo de esquerda. Por outro lado, seria também entendida como um manifesto contra um governo liderado pelo centro-direita, a coligação alemã.

É ainda mais curioso que os ataques ao governo venham de quem passou os últimos três anos a gritar contra a subordinação a Berlim. Por uma vez, o governo critica a Alemanha, e a nossa esquerda mal pensante sai em defesa dos alemães. A polémica começou precisamente porque a Alemanha começou a questionar o mandato de negociação atribuído à Comissão, o qual resultou de um difícil consenso entre todos os Estados membros. Ficou claro para todos que quando chega o momento de atacar a relação transatlântica o Bloco de Esquerda e o Público estão dispostos a aceitar a hegemonia alemã e a seguir Berlim. Nunca é tarde para revelações interessantes. 
Título e Texto: João Marques de Almeida, Observador, 2-11-2014

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