Helena Matos
Mas o tempo não volta para
trás. Apresentar isso como possível é manifestamente vender ilusões. Na vida
estas pagam-se caro. Em política o custo é diluído por todos. Chama-se
decadência.
O PS está a beira de cometer
um erro que nos pode custar muito caro a todos, socialistas ou não: longe de
querer governar o país no ano de 2015, o PS quer voltar ao passado. Quer voltar
ao tempo em que foi feliz. E quando foi isso?
Vieira da Silva e Ferro
Rodrigues no parlamento e Santos Silva na entrevista que aqui, no Observador,
deu a Maria João Avillez desenham esse Camelot algures antes do chumbo do PEC
IV. Nada falta nesse retrato imaginário: um país que por si mesmo não tinha
crise alguma sendo sim vítima da crise internacional; um pedido de ajuda
externa negociado e celebrado pela oposição; um país em que investimento
público e crescimento económico eram sinónimos…
Enfim, toda esta recreação do
passado não passaria de um argumentário para a próxima campanha eleitoral caso
o PS ao lado dessas imagens susceptíveis de arrebatar as bases explicasse o que
quer fazer em 2015 se for governo. E é aí que está o busílis da questão: até
agora o que temos como propostas claras por parte do PS são invariavelmente
reposições: reposição das pensões; reposição integral dos salários na função
pública; reabertura de serviços entretanto fechados…
Ora governar não é voltar ao
passado. É estar atento ao presente. A não ser, claro, que não se seja um
partido de governo mas sim um lobby organizado sob a forma de grupo etnográfico
como é o PCP. Para esse efeito e para aquele eleitorado serve na perfeição. Mas
para governar não. Do imaginário do PCP faz parte a ideia de que os
trabalhadores estão sempre a perder direitos e rendimentos face a um tempo que
ao certo não se sabe bem quando foi mas que de algum modo corresponderá aos
governos de Vasco Gonçalves. (Na verdade Vasco Gonçalves foi o primeiro chefe
de governo do pós 25 de Abril a sublinhar reiteradamente a necessidade de
vivermos em austeridade). O tempo daquilo a que o PCP chamava conquistas e que
numa tentativa de congelar o tempo foram constitucionalmente consagradas como
irreversíveis.
Mas o PS não é o PCP. E aquilo
que estamos a ver no PS é a sua adesão ao discurso das “conquistas
irreversíveis”. Fazer dos direitos adquiridos, como é o caso da reposição das
pensões, ou das 35 horas na função pública, as novas conquistas irreversíveis
só vai agravar o momento em que o PS constatar que o tempo nem nas canções
volta para trás e que a realidade está inflexível à sua espera. O problema é
que o PS não viverá esse momento sozinho. Vamos vivê-lo todos nós. Porque,
goste-se ou não, o PS é o principal partido português.
Não interessa que o PSD de vez
em quando ganhe eleições. O que interessa é que não é apenas o jacobinismo do
PS que explica que este se considere naturalmente poder: a linguagem, o
imaginário e a narrativa do regime são socialistas. E o socialismo está a
deixar de ser uma ideologia que dizia como se podia construir o futuro para se
transformar num corpus reaccionário que nos promete voltar ao passado. A não
ser claro que se arrisque: a actuação governativa de Renzi que tanto enerva a
esquerda, ou a discussão sobre o termo socialista proposta por Valls, não
surgem por acaso. São o resultado do dilema sobre o futuro do socialismo. Em
Portugal, o passado parece ser por agora o futuro do PS. E esse é um enorme
problema. Um dos nossos enormes problemas.
A única área em que se percebe
uma linha clara para o PS é na relação com os outros partidos. E essa linha
passa à esquerda, como bem explica Santos Silva no Observador, pela absorção
pelos socialistas da miríade de movimentos, grupos e sensibilidades, miríade
essa que em boa verdade vive à espera desse momento em que o PS a catapulte
para a área do poder. Aliás a forma mais rápida e melhor sucedida de entrar na
política em Portugal é animar um movimento na área das esquerdas e das
esquerdas das esquerdas, em seguida criticar o PS mas declarar disponibilidade
para pensar a esquerda com ele. Os socialistas nunca resistem a este bric-à-brac esquerdista e tudo indica que o comprarão por bom preço nos próximos
tempos.
Já para a área à sua direita o
PS aposta no passado como o único espaço possível para o diálogo. Santos Silva
refere, na entrevista a Maria João Avillez, como possíveis interlocutores de um
governo PS o sector cavaquista do PSD a par de um CDS que na sua opinião tenha
regressado à democracia-cristã. O PS não quer apenas governar como se o país
estivesse algures em 2009 ou 2008. O PS quer que o PSD e o CDS regressem também
eles ao passado, mas a um passado ainda mais remoto e é a esse passado que os
socialistas vão buscar as personalidades como Bagão Félix ou Silva Peneda que
definem como possíveis interlocutores.
Modular as lideranças do CDS e
do PSD não chega ao PS. É preciso que estas cumpram o seu papel de oposição qb
para que o PS reine. Ou seja que aceitem a vigência do socialismo como a língua
oficial do regime. O passado como tempo não da História mas sim do possível é
aquilo a que se agarram os socialistas.
Mas o tempo não volta para
trás. Apresentar isso como possível é manifestamente vender ilusões. Na vida
estas pagam-se caro. Em política o custo é diluído por todos. Chama-se
decadência.
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