Henrique Pereira dos Santos
O glifosato é um químico
usado no controlo de vegetação que actua sobre a fotossíntese e é dos mais
usados no mundo. As razões para o seu êxito predem-se quer com a sua eficácia,
quer com o seu preço, quer ainda com as suas grandes vantagens ambientais face
às alternativas visto que não afecta a fauna - actua sobre os mecanismos da
fotossíntese - e que tem uma persistência no solo baixíssima, sendo rapidamente
neutralizado quando chega ao solo.
Pessoalmente estou envolvido
num projecto de controlo de espécies invasoras, financiado pelo programa LIFE. Durante a sua aprovação
foi questionada a possibilidade de uso de glifosato, e defendemos na altura o
seu uso com argumentos sólidos, exactamente associados ao seu baixo risco,
tendo o projecto sido aprovado com a utilização potencial de glifosato, embora
dois anos depois do começo não tenhamos usado, até agora, um pingo de glifosato
e seja pouco provável que o venhamos a fazer.
Mas o glifosato tem um
problema: está muito associado à produção de organismos geneticamente
modificados porque a Monsanto, detentora durante anos da patente do glifosato,
desenvolveu algumas sementes com resistência a este fito-fármaco, com o
objectivo de facilitar a monda química: sendo a produção resistente ao
glifosato, era possível eliminar a vegetação indesejável de forma muito mais
barata e eficaz.
Sendo a produção de glifosato
uma das grandes fontes de receita da Monsanto, sendo a Monsanto uma das grandes
empresas de produção de sementes geneticamente modificadas, o movimento
anti-ogms virou todas as suas baterias para o combate ao glifosato, procurando
demonstrar a sua toxicidade potencial.
Este movimento teve uma grande
vitória: a IARC (International Agency for Research on Cancer) classificou o glifosato como potencialmente
cancerígeno, ao arrepio de todas as outras agências internacionais que
trabalham sobre o assunto. Com o mesmo nível de perigosidade das lareiras ou do
consumo de carnes vermelhas. Note-se que é mesmo das carnes vermelhas, não é do
chouriço, do presunto ou do vinho, que estão classificadas noutra categoria de
risco, mais elevada que a do glifosato.
Alexandre Quintanilha explica aqui muitíssimo bem como é infantil a conversa do BE sobre o glifosato mas,
num passe de mágica, acaba a defender a proibição do glifosato em algumas
circunstâncias sem que perca tempo a explicar por que razão deve o glifosato
ser tratado de forma diferente das lareiras ou da carne vermelha.
O que é relevante neste
assunto é que a aprovação da proibição de glifosato nalgumas circunstâncias é
uma vitória do obscurantismo e mais um dos exemplos de como a fragilidade
estrutural da geringonça nos põe à mercê de algumas das infantilidades do BE,
em especial das que não têm tradução orçamental imediata.
Já tínhamos tido um bom
exemplo com a aprovação da legislação que inclui a homeapatia nas terapias que
o Estado aceita como actos relacionados com a saúde susceptíveis de tratamento
fiscal mais favorável.
Não tenho posição clara sobre
a homeopatia, conheço pessoas cuja racionalidade e sensatez reconheço e que
defendem a homeopatia, mas o facto é que o Estado não pode tomar decisões com
base em convicções não fundamentadas em factos minimamente reconhecidos e não
há um único estudo consistente que consiga demonstrar a validade médica da
homeopatia.
Não é só o BE que aproveita a fragilidade estrutural da gerigonça para
fazer avançar agendas socialmente negativas, os Verdes (essa fraude partidária que consentimos sem
indignação) também fizeram avançar a agenda anti-eucalipto ao
arrepio do que é o melhor conhecimento científico sobre a sua produção e os
seus efeitos ambientais. E, neste caso, com efeitos económicos reais
potencialmente mais relevantes.
Confesso que não entendo a
passividade social para com estas fraudes, com efeitos reais sobre o principal
problema de saúde e ambiental que temos: a pobreza, nas suas mais diversas
formas.
O prejuízo para a criação de
riqueza não é um tiro nos malandros dos accionistas e do grande capital, os
prejuízos para a criação de riqueza são essencialmente pagos em pobreza e
afectam sobretudo os mais pobres.
Há já alguns anos, em 2010, escrevi um post em que defendia que uma das maiores ameaças ambientais do país era o endividamento. Mas acrescentava que a
maior mesmo era a falta de qualidade do processo de decisão pública, como
procurei ilustrar neste post com as fantasias mal fundamentadas
cientificamente sobre o glifosato ou os eucaliptos.
Título e Texto: Henrique Pereira dos Santos, Corta-fitas,
15-12-2016
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