Helena Matos
Temer não recebe Marcelo nem Costa. Logo
conclui o PR: só dança quem está na roda. Portugal é hoje uma versão acanalhada
do "Pátio das Cantigas".
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Foto: Tiago Petinga/Agência
Lusa
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Escrevo. Paro. Escrevo… A
vizinha que tem uma garagem e é uma “doçura de mulher “está transformada
por este mês de junho numa omnipresença sonora. “O faduncho choradinho de
tabernas e salões” que na cantiga que se dizia uma arma na luta contra a burguesia e
rimava com “desalento misticismo e ilusões” tornou-se estética e
politicamente obrigatório. As juntas de freguesia da capital legislam sobre a
obrigatoriedade da música portuguesa nos arraiais e as forças vivas da pátria
denunciam o excesso de turistas no centro das cidades. O pimba saiu das festas
de aldeia e chegou ao Chiado. Portugal, 1937? 1957? 1967? Não, 2017.
Nas cidades e muito
particularmente na capital, para mais em ano de eleições, a autarquia
transformou-se numa comissão de festas, montando até arraiais onde eles nunca
existiram e compensando nos decibéis a ausência de populares.
Não é por acaso que em 2017
acabamos a viver em êxtase patriótico o Festival da Eurovisão, mais os jogos da
seleção. O cinema português deixou de querer ser novo e faz remakes dos velhos
sucessos que não tinham mensagem e que por isso mesmo até foram banidos da RTP
nos idos de 1974. O fado foi recuperado e o pimba está mainstream:
esgotadas as fanfarras militares do MFA, a democracia não foi capaz de criar um
imaginário próprio.
A Europa ainda não é sentida
como a nossa História (e não se sabe se alguma vez o será porque uma máquina
administrativa e uma moeda comum enchem milhares de boletins oficiais, mas não
fazem um povo vibrar!) e o regime democrático que se construiu por antítese com
o passado – o antifascismo, o antissalazarismo, o Portugal bafiento,
salazarento, o país cinzento e triste… – ficou cativo desse mesmo passado. E é
ao que dele nos ficou que o país do presente e os políticos do presente recorrem
para nos fazer celebrar, rir, chorar e pegar na bandeira nacional.
Dir-me-ão que desse tempo
felizmente não temos a repressão. É verdade, mas não duvido que ela seria
legitimada se, para obter mais contribuições e impostos, fossem eficazes alguns
dos procedimentos outrora adoptados na António Maria Cardoso (e sempre
acrescento que o nível de informações que os estados hoje detêm sobre as vidas
de todos nós, todos mesmos, ultrapassam muito, muito mesmo, aquilo que as
polícias da primeira metade do século passado sabiam sobre alguns cidadãos.)
A democracia já conta com
quatro décadas e quase meia, mas às vezes parece que não conseguimos ser mais
do que uma versão acanalhada do Portugal “Pátio das cantigas” que fomos no
Estado Novo. Com uma agravante: onde estava a “Canção de Lisboa” mais as
marchas criadas por Leitão de Barros estão agora clones vários de Quim
Barreiros trauteando “Quero cheirar teu bacalhau, Maria”. O pimba faz
agora parte da Política do Espírito devidamente transfigurada em festivais populares
e multiculturais.
Desafortunadamente o que
deixamos cair do “tempo de Salazar” e, para sermos verdadeiros, de alguns
dirigentes da I República, e que alguns dirigentes da democracia tentaram
recuperar, foi a consciência aguda por parte de quem nos governava, de que num
país, para mais pequeno como Portugal, a prudência não é uma virtude mas uma
necessidade; a formalidade institucional não é um protocolo ultrapassado mas
sim uma táctica perante os poderosos do mundo e o sentido de Estado não é um patriotismo
bacoco mas sim a mais valia de um País que não pode esbanjar recursos na hora
de se fazer valer.
Percebe-se a falta que tudo
isto faz quando se constata que neste ano de 2017 o Presidente do Brasil se
achou suficientemente à vontade para anular o encontro que tinha marcado, para
mais num 10 de Junho, com o Presidente da República e o Primeiro-ministro de
Portugal. “Só dança quem está na roda”, disse a propósito (ou a despropósito
que para o efeito tanto faz) desta situação por assim dizer inédita na nossa
história diplomática, o nosso Presidente da República que acrescentou que
Portugal está “mal habituado” porque tem um Presidente “com uma disponibilidade constante que não é habitual noutros Estados“. Vamos lá
deixar de fazer figura de parvos: alguém imagina Eanes, Soares ou Cavaco Silva
a deixarem-se enredar numa situação destas? E a andarem de riso estampado na
cara a fazer de conta que é tudo muito normal?
Essa espécie de duo dinâmico
que por agora ocupa São Bento e Belém parece apostada em que destes dias para o
futuro fique algo que vamos querer esquecer.
Ps. Por enquanto, mas acredito
que este por enquanto não resista por muito tempo, nas aldeias as festas ainda
nascem das contribuições e da iniciativa dos residentes e dos ausentes – há
quem tire férias para as organizar – mas lá chegará o dia em que, tal como nas
cidades, se imporá a municipalização das bifanas e o cantor de serviço pedirá uma
salva de palmas para o senhor presidente da câmara e para a senhora presidente
da junta que é tão simpática e não para de dançar desde que se ouviu o primeiro
acorde de “Quem será. Quem será”.
Título e Texto: Helena Matos, Observador,
13-6-2017
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