quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Portugal pode cair, mas o verdadeiro perigo para a Europa é a Espanha


A pressão dos mercados já fez duas vítimas na zona do euro. Primeiro foi a Grécia, que em abril não teve outro remédio senão aceitar a ajuda conjunta de 110 bilhões de euros da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Seis meses depois foi a vez da Irlanda, que recebeu das mesmas organizações um total de 85 bilhões de euros.
Os investidores receavam pela situação fiscal desses dois países e temiam que fossem incapazes de honrar as obrigações de sua dívida. Começaram então a exigir uma rentabilidade cada vez maior para compensar o risco da aquisição de títulos da dívida desses países. Contudo, a rentabilidade chegou a um patamar tal que o custo de financiamento da dívida se tornou insuportável para a Grécia e a Irlanda, o que levou ao fim do financiamento através dos mercados. A única solução para a obtenção do dinheiro necessário para honrar seus pagamentos foi aceitar a ajuda da União Europeia e do FMI.
Todavia, os problemas que afligem a zona do euro não pararam por aí. Os mercados voltam agora sua atenção para as contas de Portugal e Espanha, outros dois países com déficits orçamentários entre os mais altos da zona do euro. O escritório de estatística da União Europeia (Eurostat) confirmou em 15 de novembro passado que o déficit público da Espanha, em 2009, ficou em 11,1% do Produto Interno Bruto (PIB), e o de Portugal, em 9,3%. Muito longe, portanto, dos 3% exigidos pela união monetária como aceitável para a sustentabilidade das finanças dos países.

Com relação à dívida pública, a de Portugal chegou a 76,1% do PIB em 2009, ante 65,3% no ano anterior. Na Espanha, em 2008, esse percentual foi de 39,8% do PIB, ante 53,2% no exercício anterior, um percentual que equivale a 560,587 bilhões de euros. Os critérios de convergência da União Econômica e Monetária estabelecem que a proporção entre dívida pública e produto interno bruto não deve exceder 60%.
Pontos fortes e fracos de ambas as economias
"As principais dificuldades da economia portuguesa decorrem do elevado déficit externo", observa José da Silva Costa, professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto. Ele acrescenta que o ritmo lento do crescimento da economia não é compatível com o nível do gasto interno. "A dívida pública, as famílias e as empresas estão em uma situação em que a poupança interna é insuficiente para atender às necessidades de financiamento da economia nacional." Portanto, Costa crê que a consolidação das finanças públicas em Portugal terá de ser acompanhada de uma redução nos gastos do consumidor e de uma reorientação dos fundos disponíveis para as empresas que operam no setor de exportação. A recuperação da economia dependerá, em grande medida, "do desenvolvimento das exportações nos próximos anos, o que, por sua vez, dependerá da competitividade das empresas e da evolução dos principais sócios comerciais de Portugal".
"Portugal está numa situação muito ruim", observa Rafael Pampillón, professor de ambiente econômico da Escola de Negócios IE, em Madri. "A economia está estagnada há dez anos, e amarga agora uma taxa de desemprego alta demais para o país: por volta de 10%." Pampillón acrescenta que Portugal passou por uma crise muito séria e não fez as reformas estruturais necessárias à economia, não reduziu o déficit e nem fez privatizações importantes. "Conviveu durante muitos anos com desequilíbrios que foram sendo superados com a desvalorização do escudo. Agora, porém, com o euro, não pode mais recorrer a esse truque, por isso sua situação é complicada. Entre seus defeitos, destaca-se um nível baixo demais de competitividade, com pouco investimento em pesquisa e desenvolvimento", diz.
Com relação à Espanha, Costa crê que "os bancos espanhóis têm mais dificuldade do que os portugueses; além disso, a economia espanhola também tem problemas de competitividade". Todavia, ele acha positivo que "o governo espanhol tenha adotado medidas de consolidação fiscal mais rapidamente do que Portugal".
Esteban García Canal, professor de organização de empresas da Universidade de Oviedo, acha que a economia espanhola é mais sólida do que a da Grécia, Irlanda e Portugal, "e essa solidez se justifica pela presença de empresas multinacionais espanholas no topo do ranking mundial em muitos setores seguidas de outras multinacionais de tamanho menor, mas com boas perspectivas futuras". Para García Canal, "essa é uma característica especifica da economia espanhola que diz muito a respeito de sua força".
Os objetivos serão alcançados?
As previsões econômicas da Comissão Europeia para os próximos anos, publicadas em 29 de novembro passado, em nada colaboram para tranquilizar o ânimo dos mercados em relação à Espanha e a Portugal. O executivo europeu estima que os dois países não reduzam o déficit. 
Para Bruxelas, a economia espanhola crescerá apenas 0,7% em 2011, praticamente a metade do que prevê o governo (1,3%), portanto não terá como cumprir seu objetivo de reduzir o déficit público até 6%, ficando em 6,4%, de acordo com projeções da comunidade. O governo se comprometeu a baixar o déficit de 11,1%, em 2009, para os 3% autorizados pela Comissão Europeia em 2013, com uma redução gradual de 9,3% em 2010, 6% em 2011, e 4,4% em 2012. Bruxelas tampouco apoia esse último dado, já que prevê um déficit de 5,5% em dois anos.
A Comissão acha também que as previsões de Portugal são equivocadas porque, pelos seus cálculos, o déficit passará de 9,3%, em 2009, para 4,9% em 2011, ante 4,6% fixado por Lisboa.
Nesse contexto, o receio de que Portugal e Espanha recorram ao calote disparou no início de dezembro. Assim, por exemplo, o prêmio de risco da Espanha, com base no diferencial do título da dívida espanhola de dez anos em relação à alemã, atingiu um novo patamar máximo com a chegada do euro a 298,2 pontos básicos, de acordo com dados da agência Bloomberg. Os mercados chegaram a exigir do país uma rentabilidade de 5,6% para o título da dívida de dez anos. Ao mesmo tempo, os seguros contra o calote da divida (CDS) registraram recordes acima dos 370 pontos básicos. Isto significa que o custo do seguro de 10 milhões de euros da dívida espanhola de cinco anos é de 370.000 euros. O diferencial de rentabilidade entre um título de dez anos da dívida portuguesa e da dívida alemã chegou a bater nos 390 pontos básicos, sendo que os CDS superaram os 480 pontos básicos.
O Barclays apresentou no último dia 9 de dezembro, em Londres, seu relatório de perspectivas econômicas e de mercado para o ano de 2011. A instituição britânica menciona a situação da Espanha como um dos principais focos de atenção dos investidores. Simon Hayes, economista do banco, disse que a "Espanha, do ponto de vista dos fundamentos de sua economia e de sua dívida pública, é um país solvente", mas alertou que "se os investidores continuarem nervosos e se o custo da dívida pública espanhola chegar a 7%, a situação seria explosiva e poderia ser necessário socorrer o país".
A repercussão do contágio em Portugal
Em face da situação atual do mercado de dívida soberana, alguns analistas com trânsito nesse mercado dão por certo que Portugal já foi contaminado pelos problemas da Irlanda e da Grécia. É o que pensa, por exemplo, Nouriel Roubini, professor da Universidade de Nova York que previu a crise financeira mundial. "Portugal já foi contaminado", dizia ele em entrevista a Bloomberg TV em Nova Délhi no dia 2 de dezembro. Se for isso mesmo, a pergunta que se faz é se, finalmente, os portugueses terão de ser socorridos.
Para Costa, a necessidade de pedir ajuda ao Fundo de Estabilização Financeira e ao FMI dependerá, em grande medida, da resposta política que as principais economias da zona do euro darão à crise da dívida soberana. "Portugal não tem grandes problemas no setor bancário, porque não havia bolha especulativa no mercado imobiliário português. Portanto, se as taxas de juros se mantiverem em valores razoáveis em Portugal, o país responderá à crise sem a ajuda do Fundo de Estabilização Financeira do FMI". Contudo, diz o professor, se as taxas de juros voltarem aos patamares dos últimos anos, a ajuda do FMI será inevitável. "A situação de Portugal depende do que vai acontecer às economias da Espanha e da Itália, por exemplo. Se o risco percebido em relação à Espanha e à Itália for elevado, e as medidas da zona do euro para evitá-lo forem mais enérgicas, Portugal não precisará contar com a ajuda do Fundo de Estabilização Financeira do FMI.
Pampillón diz que Portugal "terá de pedir ajuda à União Europeia e ao FMI, porque a economia do país não cresce e o setor público está excessivamente endividado". Ele acrescenta que "sem crescimento econômico, não há receita fiscal que permita honrar o pagamento dos títulos da dívida; portanto, é preciso deixar claro que uma das chaves do problema consiste no crescimento do país".
Se, no fim das contas, Portugal for socorrido, as atenções se voltarão para a Espanha. "Creio que o socorro a Portugal colocaria a Espanha no centro do palco e criaria um problema realmente difícil de solucionar na zona do euro. Receio que o valor do socorro à Espanha possa colocar em dúvida a existência do euro", observa Costa. "Se o contágio se tornar mais agudo do que já é, por exemplo, na Espanha, haverá problemas, porque os recursos oficiais hoje disponíveis não são suficientes para salvar a Espanha depois de salvar outros países menores", disse Costa, da Universidade do Porto, subscrevendo a tese de Roubini na entrevista citada.
Uma ajuda de 90 bilhões de euros, disse Costa, montante aproximado que receberia Portugal, seria aceitável para o fundo de garantia de 750 bilhões de euros administrado pela União Europeia e pelo FMI. "O problema é se Portugal arrastar a Espanha, porque aí o resgate de um país dessas dimensões seria de 300 bilhões de euros, um montante grande demais para que se possa assumir sem certas dificuldades", observa Pampillón. "Se a Espanha não resistir, atrás dela cairão países como a Itália e a Bélgica. Creio, porém, que o BCE não permitirá que a Espanha caia. Não interessa a ninguém na Europa que se resgate a Espanha. O país é grande demais para ruir", acrescenta.
A Europa e o FMI ofereceram à Grécia, na primavera, empréstimos no valor total de 110 bilhões de euros. O orçamento da UE para os demais países em apuros da zona do euro permitiria a emissão de 60 bilhões de euros em títulos da dívida; outro mecanismo garantido pelos 16 países de mesma moeda permitiria a emissão de títulos que captariam outros 440 bilhões e, por fim, o FMI entraria com outros 250 bilhões. No cômputo geral, a Europa teria à sua disposição um total de 750 bilhões de euros para emprestar aos países em apuros.
Reformas para inspirar confiança
Para tentar acalmar os mercados e a pressão sobre a dívida, Portugal aprovou em 26 de novembro passado o orçamento mais austero das últimas décadas. Em 2011, o governo português reduzirá os salários dos funcionários públicos em 5%, aumentará o IVA (imposto sobre valor agregado) de 21% para 23%, congelará as pensões, elevará a carga tributária das empresas e dos cidadãos, reduzirá todos os subsídios sociais e conterá de forma generalizada os investimentos e os gastos do setor público.
O governo espanhol, por sua vez, decidiu baixar 5%, em média, os salários dos funcionários públicos este ano e congelá-los em 2011, quando suspenderá também o aumento das pensões e serão cortados os subsídios sociais, como os que eram outorgados por ocasião do nascimento dos filhos, o chamado "cheque bebê". Além disso, para diminuir o déficit, desde julho o valor do IVA passou de 16% para 18%. Uma das últimas medidas aprovadas para acalmar os mercados foi marcar para 28 de janeiro a data em que o Executivo aprovará a reforma das pensões.
Para que os mercados acreditem mais do que acreditam hoje no potencial empresarial da economia espanhola, observa Esteban García Canal, será preciso que se aprofundem as reformas estruturais (mercado de trabalho, sistema financeiro, gasto público, entre outras). "Essas reformas já foram iniciadas, mas é preciso desenvolvê-las, porque são elas que permitirão a nossas empresas multinacionais continuar a contribuir com o crescimento da nossa economia. Essa é a única forma de restituir a confiança perdida", diz.
Para evitar que o mercado continue desconfiado e siga pressionando a dívida espanhola, com o consequente aumento dos custos de financiamento para o país, é preciso fazer outras reformas mais amplas e mais profundas do que as que foram feitas até o momento, observa Pampillón. "Não se pode ir a reboque do mercado. É preciso mostrar que o país será capaz de crescer de forma sustentável no futuro", adverte. "Entre as reformas pendentes e mais importantes estão, por exemplo, a da saúde, cuja sustentabilidade depende da introdução do copago (taxa fixa paga pelo paciente segurado por uma consulta médica). É extremamente importante também reformar o mercado de energia, reduzindo as subvenções concedidas às energias renováveis apostando em energias mais baratas, como a nuclear. É igualmente imprescindível aprovar uma norma que limite e controle o gasto das comunidades autônomas. Por último, deve-se aprofundar a reforma trabalhista aprovada há alguns meses por meio da liberalização de negociações coletivas", conclui.
Universia-Knowledge@Wharton, publicado em 15-12-2010
Enviado por Claudia Bulcão

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