Para Santiago Nino Becerra,
Brasil segue o mesmo caminho adotado pela Espanha, de endividamento e de
crescimento pelo crédito
Jamil Chade
A Espanha é
"irresgatável" e seu crescimento nos últimos anos foi "baseado
numa ficção". O alerta é de uma das principais referências hoje na
Espanha, o economista Santiago Nino Becerra, autor de dois livros sobre a crise
econômica que afeta o país. Em entrevista ao Estado, o economista diz
que um resgate para a Espanha custaria 800 bilhões à UE e ao FMI, dinheiro que
"simplesmente não existe". Becerra também alerta que há sinais claros
de que o Brasil está seguindo o mesmo caminho de endividamento e de crescimento
pelo crédito adotado pela Espanha há dez anos. "O Brasil hoje é a Espanha
de 2003, em versão 2.0."
A seguir, os principais
trechos da entrevista.
Como, depois de anos de
euforia, a Espanha chegou a essa situação? A festa não era real?
A festa em todo o mundo tem
sido uma ficção e ainda é uma ficção nos países onde continua. Quando a
capacidade de endividamento se esgotou, o pagamento da dívida se tornou
impossível.
Como o sr. explica que
ninguém na classe política viu essa ameaça e a criação de bolhas?
Certamente sabiam. Mas tinham
de ignorar essa possibilidade. O hiperendividamento era, desde o final dos anos
80, a única opção para crescer.
O sr. já alertava para os
riscos em 2006. O que diziam as pessoas ao ouvir essa advertência?
Quem me escutava admitia que o
crescimento da dívida era insustentável. Na Espanha, entre 1996 e 2005, a
dívida privada cresceu 140%.
Na segunda-feira, quando um
novo governo assume o poder, há coisas que ele possa fazer diferente do governo
atual para solucionar a crise?
Na segunda-feira, alguém
ligará para Moncloa (palácio do governo) e perguntará pelo presidente do novo
governo e dirá a ele que pegue papel e lápis para tomar nota do que terá de
fazer o novo governo do Reino da Espanha. Isso se já não lhe foi dito.
Depois de Portugal, Irlanda
e Grécia, a Espanha é resgatável?
A Espanha é irresgatável,
assim como a Itália. Seriam necessários uns 800 bilhões, valor que simplesmente
não existe.
Os planos de austeridade
terão efeitos sociais profundos. Serão suficientes para tirar os países da
crise?
O problema não é o gasto, e
sim a arrecadação. Ao não crescer, a arrecadação é reduzida e a renda pública
cai. Como os países europeus têm compromisso de déficit, a única possibilidade
é o corte de gastos públicos, mesmo que isso deprima ainda mais a economia.
O Brasil vive um boom. A Espanha pode servir de lição
sobre como não fazer as coisas?
Acredito que o Brasil vive uma
situação virtual como a que viveu a Espanha de 1995 a 2007. Pelo que eu sei, a
economia brasileira navega em um mar de créditos no qual o governo incentiva o
consumo de tudo, como ocorreu na Espanha. Para "resolver" a questão
da distribuição de renda, o Brasil deu acesso a crédito a um porcentual enorme
da população. Algo parecido com o que ocorreu na Espanha. De 1997 a 2007, os
salários reais dos espanhóis só cresceram 0,7%. Mas a população consumiu de
tudo. Penso que o Brasil hoje é a Espanha em 2003, numa versão 2.0.
Jamil Chade, Estado de S. Paulo, 18-11-2011
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