George Friedman, tradução de Francisco Vianna
As tropas
americanas estão em processo de completar sua retirada do Iraque até a data
limite do fim 2011. Washington agora se movimenta para reavaliar as
consequências, o que preocupa pela mudança maciça potencial no equilíbrio de
forças na região, com o Irã passando de uma potência moderadamente marginal
para uma potência potencialmente dominante. Na medida em que o processo evolui,
EUA e Israel providenciam contramedidas. Tal fato tem sido extensamente
discutido tanto em Washington como em Tel Aviv. Permanecem questões sobre se
tais contramedidas serão ou não capazes de estabilizar a região e se ou até
onde o Irã poderá ir, em resposta à saída americana.
O Irã tem se
preparado para a retirada dos EUA da região. Não é razoável simplesmente dizer
que o Irã invadiria e dominaria o Iraque, mas é justo dizer que Teerã exercerá
uma tremenda influência sobre Bagdá, a ponto de ser capaz de bloquear as
iniciativas iraquianas às quais o Irã se oponha. Tal influência aumentará à
medida que os EUA forem concluindo a sua retirada militar e se torne claro que
não haverá qualquer reversão repentina na política de retirada. O cálculo dos
políticos iraquianos tem que levar em conta a proximidade da força iraniana e a
crescente distância e irrelevância do poder americano.
Resistir ao Irã sob
tais condições seria provavelmente pouco efetivo e perigoso. Alguns, como os
curdos, acreditam ter garantias dos americanos de que, havendo necessidade,
eles rapidamente retornariam ao país, que continuarão a receber investimentos
substanciais no seu petróleo das companhias americanas, e acreditam que tais
compromissos serão honrados. Uma olhada no mapa, entretanto, vê-se o quão difícil
seria para os EUA manter esses compromissos. O regime de Bagdá tem prendido os
líderes sunitas ao passo que os xiitas -- nem todos são pró-iranianos de jeito
nenhum – sabem o preço de uma resistência super entusiasta.
SÍRIA E IRÃ
A situação na Síria
complica isso tudo. A minoria da seita alauita tem dominado o governo sírio
desde 1970, quando o pai do atual presidente — que comandou a força aérea síria
— perpetrou um golpe. Os alauitas são muçulmanos heterodoxos de uma seita relacionada
com a seita xiitas e correspondem a cerca de 7 por cento da população do país, que
é majoritariamente sunita. O novo governo alauita era ‘nasserista’ por natureza,
o que significa que era secular, socialista, e construído em torno dos militares.
Quando o Islã cresceu como força política no mundo árabe, os sírios — alienados
pelo regime de Sadat no Egito — passaram a ver o Irã como uma muralha protetora.
O regime islamo-fascista de Teerã deu ao regime secular da Síria uma imunidade
contra os fundamentalistas xiitas do Líbano. Os iranianos deram também apoio à
Síria e as suas aventuras militares e possivelmente criminosas no Líbano e, mais
importante, suprimindo a maioria sunita síria.
Síria e Irã
estiveram particularmente alinhados no Líbano. No início da década de 1980, após
a revolução do aiatolá Komeini, os iranianos buscaram aumentar sua influência no
mundo islâmico ao dar apoio sistemático às forças xiitas. O Hezbollah foi uma
dessas forças. A Síria tinha invadido o Líbano em 1975 em nome dos cristãos
maronitas e em oposição à OLP (Organização para a Libertação da Palestina, de
Yasser Arafat) para aumentar o senso de complexidade geopolítica na área. A Síria
considerava o Líbano historicamente como parte de seu país, e procurou assegurar
sua influência sobre Beirute. Com o apoio do Irã, o Hezbollah se tornou um instrumento
da força síria no Líbano e responsável pela quase totalidade das agressões a
Israel, claro, usando os palestinos como ‘bucha de canhão’.
Irã e Síria, portanto,
se engajaram numa aliança estável e duradoura que já dura até hoje. Nas atuais
agitações sociais na Síria, os sauditas e os turcos juntamente com os
americanos têm todos sido hostis ao regime do Presidente Bashar al Assad de
Damasco. O Irã é o único país que ainda permanece dando apoio ao atual governo
sírio.
Há uma boa razão
para isso. Antes dos levantes populares, o relacionamento preciso entre a Síria
e o Irã era variável e instável, em vista daquela ser uma ditadura familiar de
minoria e aquele ser uma ditadura fascista e religiosa populista. A Síria foi
capaz de agir de maneira autonômica ao lidar com o Irã e com os procuradores
iranianos no Líbano. Ao mesmo tempo em que passou a ser um importante apoiador
de grupos como o Hezbollah, o regime de al Assad de muitas maneiras checava o
poder do Hezbollah no Líbano e sua crescente capacidade bélica, exercendo um
papel dominante no sul do país. Todavia, os levantes sírios colocaram o regime
de al Assad na defensiva, tornando-o cada vez mais interessado num relacionamento
firme e estável com o Irã. Damasco viu-se isolado no mundo sunita, com a
Turquia e a Liga Árabe contra ele. O Irã
— e intrigantemente o Primeiro Ministro do Iraque, Nouri al-Maliki — têm-se
constituído no único apoio de al Assad no exterior.
Até o presente
momento al Assad tem conseguido resistir aos seus inimigos. Embora alguns
sunitas de médio e baixo escalão em Damasco tenham desertado, suas Forças
Armadas permanecem amplamente intactas; isto porque os alauitas controlam os
postos chaves da hierarquia militar síria. Os acontecimentos na Líbia levaram a
uma batalha interna pela liderança síria — mesmo para alguns se seus adversários
dentro das forças armadas — como consequências de perdas. Os militares têm se
mantido unidos, e uma turba desarmada ou pobremente armada, não importando o
quão grande possa ser, não pode derrotá-los. O principal para os que querem a
queda do ditador al Assad é conseguir dividir as Forças Armadas da Síria.
Caso al Assad sobreviva
— e no momento, com o faz-de-conta dos que estão ‘por fora’ de lado, ele está sobrevivendo
— o Irã será o grande vencedor. Caso o Iraque acabe submetido a uma substancial
influência iraniana, o regime de al Assad — isolado da maioria dos países do
Oriente Médio, mas apoiado por Teerã — sobreviverá na Síria, e então o Irã
poderá emergir com sua esticada esfera de influência desde o oeste do Afeganistão
ao mar Mediterrâneo (neste último via Hezbollah). Ao conseguir isso, não será
necessário ao Irã empregar suas forças convencionais — a sobrevivência de al
Assad sozinha seria suficiente. Entretanto, a perspectiva de um regime sírio
mantido pelo Irã abriria a possibilidade do emprego das forces iranianas para o
oeste, e tal possibilidade por si traz repercussões significativas.
Considerando-se no mapa
a existência de tal esfera de influência iraniana, vemos que a fronteira norte
da Arábia Saudita e da Jordânia está adjacente a essa esfera, como estaria a
fronteira sul da Turquia. Permanece obscuro, certamente, como exatamente o Irã
conseguirá gerenciar essa esfera, ou seja, que tipo de força os persas poderão
empregar dentro dela. Somente os mapas não fornecerão uma compreensão do
problema. Mas eles assinalam o problema. E o problema é a potencial — incerta —
criação de um bloco sob a influência iraniana que possa se estender por uma
imensa faixa de território estratégico.
Convém lembrar que,
além da rede de procuradores militantes do Irã que cobre a região, as forças
convencionais persas são substanciais. Embora não sejam páreo para enfrentar
divisões armadas americanas e sobreviver, não haverá qualquer divisão armada
americana no terreno entre o Irã e o Líbano, após a retirada em curso. A
capacidade do Irã de mobilizar força suficiente para garantir tal esfera
aumenta e muito os riscos dos sauditas em particular. O objetivo do Irã é o de
aumentar esse risco de tal forma que obrigue a Arábia Saudita a considerar que
uma ‘acomodação’ é mais prudente do que uma resistência. Alterar o mapa pode
ajudar a conseguir isso.
Segue-se que, os
que temem tais perspectivas — Estados Unidos, Israel, Arábia Saudita e Turquia
—, procurarão impedir isso. Até o momento, o local para bloquear tudo não é
mais o Iraque, onde o Irã já tem uma influência estabelecida. Ao invés do
Iraque, o local agora é a Síria. E a principal providência a ser adotada na
Síria é a de fazer tudo o que for possível para ocasionar a derrubada do regime
de al Assad.
Na semana
retrasada, o levante sírio parecia assumir uma nova dimensão. Até recentemente,
a maior parte da atividade oposicionista parecia ser efetuada for a da Síria, com
o grosso da resistência relatada na mídia como sendo proveniente de grupos
oposicionistas baseados no exterior. O grau de oposição efetiva nunca foi
claramente estabelecido. Certamente, a
maioria sunita se opõe e odeia o regime alauita de al Assad, mas oposição e
emoção não proporcionam um regime consistente de homens lutando por suas vidas.
E nunca ficou claro que a resistência era tão forte como alardeava a propaganda
vinda do exterior.
Na semana passada,
todavia, o ‘Exército Livre da Síria’ (ELS) — um grupo sunita de desertores
operando fora, na Turquia e Líbano — alegou que desertores perpetravam ataques
organizados a instalações governamentais, estendendo-se desde uma instalação de
inteligência da Força Aérea (um ponto particularmente sensível, em virtude da história
do regime) ao edifício do Partido Baath,
governista, numa área da grande Damasco. Não foi o primeiro ataque assumido
pelo ELS, mas eles já propagandearam pesadamente na semana passada. O mais
significativo desses ataques é que, embora realizados em pequena escala e
provavelmente exagerados, eles mostraram que pelo menos alguns desertores estão
querendo lutar, ao invés de apenas desertarem e ficar na Turquia ou no Líbano.
O interessante é
que um aparente aumento na atividade dos ativistas armados — ou a introdução de
novas forças — ocorreu no mesmo momento em que as relações entre o Irã, de um
lado, e Estados Unidos e Israel do outro lado, estavam se deteriorando. A deterioração
começou com acusações de que houve uma operação secreta iraniana para
assassinar o embaixador saudita nos EUA descoberta pela CIA e pelo Mossad, seguida
por alegações bareinianas de que o governo iraniano treinou e organizou agentes
para os atentados perpetrados no Barein. Seguiu-se um relatório da AIEA
(Agência Internacional de Energia Atômica) da ONU sobre o progresso do Irã no
sentido de obter um artefato nuclear, que logo foi seguido de uma explosão, em
19 de novembro, numa instalação nuclear iraniana que os israelenses nem tão
discretamente assim assumiram ser obra sua. Se qualquer dessas alegações é
verdadeira ou não, o certo é que a pressão psicológica sobre o que o Irã está
construindo parece ser orquestrada.
De todos os
personagens deste jogo, a posição de Israel é a mais complexa. Israel tem
desenvolvido um trabalho decente, embora secreto, de relacionamento com os
sírios, fazendo recuar a sua mútua hostilidade em relação ao falecido Yasser Arafat
e a sua OLP, cujos restos foram reunidos pelo ocidente e transformado no
arremedo de ‘estado’ chamado ANP (Autoridade Nacional Palestina). Para Israel, a
Síria tem sido o demônio que os judeus conhecem. A ideia de um governo sunita
controlado pela Irmandade Muçulmana na sua fronteira noroeste era aterradora,
quase um sinônimo de guerra; Israel, de longe, preferia al Assad. Mas, em
função da mudança do equilíbrio de poder regional (amplamente provocada pelos
persas), a opinião dos israelenses também está mudando em relação aos seis
vizinhos do norte (Líbano e Síria).
A ameaça
islamo-sunita síria estava enfraquecendo na última década em relação à ameaça
islamo-xiita iraniana. Em outras palavras, a ameaça de uma força sunita hostil
aos judeus na Síria é atualmente menos preocupante do que uma encorajada
presença iraniana próxima à fronteira norte de Israel. Isto explica porque os
arquitetos da política externa de Israel – tais como o Ministro da Defesa Ehud
Barak – terem repetido que “o que se vê é uma aceleração rumo ao fim do regime
sírio”. Independentemente dos seus resultados preferidos, Israel não pode influenciar
os eventos dentro da Síria. Ao invés disso, Israel está se ajustando à realidade
de que a ameaça do Irã que redesenha a política regional se tornou muito mais
poderosa e influente.
O Irã, é claro,
está acostumado a campanhas psicológicas. Continua-se a crer que enquanto o Irã
puder estar próximo a obter um artefato nuclear que possa ser detonado no
subsolo sob condições cuidadosamente controladas, sua capacidade de criar uma
arma nuclear robusta e estável que possa funcionar fora do laboratório (que é o
que traduz um teste subterrâneo) ainda está distante. Isto inclui o fato de
Teerã ser capaz de montar um frágil sistema experimental na ogiva de um míssil
de lançamento e esperar que ele exploda ao atingir seu alvo. É possível. Pode
ser que não. Pode até tal míssil ser interceptado e criar um ‘casus belli’ para um contra-ataque
maciço.
A principal ameaça
iraniana não é nuclear. Pode até vir a ser, mas mesmo sem armas nucleares, o
Irã continua sendo uma ameaça. A atual escalada originada pela decisão
americana de se retirar militarmente do Iraque foi intensificada pelos eventos de
revolta popular na Síria. Caso o Irã abandone seu programa nuclear amanhã, a
situação na região permanecerá tão complexa como agora. O Irã tem a mão mais
forte nesse jogo e EUA, Israel, Turquia, e Arábia Saudita buscam a todo custo
uma maneira de virar a mesa.
Neste ponto,
parecem seguir uma estratégia de duas frentes: aumentar a pressão sobre Teerã
para obrigar os persas a reavaliarem suas vulnerabilidades e levar o governo sírio
a limitar as consequências da influência iraniana no Iraque. Se o regime sírio
pode ou não se incumbir de tal tarefa, trata-se de uma questão problemática. Muammar
Gadhafi, da Líbia, teria sobrevivido caso a OTAN não tivesse se envolvido em
apoio aos rebeldes. A OTAN poderia intervir na Síria, mas a Síria é mais
complexa do que a Líbia. Além do mais, um segundo ataque da OTAN a um estado
árabe concebido para mudar seu governo teria consequência imprevisíveis, não importando
o quanto os árabes temem os persas no momento. Guerras são imprevisíveis; elas
não são a primeira opção, mas, quase sempre, a última.
Portanto, a solução
provável é o apoio oculto à oposição sunita afunilada através do Líbano e
possivelmente pela Turquia e Jordânia. Será interessante ver se os turcos vão participar.
Bem mais interessante será ver se esse apoio irá funcionar. A inteligência
síria tem penetrado na sua oposição sunita de modo efetivo por décadas. Montar
uma campanha secreta contra o regime de al Assad seria difícil, e seu sucesso
de qualquer forma não garantido. Todavia, este é o próximo passo.
Mas não é o último.
Para se colocar o Irã de volta a sua caixa, algo deve ser feito com a atual
situação política de um Iraque que, sob muitos aspectos estará livre para
caminhar com seus próprios pés após a retirada militar americana. Em função de
tal retirada, Washington passará a ter bem menos influência lá. Todo o
relacionamento que os EUA construíram no Iraque tinham como predicado a força
armada americana a protegê-lo. Com os americanos fora, o fundamento de tais
relacionamentos se dissolve e se torna inconsistente. E mesmo com a incerteza
do futuro da Síria, o equilíbrio de poder no Oriente Médio está se alterando.
Os EUA têm três
escolhas. Aceitam a evolução que virá e tentam viver com o que emergirá dela;
tentam um acordo com o Irã — de certo doloroso e custoso; ou vão, de novo, à
guerra. A primeira supõe que Washington possa conviver com o resultado que
emergirá da evolução local e que não dependerá apenas dos iraquianos. A segunda
depende de o Irã estar interessado ou não em negociar com os EUA. A terceira depende
dos americanos estarem em condições econômicas e políticas de manter tal guerra
e de absorver as respostas retaliatórias do Irã, particularmente no Estreito de
Hormuz. Tudo é incerto, de forma que depor al Assad é crítico, pois isso muda o
jogo que se joga no momento e, mesmo assim, é algo enormemente difícil e cheio
de riscos.
Assiste-se agora o
ato final da ópera ‘Iraque’, e o desenrolar da peça é ainda mais doloroso do
que se imaginava. Apondo-se tais fatos aos da crise européia, tem-se uma ideia
do quanto real poderá vir a chegar uma atual crise no sistema global em função
do que pode ocorrer no Oriente Médio no futuro próximo.
George Friedman,
tradução de Francisco Vianna
Artigo original aqui
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