sábado, 26 de novembro de 2011

Rumo de verdade


Foto: Agência Lusa

Rui Costa Pinto
Este não é o momento para a utopia. Nas últimas legislativas, os portugueses mostraram que estão fartos de Calipsos a prometer a imortalidade do Estado social
A greve geral e alguns excessos que marcaram o dia de todos os protestos eram de esperar. As manifestações dos desempregados, dos pensionistas condenados a viver com reformas de miséria e de uma parte da população activa cada vez mais exangue traduzem a brutalidade dos sacrifícios.
Enquanto o país definha, e é preciso dar tempo ao tempo para começar a colher os frutos dos cortes absolutamente necessários, o governo só tem um caminho: dar aos portugueses o retrato fiel da situação de emergência sem paternalismos.
Foi preciso coragem política para afirmar que vamos ser obrigados a empobrecer. Mas agora é preciso mais do que o óbvio. É fundamental afirmar, alto e bom som, que os 78 mil milhões de euros emprestados pela troika a Portugal não são suficientes para tirar o país do buraco e relançar a economia ao mesmo tempo.
É preciso elencar com transparência o calendário da recuperação. E revelar que o caminho que está a ser feito é apenas uma etapa que visa reconquistar, em primeiro lugar, a confiança dos credores, de forma a podermos regressar ao financiamento nos mercados internacionais em 2013 ou a voltar a ter de pedir, em último caso, um novo resgate à União Europeia, ao Banco Central Europeu e ao Fundo Monetário Internacional.

As divergências entre os 27, o risco de implosão da zona euro e a dimensão da recessão que se aproxima, cá dentro e lá fora, são factores de risco que obrigam o governo a um discurso sem meias verdades. Só assim pode afastar o risco de vir a ser acusado de defraudar as expectativas de quem, por ingenuidade ou ignorância, acredita que os actuais sacrifícios são suficientes para ultrapassar a crise.
A recente subida dos juros da colocação da dívida e a decisão da Fitch de baixar o rating da República para “lixo” é o último alerta dos mercados. A mínima dissonância entre o discurso governamental e a percepção da realidade das contas públicas pode dar origem a uma crise de desconfiança que pode arrasar o caminho percorrido.
Passos Coelho não tem margem para errar, como o próprio sustentou no discurso de tomada de posse do governo, em 21 de Junho passado. Ultrapassada a barreira da aprovação do Orçamento para 2012, que representa o trabalho de casa em dia, todas as atenções têm de estar concentradas na execução orçamental, sem perder de vista a excepcionalidade dos casos sociais extremos, esperando que a União Europeia chegue a um compromisso entre mais disciplina e rigor orçamental e a aprovação dos eurobonds.
A verdade sobre a situação do país, nua e crua, é a única resposta que Passos Coelho pode dar a quem ajudou a enterrar o país, com silêncios e omissões, mais e mais obras faraónicas e negociatas do Estado, entre os quais se encontram aqueles que não hesitaram em cortar direitos adquiridos para alimentar vários desvarios estatais, e que agora andam embalados em discursos florentinos, manifestos estafados e demais promessas enganosas.
Este não é o momento para a utopia. Nas últimas legislativas, os portugueses mostraram que estão fartos de Calipsos a prometer a imortalidade do Estado social. Enquanto não existirem fumos de corrupção ao mais alto nível do Estado e nas privatizações que se avizinham a passos largos, o governo PSD/CDS-PP tem a obrigação de assumir um rumo de verdade, não tem de temer a impopularidade nem o futuro, por mais difícil e exigente que possa vir a ser.
Os portugueses estão preparados para enfrentar o pior, só não estão disponíveis para mais mentiras e ilusões.
Título e Texto: Rui Costa Pinto, jornal “i”, 26-11-2011

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