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Pelego é um assessório feito da pele de ovelhas e usado
para cobrir a montaria do cavalo (sela). Imagem retirada daqui.
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Almir Pazzianotto Pinto
Cerca de 41 milhões de
brasileiros arcam, uma vez por ano, com um dia de salário destinado à
manutenção de uma estrutura burocrática, viciada, enraizada e numerosa,
dirigida por acomodados pelegos, que se beneficiam da arrecadação de mais de R$
2 bilhões. Falo da Contribuição Sindical obrigatória, regulada pela
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), designação dada pelo regime militar ao
velho Imposto Sindical criado por Getúlio Vargas em 8 de julho de 1940,
mediante o Decreto-Lei n.º 2.377.
A instituição do Imposto
Sindical teve dois significados: de um lado, justificou a intervenção da
ditadura varguista em associações profissionais que até 1930 gozavam de
liberdade e, a partir de 1931, passaram a viver sob controle do Estado; de
outro, passou recibo da incapacidade de as entidades sindicais darem conta das
responsabilidades de representação, com recursos próprios, arrecadados entre os
associados.
Sob o primeiro governo Vargas
(1930-1945), era compreensível que ambas as coisas ocorressem. Foi Getúlio
Vargas quem modelou, de cima para baixo, as regras que tornaram possível fundar
sindicatos, federações e confederações. Para tanto lhes assegurou arrecadações
obrigatórias que lhes permitiram sobreviver.
O controle do Estado sobre a
estrutura sindical sobreviveu à queda de Vargas, em 1945. Não convinha aos
governos que se seguiram conceder-lhes autonomia nos moldes da Convenção 87 da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), pelo receio de presenciarem a
expansão da doutrina comunista. É necessário reconhecer que a pelegada
concordava em viver à sombra do Ministério do Trabalho, mesmo se ocasionalmente
alguém era punido por eventuais excessos.
Durante o regime militar a
situação manteve-se inalterada. Sindicalistas combativos e independentes haviam
sido cassados, presos ou caíram na clandestinidade em 1964. Dentro do vazio que
se criou o peleguismo ganhou força, raros sendo os dirigentes com postura
independente, como se viu em São Bernardo do Campo na década de 1970.
A Constituição de 1988
modificou a CLT. Em nome da liberdade de associação, o artigo 8.º vedou a
interferência e a intervenção do poder público em entidades sindicais.
Receptiva, entretanto, à pressão das confederações, das federações e dos
sindicatos profissionais e patronais, manteve a estrutura verticalizada, o
monopólio de representação por categoria econômica ou profissional, instituiu a
Contribuição Confederativa e garantiu a cobrança generalizada do imposto anual,
sob a roupagem de Contribuição Sindical. A Constituição extinguiu, é verdade, a
Carta de Reconhecimento deferida discricionariamente pelo ministro do Trabalho.
Criou, entretanto, o registro no Ministério do Trabalho e Emprego, exigência
burocrática responsável pelo aparecimento do profissional especializado em
fundar sindicatos, federações e confederações artificiais.
Coube ao deputado Ricardo
Berzoini, ministro do Trabalho no primeiro governo Lula, dar destaque, em
projeto de emenda constitucional, ao fenômeno da pulverização. Em 2005 alertou
o então ministro sobre "a proliferação de sindicatos cada vez menores e
menos representativos - por ele denominados "sindicatos de carimbo" -,
o que só reitera a necessidade de superação do atual sistema, há anos criticado
por sua baixa representatividade e reduzida sujeição a controle social".
A ausência de regulamentação
do artigo 8.º da Constituição, mediante lei ordinária, provocou a edição de
cinco instruções e duas portarias ministeriais sobre registro - a primeira,
baixada pela ex-ministra Dorothea Werneck e a última, editada pelo ministro
Carlos Luppi. Todas revestidas de caráter autoritário, porque invadiram espaço
destinado à lei, a teor do artigo 5.º, II, da Lei Maior. Ademais desse aspecto
relevante, a maleabilidade de instruções e portarias, sobretudo da última,
possibilita a formação dos ditos "sindicatos de carimbo", controlados
pelo neopeleguismo lulista, que visa à estabilidade sem trabalho, e com
excelentes rendimentos.
A liberdade de associação
profissional ou sindical é idêntica à liberdade de organização de partidos
políticos, prescrita no artigo 17 da Constituição da República. Não estamos,
contudo, diante de liberdades ilimitadas e absolutas. A Lei n.º 9.096, de 1995,
dispõe sobre partidos políticos, regulamenta os artigos 17 e 14, § 3.º, inciso
V, da Constituição federal, e ninguém se atreve a acusá-la de ditatorial.
A inexistência de lei
regulamentadora do direito de associação sindical, cujo espaço passou a ser
preenchido por meras portarias ministeriais, faz com que recaia sobre o
Ministério do Trabalho e Emprego, conforme o Estado, na edição de 14/11, a
pecha de "mercado de lobby comandado por ex-funcionários".
A experiência atesta que, no
tratamento dispensado à estrutura sindical, a Constituição de 1988 consegue ser
a pior. Pior até do que a Carta Constitucional de 1937, cujo artigo 138 não
ocultou suas raízes corporativo-fascistas. Já o artigo 8.º da vigente Carta
Magna, como o fizeram as anteriores, a partir de 1946, declara que são livres
as associações profissionais ou sindicais, mas, a começar do inciso I, revela o
autêntico caráter, pois conserva a estrutura verticalizada, reafirma o
monopólio de representação por categoria profissional ou econômica, impõe o registro
e prestigia a contribuição obrigatória. Em resumo, embora nascida de aspirações
democráticas do povo, fortalece o nefasto peleguismo, presente entre nós desde
1939.
Causa perplexidade o fato de,
mesmo diante de tantos escândalos, o Congresso Nacional conservar-se omisso,
tal como em 1946, e permitir a perpetuação do modelo corporativo-fascista,
adotado desde a Carta de 1937.
Título e Texto: Almir Pazzianotto Pinto,
ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho - O Estado de S.Paulo, 29-11-2011
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