sexta-feira, 1 de junho de 2012

Nós...

José Carlos Bolognese

Afundou tanto na cadeira da sala de espera que até esqueceu que era feita de plástico duro. Sentindo-se desconfortável, olhava com uma ponta de inveja para as outras pessoas que tratavam de questões triviais com o gerente, como um novo cartão de crédito, uma alteração qualquer na poupança, um seguro de carro, uma reclamação de algum erro do banco.
Ah, como era bom nos tempos da Varig, quando vinha reclamar de alguma mancada com sua conta e o banco se retratava porque, afinal, era um correntista antigo, com depósitos certos todo começo de mês... mesmo depois de aposentado.
Essas coisas banais, antes tão comuns na sua própria vida, agora pareciam tão distantes e estranhas como o lado escuro da Lua. Como tinha sido bom ser alguém com uma vida simples e discreta; dura em muitos aspectos, mas felicidade incompleta é bem melhor que infelicidade demais.
No passado, em todas a ocasiões que sentira medo, insegurança, sabia que essas coisas faziam parte da profissão que escolhera. Como parecia pequena agora aquela apreensão que sentia antes de um exame do Cemal. Uma vez ou outra se assustou em alguns voos, mas seus temores de um modo ou de outro tinham pouco a ver com seu tipo de trabalho.
Pelo contrário, seu maior medo era uma coisa distante, lá pra quando estivesse se aposentando. Será que o Aerus ia quebrar? Teria um plano de saúde? Os filhos iriam se formar, ter profissão? Enfim toda aquela problemática de nos acharmos donos de nossas vidas, sem saber – ou tentando ignorar – que não se faz nada sozinho na vida; nas coisas boas e nas ruins, sendo que nessas últimas quem nos faz o mal nem quer nos conhecer. Está indiferente, distante, cuidando de alguma coisa, de algum grupo de pessoas que por acaso é o seu. Nem chega a ter uma persona, por quem se possa sentir raiva. Mas, na falta de um conhecimento exato de coisas e pessoas  – algo que a maioria não tem – seguia vivendo um dia de cada vez.
Agora estava ali. A polidez dos funcionários do banco era mesma de sempre, mas do jeito que se sentia, sabia que aquilo era como a primeira camada de uma cebola. Que ia ardendo mais à medida as outras fossem sendo retiradas. Mas era por essa fachada de polidez que agora teria de passar para justificar suas dificuldades com o banco. Sua conta só se mantinha porque era amarrada ao INSS e à mixaria que o Aerus ainda pagava, mas tudo o mais eram números irreconciliáveis com as movimentações e os saques registrados.
Os torturadores com todos os seus recursos sombrios usam com maior eficácia o tempo contra suas vítimas. Ali, à espera do improvável, um torturador invisível fazia tocar a toda hora o telefone do gerente, retardando o atendimento que fazia e aumentando a espera de quem ainda ia ser atendido. Mas espera o fez pensar o que não queria. Já tinha estado lá antes atrás da mesma coisa. Renegociar um empréstimo, porque a notícia “quente” de um acordo para o Aerus um mês atrás, o tinha animado a se comprometer. E esse compromisso virou mais um pesadelo. Que estou fazendo aqui? Só o que vão me dizer é que tenho de dar um jeito, cortar despesas que já sabem que cortei. Como tinha decidido ir embora, mas era conhecido do gerente, ficou esperando uma oportunidade de sair desapercebido… E ela veio quando chegou um cafezinho e se criou uma pequena distração. Levantou-se, e com uma desculpa qualquer, deu sua ficha de espera a outra pessoa.
Ao sair desiludido do banco, encontrou um colega que não via há muito tempo. Apesar ser um sofredor como ele, também roubado do Aerus, a alegria do encontro o fez esquecer que tinha vindo acompanhado. Ao passar pela porta giratória da agência e ganhar a calçada, se lembrou... e juntou-se às suas duas companheiras constantes. A Tristeza e a… Esperança.
Título e Texto: José Carlos Bolognese, 01-06-2012

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