Maria João Marques
O pior do outdoor do PS – que
nos coloca a todos em maus lençóis – é a sua mensagem ser a demonstração
cristalina de que António Costa não faz a mais pequena ideia do país que se
propõe governar.
Estava eu a planear escrever
sobre assuntos leves e etéreos durante o mês de agosto, quando o apelo
irresistível do outdoor-cena-evangélica do
PS me trocou os planos.
Da parte estética do artefacto
– que nos entristecia por não conter nenhuma pomba envolta em aura dourada (a
malta publicitária do PS deve querer guardar os raios luminescentes para as
aparições publicitárias do magnífico Costa) e se notabilizava pela ausência de
sarças ardentes e, eventualmente, pela plantação de cannabis a desaparecer no
horizonte – já fiz chacota suficiente nas redes sociais. É que o menor dos
problemas do cartaz é a sua estética. Também interessa pouco que vá ser
retirado a correr porque, asseveram pessoas do PS (depois de numerosos shots de
absinto com xarope para a tosse, de modo a evitarem esta última e a adormecerem
a vontade de gargalhar), a sua mensagem foi tão eficaz que bastou ao outdoor
viver uma semana.
Não. O pior do outdoor – e que
nos coloca a todos em muito maus lençóis – é a sua mensagem ser a demonstração
cristalina de que António Costa não faz a mais pequena ideia do país que se
propõe governar. (Ou, na formulação que Costa usou na entrevista ao jornal i, ‘concorre’ para governar,
supondo-se que no concurso de 4 de outubro.)
O outdoor make love
not war do PS lembrou-me de imediato um dos mais tontos outdoors da
nossa democracia: o ‘razão e coração’ que Guterres aceitou, em 1995, ao mesmo
publicitário de Costa. Eu estava acabada de sair da adolescência, mas mesmo
assim recordo-me de considerar aquele cartaz um apelo intragável à emotividade
mais básica dos eleitores. Trazia a lemechice dos reality shows para
a política. E era marcadamente socialista e intervencionista, claro: a parte do
‘coração’ garantia que teríamos o estado a tomar conta de nós mesmo contra a
nossa mal avisada vontade.
O mais perturbador naquele
cartaz era a proposta de criar um vínculo afetivo entre os cidadãos e o governo
(e há maior demagogia que esta?). Porque, caros militantes do PS sequiosos de
afeto, governar um país é uma transação. Tiram-nos recursos sob a forma de
impostos e em troca fornecem os bens e serviços públicos, desenhados segundo a
forma que a maioria das últimas eleições legislativas escolheu: mais ou menos
prestações sociais, educação mais pública ou mais privada, mais autoestradas ou
menos impostos, e um longo etc. Não há cá espaço para palavras ternas ou
agradecimentos ao coração de manteiga do bondoso ministro (o ordenado pago
pelos contribuintes é mais que suficiente). Se o ministro tiver dificuldades em
criar relações de afeto, compre se faz favor um livro de Dale Carnegie e não
importune o eleitor.
Mas o outdoor de 1995 vinha a
seguir à década cavaquista, quando a opinião publicada se queixava hora sim e
hora também do ‘economicismo’ do governo, e pegou. Guterres queria marcar a
diferença com a frieza cavaquista – porque, como se sabe, os políticos de
esquerda rivalizam no amor ao próximo com São Martinho, mas os políticos de
direita são zombies que nem se enternecem quando veem fotos de bebés ou
gatinhos no Facebook.
E é isto que Costa não
entende. Que os eleitores em 2011 se tornaram cínicos e descrentes das
propostas afetuosas dos partidos políticos. Que já ninguém compra que um
político de topo que fez parte de todos os governos socialistas dos dezasseis
anos anteriores a 2011 seja sequer vagamente mudança ou que possa reclamar
migalhas de credibilidade. Costa é, como poucos, parte do problema de 2011 e do status
quo. Já não aceitamos argumentário de 1995.
Pelo que deliciosamente fatal
no outdoor flower power do PS é lembrar aos eleitores que a
tempestade da fotografia foi criação do PS, com Costa a ajudar com entusiasmo.
E o mesmo se aplica à retórica indigna, que é já o que resta a Costa, de atirar
lama para Passos Coelho. O mesmo Costa, relembro, que se propõe, quando
governo, a dificultar as investigações e processos judiciais a políticos.
Sou muito a favor de todo o
escrutínio democrático e Passos Coelho, como primeiro-ministro, deve ter
escrutínio redobrado. Mas não vejo como pode Costa, apoiante incondicional de
Sócrates, que só contrariado aceitava dizer um quinto de verdade, acusar Passos
Coelho de estar ‘viciado no engano’. Costa também não perceberá que
quanto mais usar argumento morais contra Passos Coelho mais recorda aos
eleitores o pretendente nacional a preso político?
E os empréstimos de Santos
Silva a Sócrates, são pormenores aceitáveis para Costa? Os americanos, esses
rústicos de pele vermelha e toucado de penas que não entendem nada de
democracia, acham que, pela parte que lhes toca, não. Veja-se que se passa com Hillary Clinton do outro lado do charco. Hillary ajudou
o banco UBS a evitar processos fiscais poupar milhões que, de seguida, pagou ao
seu marido 1,5 milhões de dólares pelos dotes de conferencista e emprestaram
mais de 30 milhões de dólares à Fundação Clinton.
Incrivelmente há quem nos
Estados Unidos se queixe desta curiosa entreajuda entre governantes e os que
beneficiam das suas políticas. Uns histéricos insuportáveis. Os americanos
estão mesmo a precisar de um outdoor do PS.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos.
Se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-