Rui Ramos
António Costa escreveu
aos indecisos. Indecisos, segundo os dicionários do regime, são os
eleitores que ainda não decidiram em quem votar a 4 de Outubro. Mas há outro
tipo de indecisos: aqueles políticos que ainda não decidiram como governar
depois de 4 de Outubro. António Costa é um deles.
António Costa, nesta
campanha, representa o “logo veremos”. Logo veremos se ele vai afrontar a
mitológica Merkel, ou, pelo contrário, fazer tudo o que ela lhe mandar (o que
quer dizer “uma postura ativa na Europa, sem submissão nem aventureirismos”?).
Logo veremos se vai acabar com a austeridade ou, pelo contrário, como o Syriza,
aplicar uma dose ainda maior. Logo veremos como vai governar: sozinho, com a
direita, ou com os comunistas. Logo veremos se mandará votar num candidato
presidencial “radical” (Nóvoa), ou num candidato “moderado” (Maria de Belém).
Em “eleições decisivas”, António Costa fez do PS uma escolha que deixa tudo por
decidir.
Não vou acusar Costa de
quaisquer limitações pessoais. Não é isso que está em causa. O que está em
causa são as limitações políticas do líder de um partido que chamou a troika e
assinou o memorando, para depois o renegar; que colocou Portugal na moeda única
europeia, para depois, enquanto governou, nunca cumprir os pactos de
estabilidade do Euro.
O PS de outros tempos
também oscilou, também foi atravessado por dúvidas, mas acabou sempre por optar
decisivamente: em 1975, pela democracia pluralista, contra uma autocracia
militar “progressista”; em 1977, pela integração europeia, contra o isolacionismo
terceiro-mundista; em 1978 e em 1983, pelo ajustamento apoiado pelo FMI, contra
a bancarrota; em 1989, por uma economia livre, contra o estatismo herdado do
PREC; em 1995, pelo Euro, contra a inflação. O PS foi assim poder, foi
alternativa ao poder, mas acima de tudo, fez parte da maioria que
ambicionou liberalizar e modernizar o país.
Desde o princípio deste
século, o PS perdeu o rumo. De certo modo, nunca recuperou do fracasso de
António Guterres. Em 2011, a tentação de lavar as mãos da “austeridade”,
para depois ganhar as eleições, como acontecera em 2002-2005, foi fatal. O
PS deixou-se então convencer de que o mundo atual é obra do “neoliberalismo”
(como os católicos antigos acreditavam que era obra do diabo), e agora receia
que qualquer atualização da velha social-democracia de 1945 seja pecado “neoliberal”.
Continua a querer determinadas coisas, mas já não sabe se quer os meios para as
obter. Quer o Estado social, mas hesita perante as reformas que o podem
viabilizar. Quer o Euro, mas não se reconcilia com as suas regras. Em suma,
criou-se a si próprio um impasse, que faz os seus adversários, à direita e à
esquerda, parecerem, por contraste, prescientes e decididos.
A dificuldade não é
exclusiva do PS. A crise das dívidas foi cruel para todos os partidos da
esquerda democrática na Europa. As direitas ganharam a maior parte das
eleições, enquanto os radicalismos e os populismos comiam os eleitorados
socialistas, como na Grécia ou no Reino Unido. No entanto, talvez o PS em
Portugal tenha menos desculpas. Porque teve condições, mais do que qualquer
outro partido congénere na Europa, para ultrapassar o obsoleto modelo
“social-democrata” do partido que ocupa o Estado para alimentar clientelas, e
evoluir para um movimento reformista, apoiado na sociedade e determinado a
libertar os cidadãos dos poderes dominantes e do “rentismo” estabelecido à
sombra do Estado. Ao contrário do Partido Trabalhista no Reino Unido, o PS
nunca esteve prisioneiro de interesses sindicais, nem da infiltração organizada
da extrema-esquerda. Por isso, nunca sofreu um Michael Foot ou um Jeremy
Corbyn. Mas acontece que agora também não é capaz de produzir um Manuel Valls
ou um Matteo Renzi.
O PS tenta ser tudo
e dizer tudo. Umas vezes entoa as canções do PREC com Sampaio da Nóvoa, outras
vezes examina folhas de Excel com Mário Centeno. Na sua carta, António Costa
chega a recuperar os velhos lugares comuns da retórica imperial em vigor antes
de 1974: “Há 600 anos, partimos à descoberta. É altura de descobrir e valorizar
as Índias e os Brasis que temos em nós”… Esta confusão ideológica é parte de um
caos de facções que, em Julho de 2013, impediu o PS de tomar o poder quando lhe
foi oferecido. Desde então, mudaram as caras, mas os problemas são os mesmos.
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