Helena Matos
O maior problema dos socialistas
nesta campanha não são os cartazes trapaceiros. Ou o facto de Sócrates estar
preso. O maior problema do PS nesta campanha resulta de não perceber que o país
mudou.
Esta caricatura de Manuela
Ferreira Leite, assinada por Rui Pimentel, remonta ao período em que o PSD foi
liderado pela mulher com a qual António Costa declara agora ter “uma identidade
de pontos de vista muito significativa” e cujo nome como candidata a Belém foi
defendido em Fevereiro deste ano pelo socialista Pedro Adão e Silva.
Não escolhi este desenho por
ser especialmente agressivo ou para ilustrar as contradições dos socialistas
que em 2009 replicaram esta caricatura no seu blogue de apoio a Sócrates, o
Simplex. (Agressivo e contraditório com o presente era o que se via e lia no
“Independente” quando este jornal era dirigido por Paulo Portas e Cavaco Silva
estava em São Bento e não em Belém!) Escolhi-a sim porque sendo uma fraca
caricatura de Manuela Ferreira Leite em 2009, acabou a tornar-se em 2015 num
bom símbolo da nossa política, dos seus equívocos e um bom retrato do que
Portugal foi e alguns acreditam que ainda é. E que Portugal é esse?
É o país que resultou do 25 de
Novembro de 1975. Um país que tinha o PS como sua referência natural de poder.
Não interessa se o PS estava no governo ou na oposição. Interessa que o PS
definia o bom gosto e o bom senso. Cavaco Silva podia ter maiorias absolutas
mas o apoio de que gozava só se percebia nas eleições porque o país que se via,
ouvia, falava e escrevia fazia questão de se declarar anti-cavaquista.
Esse era um país em que o
culto e o inculto, o correcto e o incorrecto, o piroso e o interessante eram
definidos em boa parte pela visão que a élite socialista tinha sobre o assunto,
qualquer ele fosse, nomeadamente o perfil daqueles que à sua direita lhe faziam
oposição e sobre os quais pendia inexoravelmente o momento em que o PS lhes
chamasse fascistas ou os arrumassem no ostracismo do salazarismo. Freitas e
Basílio Horta são casos que ilustram à exaustão esse poder dos socialistas de
fabricar reaccionários para em seguida os reciclarem como personalidades com as
quais se partilham pontos de vista, ódios ou outra coisa qualquer.
E é aqui que chegamos ao que
pode ser o grande equívoco desta campanha: tudo o que foi válido nos últimos
quarenta anos pode estar a deixar de ser. E por isso o mesmo António Costa, que
até há pouco teria sido elogiado, enaltecido e admirado por ter criado um
enorme problema a Passos Coelho ao puxar para a esfera de influência socialista
a antíga líder do PSD, parece agora meio desorientado ao declarar num dia que
tem uma “uma identidade de pontos de vista muito significativa” com Manuela
Ferreira Leite e no outro ao manter o equívoco em torno do apoio do PS à
candidatura de Sampaio de Nóvoa.
Não, não são as sondagens que
estão transtornadas. Nem o Verão que vai parvo. Nem Costa que afinal não é o
que se pensava. Mesmo que tudo isso ou parte disso possa ser verdade é apenas
uma parte da verdade. Quarenta anos depois o regime está a mudar e aquilo que
pareceu natural até ontem – a tutela do PS – pode estar a deixar de ser.
O maior problema dos
socialistas nesta campanha não são portanto os cartazes trapaceiros. Ou o facto
de Sócrates estar preso (Sócrates será sempre um problema para o PS não por
estar preso, em liberdade, a dar entrevistas ou a escrever um livro, como penso
que está, mas sim porque o PS, esse, continua preso a Sócrates). O maior
problema do PS nesta campanha pode resultar de não perceber que o país mudou. E
mudou para lá dos números do desemprego, do investimento ou dos juros da
dívida. Está a mudar muito mais profundamente. E isso é que pode ser dramático
para António Costa caso o Largo do Rato persista em comportar-se como nos
tempos em que a superioridade de Soares parecia tão natural quanto o facto de
D. Duarte ser chamado rei. Mas até agora é esse desacerto que está a
predominar. Ou seja o PS continua a falar para o país que resultou do 25 de
Novembro de 1975. Mas quem vai a eleições é o país que viveu Abril de 2011. Ou
seja o país que percebeu que nada estava garantido nesse Estado que os
vencedores de 1975 lhe tinham prometido. Não perceber isso pode ser fatal para
as intenções dos socialistas. E para o país pois um grande partido desorientado
é um activo de risco.
É preciso de facto não
perceber em que país e ano se está para que Santos Silva depois de ter encenado
a performance do “censurado de Queluz” ande agora a lastimar-se pelas páginas
do Acção Socialista porque a esquerda radical desapareceu das ruas, deixando de
se manifestar contra o governo. Ou seja não cumprindo o papel histórico que
alguns socialistas lhe tinham reservado: desgastarem-se em acções de
mobilização cada vez mais difícil mas capazes de criar a onda mediática de
descontentamento que o PS surfaria. E como explicar que este título do PÚBLICO
corresponda à realidade dos factos: “Figuras do PS exigem a Costa que lidere
agenda mediática”? Deixando de lado o patetismo das “figuras” que “exigem” isto
e aquilo ao líder – a figura (ou barão se se tratar de um partido de direita) é
alguém que nunca tendo sido líder oscila entre acreditar que faria melhor que o
líder ou em apresentar-se como o mais próximo do líder – e cheguemos às
exigências propriamente ditas: “exigem a Costa que lidere a agenda mediática”.
Exigem o quê? Esta gente não percebeu nada. Não percebeu que as eleições de
2009 foram as últimas (espero que por muito e muito tempo!) em que os eleitores
votavam como se fossem clientes num hiper em promoções: mesmo que metade
daquilo fosse mentira só os parvos é que iam desperdiçar tanta oferta.
Não quer isto dizer que os
portugueses estejam menos disponíveis para votar PS do que estavam em 2009.
Quer tão só dizer que muito daquilo a que os socialistas se habituaram a
recorrer para ganhar eleições – as pessoas que não são números, a vida para lá
do deficit, o votar com o coração… – suscita agora uma enorme desconfiança.
Costa não pode liderar a agenda mediática em primeiro lugar porque a agenda
mediática já não se domina como era hábito, e em segundo porque mediaticamente
o PS se está a dirigir não ao país mas sim ao país que o PS acha que somos.
A grande tarefa do PS é
perceber que o tempo não volta para trás e que vai ter de se confrontar com um
país que já não é aquilo que os socialistas estavam habituados que fosse. Um
lugar onde éramos todos iguais mas os socialistas se podiam dar ao luxo de
cultivar as suas diferenças.
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