Alberto Gonçalves
Dada a quantidade de ar morno
que lhe atravessa a cabeça, extraordinária até pelos padrões da classe
política, é difícil prestar atenção às opiniões de António Costa, e dificílimo
destacar alguma. Quando num dia promete 207 mil empregos e no seguinte explica
que a promessa é afinal uma estimativa, as pessoas, entretanto habituadas ao
estilo, não ligam. Mesmo assim, foi com pasmo que vi o homem lamentar a
"precariedade" dos novos contratos laborais, tragédia que "não
oferece segurança" e é "altamente prejudicial". Não é só um
argumento típico de quem anda longe do universo do trabalho: é a fezada de quem
nunca trabalhou.
Pela parte que directamente me
toca, em vinte anos nunca tive qualquer vínculo à entidade empregadora e nunca
me ocorreu reivindicar (é o verbo, não é?) alternativa. Com uma remota
excepção: seis meses de suplício num "projecto" ligado ao Ministério
da Saúde, de onde saí por despedimento "ilícito" e abençoado.
Descontada a legitimidade legal, a que pretexto iria forçar-me a continuar num
lugar onde não me queriam e que, de resto, eu abominava? Desde então, aprendi
que receber por cada serviço que presto é, além de genericamente decente,
racional. Por muito que isto indigne o Dr. Costa, não percebo que um sujeito
suporte ser remunerado por imposição do tribunal e não pelo reconhecimento
daquilo que faz. A garantia do emprego para a vida é má para o emprego e
péssima para a vida.
Pela parte que me toca
indirectamente, a brutal distância entre o Dr. Costa e o mundo ainda é mais
ofensiva. Nos últimos meses, tenho acompanhado de perto o microscópico drama de
um "patrão" que tenta em vão despedir o "trabalhador". O
primeiro paga o dobro do praticado no sector, a que acresce horas extras, 14
meses e, claro, segurança social. O segundo organiza manifestações sindicais
diárias, esforça-se com irregularidade e exibe maus modos. A solução, de acordo
com diversos advogados? Manter tudo como está, já que o despedimento com justa
causa exige pelos vistos que o assalariado cometa um ou dois crimes de sangue
durante o expediente. E o malévolo capitalista não aguenta os custos de um
despedimento sem prova da causa "justa".
Quando o Dr. Costa, com três
décadas de carreira partidária em cima, diz que "o combate à precariedade
é tão ou mais importante do que o combate ao desemprego", não compreende
que aquele torna este inútil: no cenário actual, e que o PS sonha agravar,
apenas um maluco empregará alguém.
Mudando de assunto, há que
louvar o novíssimo critério do Dr. Costa para a emergência de um "bloco
central": uma "invasão marciana" (sic). Enfim, o chefe do PS
comenta temas que domina. Infelizmente, arrisca-se a não ir a tempo: precário é
ele.
Título e Texto: Alberto Gonçalves, Diário de Notícias, 23-8-2015
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