João Marques de Almeida
A crise expôs a
vulnerabilidade do centro-esquerda às piores ideias das esquerdas radicais.
Como se dentro de cada socialista houvesse um trotskista, o qual regressa
quando o dinheiro começa a faltar.
A capacidade dos partidos de
centro esquerda na Europa para cometerem actos de puro suicídio aparentemente é
ilimitada. Na Grécia, o PASOK desapareceu e no Reino Unido o Partido
Trabalhista está a cometer um suicídio em público. E mesmo nos países onde a
sobrevivência não está em jogo, os partidos do centro-esquerda enfrentam
dificuldades. Na Alemanha, o SPD é incapaz de derrotar Merkel. Em França, os
socialistas oscilam entre a fraqueza e a divisão. E em Espanha e Portugal,
depois de anos de austeridade, os partidos socialistas deveriam estar a lutar
por maiorias absolutas, mas em vez disso estão a tentar evitar derrotas
eleitorais.
O declínio da
social-democracia e do socialismo europeus acorre depois da maior crise no
sistema capitalista global desde 1945. As lideranças dos partidos de centro
esquerda deveriam levantar a seguinte questão: por que razão os nossos partidos
não alcançam maiorias absolutas num contexto de crise financeira e económica?
Entre outras, destacaria duas razões, uma externa e outra interna. A externa
resulta de uma mudança na percepção de muitos eleitores sobre a natureza da
crise. O que começou por ser apresentado como uma crise provocada pelos
excessos do sistema financeiro global (o que seguramente contribuiu para a
crise), tornou-se numa crise que resultou do descontrolo das despesas públicas.
Sobretudo na Europa – e especialmente na zona Euro – o argumento da despesa
pública triunfou sobre o argumento dos excessos financeiros. E aqui a direita
derrotou a esquerda no debate público. Os resultados eleitorais sugerem que a
maioria das populações europeias olha para a crise como resultado do
descontrolo da despesa pública – o que penaliza os partidos de esquerda. Mais
importante, a maioria dos europeus confia mais nos partidos de direita do que
nos partidos de esquerda para resolver a crise. Pelo menos os resultados das
eleições e os estudos de opinião assim o indicam.
Mas há igualmente uma razão
interna. A crise expôs a vulnerabilidade dos partidos de centro-esquerda às
piores ideias das esquerdas radicais. Como se dentro de cada socialista
houvesse um trotskista, um maoísta ou mesmo um estalinista, o qual regressa
quando o dinheiro começa a faltar. Para quem não é nem nunca foi socialista, a
explicação para esta vulnerabilidade socialista ao vírus do radicalismo não é
evidente nem fácil. Estará certamente relacionada com percursos ideológicos,
com educações políticas, com aspectos de identidades individuais e com uma
enorme incompreensão sobre o mundo do século XXI e a natureza dos mercados
globais. Na Europa, o vírus do radicalismo está a matar a “terceira via”
social-democrata, assente num equilíbrio entre a economia de mercado e o
progresso social. E esta morte condenará o centro-esquerda a uma longa crise.
Neste contexto, o suicídio do Partido
Trabalhista é interessante. Foi aí que surgiu a “terceira via” de Blair, foi
onde ela conheceu o maior sucesso político, e é onde ela está a ser morta de um
modo implacável. O ódio dos trabalhistas a Blair tem tanto de impressionante
como de inexplicável. Blair foi o líder trabalhista com maior sucesso na
história do partido, tendo alcançado três maiorias absolutas seguidas. Desde
que Blair abandonou o nº 10 de Downing Street, o partido nunca mais parou de se
afastar do seu antigo líder. Começou com a eleição, há cinco anos, de Ed
Miliband para líder e aparentemente irá culminar com eleição de Bernard Corbyn
no próximo mês. A escolha de Corbyn para liderar os trabalhistas constituirá um
terramoto para o partido e para a própria política britânica.
Cegos pelo vírus do
radicalismo, a maioria dos trabalhistas não entende um ponto óbvio. Ao
renunciarem a uma fórmula política de sucesso não estão simplesmente a rejeitar
a herança de Blair. Estão a atacar a maioria do povo britânico. Nas últimas
eleições, os trabalhistas passaram a seguinte mensagem aos britânicos: nós não
queremos as políticas em que vocês votaram no passado. Os eleitores responderam
com uma maioria absoluta dos conservadores. Em resposta à derrota eleitoral, os
trabalhistas, em vez de moderarem o seu programa, parecem empenhados em
radicalizá-lo. Com esta escolha, abrem-se alguns cenários. Os trabalhistas
chegam rapidamente à conclusão de que cometeram um enorme erro e Corbyn não
resiste na liderança do partido até às próximas eleições. Mas a eleição de um
novo líder moderado provavelmente não será suficiente para vencer as eleições
de 2020. Ou seja, a eleição de Corbyn poderá condenar o partido à oposição até
2025.
Num cenário ainda pior para os
Trabalhistas, Corbyn consolida a sua liderança, radicaliza o partido e resiste
até às próximas eleições. Neste caso, poderá acontecer uma cisão no Partido
Trabalhista, com os sectores mais moderados e herdeiros da “terceira via” a
saírem e, possivelmente em coligação com os liberais, formarem um novo partido
social-democrata. Se o novo partido ou mesmo os liberais (os quais terão uma
grande oportunidade com a eleição de Corbyn) ficarem em segundo lugar em 2020,
poderemos assistir ao fim do Partido Trabalhista como partido de poder. Claro
que tudo isto é prematuro, mas são os cenários que se discutem no interior do
partido, especialmente pelos sectores “blairistas”.
A eleição de Corbyn terá
igualmente um impacto no referendo europeu, a realizar muito provavelmente em
2016. Corbyn pertence ao velho Partido Trabalhista anti-europeu. Se o governo
conservador negociar um “opt-out” das políticas sociais, os trabalhistas
liderados por Corbyn farão campanha pelo Não (o que causará uma divisão no
partido). Além disso, a maioria do partido, após o referendo na Escócia,
concluiu que uma campanha ao lado do governo conservador tem consequências
eleitorais desastrosas. Em 2016, o Reino Unido poderá assistir a uma repetição
do referendo de 1975. Os conservadores a fazerem campanha pela Europa e os
Trabalhistas contra. Quem diria há apenas uns meses?
Título e Texto: João Marques Almeida, Observador,
22-8-2015
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