quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Macroscópio: Jeremy Corbyn, um Alexis no Reino Unido

José Manuel Fernandes

Jeremy Corbyn era, até há poucas semanas, um deputado de segunda linha do Partido Trabalhista. Daqui por três semanas, se as sondagens estiverem certas, pode tornar-se no próximo líder de um dos mais importantes partidos da esquerda democrática europeia. É possível que isso pouco conte em Portugal, onde por essa altura a campanha para as legislativas estará a entrar nas semanas decisivas. Mas não é indiferente quando se pensa no futuro do nosso PS: é que se Corbyn passar a ser o líder da oposição no Reino Unido, isso significará que é hoje possível, na Europa, que políticos mais próximos do grego Syriza ou do espanhol Podemos conquistarem, por dentro, um grande partido de tradição trabalhista e social-democrata. É por isso que o Macroscópio de hoje é precisamente sobre Jeremy Corbyn e o que ele pode significar não apenas para o Reino Unido, mas para a esquerda moderada europeia.

Comecemos pelo princípio: quem é afinal Jeremy Corbyn? E qual a sua plataforma política? O Observador já dedicou ao tema um especial, no final de Julho: Este homem quer pintar o Partido Trabalhista de vermelho. Aí se notava, nomeadamente, que Corbyn é como que “uma memória viva do Partido Trabalhista dos anos 80 — cujo epitáfio é o manifesto eleitoral de 1983. Neste, defendia-se um aumento “maciço” do investimento público; a abolição da Câmara dos Lordes; o desarmamento nuclear do Reino Unido e a saída britânica da Comunidade Económica Europeia. Por ter rendido apenas 27,6% dos votos (o pior resultado do Labour desde 1918) contra os 42,4% de Thatcher, ficou mais tarde conhecido como “a nota de suicídio mais longa da História”.”

No Público de domingo passado, Jorge Almeida Fernandes, em Jeremy Corbyn: um “Podemos” na Inglaterra?, descrevia assim a sua plataforma política: “Promete renacionalizar a grande indústria, os caminhos-de-ferro, o gás e a electricidade, subir os impostos dos ricos, um plano maciço de investimento nas infra-estruturas, a restauração dos direitos perdidos pelos trabalhadores, a gratuidade das universidades e, sobretudo, o aumento da despesa pública e o fim da política de austeridade. Propõe também o cancelamento do nuclear militar britânico e a saída da NATO, tal como a revisão do estatuto britânico na UE. (…) É um anti-americano visceral. Foi admirador de Chávez, apoiou Putin no conflito ucraniano, elogia o Hamas e o Hezbollah.”

(Para um conhecimento mais detalhado, e crítico, das propostas de Corbyn, recomendo a leitura de uma análise da Spectator, Corbynomics: A path to penury. Nele Adam Memon, do Centre for Policy Studies, conclui que “Corbynomics seems to believe in a World in which there is no scarcity, where no difficult decisions or trade-offs ever need to be made, and for which every single penny spent by the state is sacred (apart from on defence). Ultimately, this programme boils down to a huge expansion of the reach and power of government; a strategy which has been tried and tested to destruction.”)

Este é um programa que entusiasma o Esquerda.net, o órgão online do Bloco de Esquerda, que tratou de traduzir um texto do Socialist Worker, o jornal que se auto-define como socialista e revolucionário. Que exulta: “Corbyn está a ganhar, (…) impulsionado por uma enorme onda de entusiasmo”; “A sua vitória seria um grande sucesso democrático”; sendo que, caso vença, “é o movimento extra-parlamentar que tem crescido à volta dele que permanecerá a sua fonte de força”.

Parecendo indiscutível que o velho deputado de barbas brancas tem um discurso que fala ao velho trabalhismo que nunca conviveu bem com o blairismo e, ao mesmo tempo, gera algum entusiasmo entre uma parte da juventude que se afastara da política, o consenso geral da imprensa britânica é que, com ele à frente, nunca um Partido Trabalhista tão radical regressará ao poder. Na The Economist escreve-se mesmo, depois de assistir a uma sua sessão de propaganda, que “Mr Corbyn is unelectable. Even less forgivably, he is boring.”

O mesmo defende, mas aqui com base na evolução da demografia, da economia e da estrutura da sociedade inglesa, Peter Kellner na Prospect, em Jeremy Corbyn for Prime Minister? Don’t laugh. Eis o seu ponto: “The prospects for a Corbyn-led Labour Party at the next general election depend on him establishing his credibility on a number of fronts: creating a broad appeal to “working families” of all kinds in a post-industrial world; repelling charges that he is a dangerous left-winger; reassuring voters who fear immigration and resent the size of Britain’s welfare bill; and persuading enough voters that a Corbyn government would run the economy competently. I don’t think he has the remotest chance of doing any of these things.”

Acontece que o mesmo Peter Kellner, ainda na Prospect, ao estudar as sondagens, também chega a conclusões algo surpreendentes num texto significativamente intitulado Why Jeremy Corbyn’s supporters don’t care about winning. O que parece estar a acontecer é que os que se inscreveram para eleger o novo líder do Labour simplesmente não acreditam que qualquer dos candidatos tenha boas hipóteses de ganhar as próximas eleições, em 2020, pelo que optam por votar com o coração e não com a razão: “ If the selectorate concludes that Labour’s prospects are not that great, whoever leads the party, why not simply back the candidate they like most? That, it seems, is precisely what most of Labour’s selectorate plan to do.”

Claro que esta situação está a deixar muito inquietos os deputados do partido, que até já estarão a ver como e quando poderão derrubar Corbyn, como a imprensa habitualmente afeta aos trabalhistas. A revista The Statesman, por exemplo, já tratou de dar a sua recomendação de voto e o apoio foi para a candidata que surge em segundo lugar nas sondagens: “Jeremy Corbyn has inspired thousands to join Labour's selectorate, but Yvette Cooper's experience of government, intellect and credibility mark her out.”

Já o Guardian acolheu um importante, mas quase desesperado, artigo de Tony Blair: Even if you hate me, please don’t take Labour over the cliff edge. O antigo líder e único que conseguiu vencer eleições para os trabalhistas nos últimos 40 anos, não poupa nas palavras: “With Corbyn as leader it won’t be a defeat like 1983 or 2015 at the next election. It will mean rout, annihilation. If he wins the leadership, the public will at first be amused, bemused and even intrigued. But as the years roll on, as Tory policies bite and the need for an effective opposition mounts – and oppositions are only effective if they stand a hope of winning – the public mood will turn to anger. They will seek to punish us. They will see themselves as victims not only of the Tory government but of our self-indulgence.”

De facto, que poderá acontecer num país onde o populismo já está em alta – o populismo nacionalista do UKIP na Inglaterra, o populismo nacionalista do SNP na Escócia – se os trabalhistas deixarem de ser um partido de centro-esquerda para se tornar num espécie de Syriza? É que é isso mesmo que pode acontecer, como notou Simon Nixon no Wall Street Journal, em Britain Picks Up the Greek Baton With Labour’s Jeremy Corbyn. Eis o seu argumento: “If there’s been any political contagion from the Greek crisis, the most eye-catching victim appears to be the U.K.” Mas isso também acontece por causa das dificuldades que “all European center-left parties face in trying to articulate a response to 21st-century challenges”, em boa parte fruto de velhas divisões: “In the U.K., as elsewhere in Europe, the left has long been divided between a socialist wing that favors nationalization and a major role for the state and trade unions in the economy, and a social democratic wing that is reconciled to private enterprise and the free market as the goose that lays the golden eggs that the state can redistribute.”

É pois altura de regressar a Jorge Almeida Fernandes, que no texto já citado também notou que “A crise provocou uma recomposição política, que se traduziu no reforço ideológico dos conservadores, no impasse da social-democracia, no crescimento dos populismos de direita e em fenómenos como o Syriza e o Podemos. Mas também permitiu a ressurreição das “velhas esquerdas” que continuam a pensar o mundo como há 30 ou 40 anos e que, portanto, lhe respondem com velhas receitas que fracassaram. Este é o mundo de Corbyn. O desafio da social-democracia ou do Labour não se resume às alianças e a ganhar as eleições ao centro. O que ainda não conseguiram dizer é o que será uma “resposta de esquerda”.”

Recupero ainda, na mesma linha, um texto ainda de julho de João Carlos Espada no mesmo Público – A ilusão do radicalismo – onde já se reflectia sobre o fenómeno Corbyn e, recordando o legado de Blair, escrevia que “A radicalização do discurso dos partidos à esquerda opera em circuito fechado. O eleitorado central não tem qualquer motivo sensato para acompanhar esse radicalismo. Mas essa radicalização da esquerda não será apenas prejudicial para si própria. Será prejudicial para todos. Vai empobrecer o debate político global. A direita deixará de ter um estímulo para ultrapassar o mero discurso da estabilidade e da continuidade. E, embora estas sejam certamente preferíveis ao radicalismo aventureiro, dificilmente constituem uma política inspiradora.”

Portugal tem escapado aos fenómenos mais extremos dessa onda radical, e não deixa de ser significativo que António Costa tenha passado os últimos dias a tentar colocar o discurso do seu partido o mais próximo possível de um realismo centrista. Mas as paixões que o Syriza suscitou entre muitos socialistas que até fazem parte da sua direcção permite perceber que, se o fenómeno Corbyn tivesse chegado umas semanas mais cedo, o seu esforço para manter bem-comportada a ala mais radical do PS seria, mesmo em tempo de eleições, bem mais árduo.

Como diz o outro, “isto está tudo ligado”, pelo que teremos de continuar atentos à evolução da corrida à liderança dos trabalhistas ingleses. O Macroscópio vai continuar a ajudar, mas por agora desejo-vos bom descanso, boas leituras, e que aproveitem o melhor possível o que ainda falta deste quente mês de agosto.

Até amanhã. 
Texto: José Manuel Fernandes, 20-8-2015

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