José Manuel Fernandes
Robert
Conquest. Admito que este nome diga pouco ou nada à maioria dos portugueses. O
que nem surpreende muito: nenhum dos seus livros, e escreveu muitos e
importantes livros, foi editado em Portugal. Tinha 98 anos e morreu no passado
dia 3 de Agosto, mas a sua morte passou tão despercebida em Portugal que o
Macroscópio entendeu recuperar parte do que sobre ele se escreveu.
Até porque
foi um historiador que se destacou por ter demonstrado, pela primeira vez de
forma sistemática e documentada, que o terror estalinista não fora um detalhe
na história da União Soviética, mas um cataclismo que reclamara milhões de
vidas humanas. Fê-lo num livro seminal, publicado em 1968, The Great Terror:
Stalin's Purge of the Thirties. Com ele, tal como escreveu
Josef Joffe, director do semanário alemão Die Zeit, “foi o primeiro a dizer a
verdade sobre Estaline”. Mas já lá vamos.
(Vou confessar um pequeno bias: nestas férias segui uma das recomendações de Jaime Gama e li The Last Stalinist, de Paul Preston, um impressionante trabalho que mostra como aquele que é visto como um herói da transição de Espanha para a democracia não hesitou em ordenar centenas de execuções sumárias ou em organizar todas as purgas que foram necessárias para aceder ao poder absoluto na liderança dos comunistas espanhóis; para além disso também li recentemente O Homem que Gostava de Cães, do cubano Leonardo Padura, um romance onde se reconstitui toda a trama que levou ao assassinato de Trotsky. Nenhuma destas obras seria possível sem o trabalho pioneiro de Robert Conquest.)
Mas regressemos a Conquest para referir que o único trabalho que encontrei na imprensa portuguesa foi o obituário de Luís Miguel Queirós no Público. Nele se recorda que “Se os chamados processos de Moscovo tinham provocado grandes discussões no Ocidente e estiveram na base de livros como O Zero e O Infinito (1940), de Arthur Koestler, ou 1984 (1949), de George Orwell, Conquest veio defender que os pseudo-julgamentos de 1936-1938, que serviram a Estaline para executar uma boa parte da elite do partido bolchevique, incluindo dirigentes como Zinoviev, Kamenev ou Bukharin, deviam ser olhados como um mero pormenor no contexto da era de terror imposta pelo ditador georgiano, que teria resultado na morte de 20 milhões de pessoas.”
Este número impressiona mas hoje sabemos, desde que foi possível consultar os
arquivos soviéticos depois da queda do regime comunista, que Robert Conquest for
a de facto o primeiro a entrever a dimensão da tragédia. Isso mesmo trataria o
próprio de confirmar, em 1990, quando publicou uma versão revista e aumentada
do seu livro, The Great Terror: A Reassessment, no qual já utiliza
materiais desses arquivos. Entretanto um seu outro trabalho, The
Harvest of Sorrow, de 1986, tornar-se-ia também na grande obra de
referência sobre as fomes que vitimaram muitos milhões de ucranianos durante o
processo de colectivização do início da década de 1930.
Mas vejamos algo do que se escreveu na imprensa anglo-saxónica, onde a morte
deste inglês que se radicara em Stanford, na Califórnia, teve naturalmente o
destaque que merecia. Eis algumas referências:
A revista The Economist, em The man who told us so, que recorda que ele chegou a combater, pelos
republicanos, na Guerra de Espanha e a ser militante do Partido Comunista,
sublinha o seu papel num dos grandes debates intelectuais do século XX: “The
intellectual history of the West in the 20th century was dominated by arguments
over totalitarianism: its causes, effects—and possible justification. Even
after flag-waving supporters of the Soviet Union had dwindled to irrelevance,
the conviction that communism was a good idea poorly executed persisted in
certain quarters. (…) The position that communism was a monstrously evil system
responsible for unprecedented atrocities was held by only a minority of scholars.
Robert Conquest, who died on August 3rd, was one of the most eloquent and
implacable members of that camp. To the chagrin of his opponents, he turned out
to be right.”
O New York Times, ao escrever
sobre o Historian Who Documented Soviet Horrors, detalha as dimensões do horror que ele
descreveu: “The scope of Stalin’s purges was laid out: seven million people
arrested in the peak years, 1937 and 1938; one million executed; two million
dead in the concentration camps. Mr. Conquest estimated the death toll for the
Stalin era at no less than 20 million.” O mesmo jornal cita também Norman
M. Naimark, professor de historia da Europa de Leste na Stanford University: “He
saw things clearly without having access to archives or internal information
from the Soviet government. We had a whole industry of Soviet historians who
were exposed to a lot of the same material but did not come up with the same
conclusions. This was groundbreaking, pioneering work.”
Josef Joffe, num texto mais
emotivo, Chronicler
of evil, editado pelo Politico, notou que “The point of the Great
Terror was that cruelty, oppression and contempt for human life was
endemic to totalitarian systems. You could soften it, as under Khrushchev and
Brezhnev, but not eradicate it. This was a simple insight, one would think, but
the book was greeted with howls of derision and defamation on the left. His
facts and his numbers were, if not wrong, wildly exaggerated, fumed the choir.
Suddenly, Conquest was the “anti-Sovietchik no. 1,” as a high-placed Communist
official put it.”
O obituário do Wall Street
Journal, Seminal
Historian of Soviet Misrule, recorda o nome que o seu amigo, o escritor
Kingsley Amis, propôs para a segunda edição do Great Terror – “I Told
You So, You F—ing Fools” – mas também lembrou os seus interesses variados:
“A colorful private life didn’t distract Mr. Conquest from honing a spectrum
of interests. He read French, German, Italian, Czech, Russian, Bulgarian, Greek
and Latin. In addition to Sovietology, he became an expert on the twilight
stage of the roughly 400-year period when Britain was part of the Roman Empire.”
Isto sem esquecer que foi também um poeta e que os seus primeiros livros foram
uma colectânea de poemas e um romance de ficção científica.
Esta sua vida muito variada
foi também recordada pelo Quadrant em Vale Robert Conquest, Historian and Poet. Aí se recorda a sua passagem por
Portugal muitos anos antes de se tornar historiador: “In Lisbon on an
American passport at the outbreak of the Second World War, he returned to
England to serve in the Oxfordshire and Buckinghamshire Light Infantry, and in
1944 was sent from Italy on Balkan military missions awkwardly attached to the
Soviet Third Ukrainian Front – and later the Allied Control Commission in
Bulgaria. From 1946 to 1956, he worked in the British Foreign Service – first
in Sofia, then in London, and in the U.K. Delegation to the United Nations –
after which he varied periods of freelance writing with academic appointments.”
Quanto aos seus poemas, há um que é recordado em muitos destes textos, um especialmente controverso porque nele refere-se que o terror de Estaline foi apenas a continuação e aprofundamento de um terror que já começara com Lenine:
There was a great Marxist named Lenin
Who did two or three million men in.
—That’s a lot to have done in,
But where he did one in
That grand Marxist Stalin did ten in.
(“Havia um grande marxista chamado Lenine/ Que liquidou dois ou três milhões./ É muita gente para alguém liquidar,/ Mas por cada um que liquidou,/ O grande marxista Estaline liquidou dez”, tradução do Público.)
(…)
Título, Imagem e Texto: José Manuel Fernandes, 18-8-2015
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