Aparecido Raimundo de Souza
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O TELEFONE toca e a velhinha
leva uma eternidade enorme para se levantar do sofá e caminhar até o aparelho
que se esgoela ao lado da cristaleira. Finalmente consegue atender.
- Alô, quem é? Quer falar com
quem?
- Boa noite, minha senhora.
Por favor, é da residência do seu Noronha?
- Aqui não tem ninguém com
esse nome. O senhor ligou para a residência errada.
- Quem mora aí, senhora?
- Orfeu.
- Morfeu?
- Orfeu, senhor, Orfeu. Mas
ele não está.
- Estranho! Me falaram que
nesse número eu falaria com o Noronha...
- Quem lhe passou essa
informação?
- Um tal de Bigorna.
- Bigorna? Não conheço. Ele é
seu amigo?
- Quem, o Noronha?
- Não, moço, o Bigorna.
- Nem sei quem é.
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- Como esse Bigorna lhe passou
então o número do Orfeu?
- Foi assim, madame. Eu liguei
para um número e atendeu uma menina. Procurei pelo Noronha e ela me passou para
o pai. O sujeito, por sua vez veio ao aparelho. Foi até um tanto indelicado
comigo e depois de um curto diálogo que tivemos me informou que aquele número
já havia sido do Noronha e agora não mais. Nessa confusão, me passou o seu
telefone. Por essa razão estou ligando.
- O senhor ligou os números
corretamente?
- Por certo, senão não estaria
falando com a senhora.
- Vai ver o senhor discou
algum algarismo errado. No lugar de discar um, discou oito, ou no lugar do três
riscou cinco. Às vezes, na pressa, a gente acaba fazendo isso... eu mesma
passei por esse incômodo por diversas vezes.
- Não acredito nessa
possibilidade madame.
- E por que não?
- Seu número de telefone não
tem os algarismos oito e cinco.
- Falei aleatoriamente. Não
especifiquei nenhum número em particular. Como mencionei esses, poderia ter
dito zero, quatro ou dois...
- Ainda que desta forma seu
telefone não possui nenhum desses números.
- Então, meu amigo. Não vamos
bater em ferro frio, nem gastar vela com defunto ruim. Como lhe falei, e agora
repito, aqui não tem nenhum Maconha. Passe bem. Boa...
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- Espere, espere. Por favor,
senhora. Não é Maconha, é Noronha. Olha só. Eu não sou criança. A madame menos
ainda. Claro, não fosse tão urgente não estaria importunando. Mas veja só. O
seu Bigorna me garantiu que esse número seria do Noronha. Assim, eu insisto...
- Senhor, como é a sua graça?
- Sham Chum Chimchim madame.
- O senhor é japonês?
- Chinês.
- Entendo. Veja bem, seu Sam.
Esse número está aqui em casa há exatamente vinte e cinco anos. O senhor não
acha que é um tempo mais que suficiente para alguém garantir, com exatidão, ao
prezado, que esse terminal é ou deixa de ser do tal do... Harmonia?
- Noronha, madame. O nome da
pessoa é Noronha. E o meu, Sham. A senhora pronunciou meu nome de forma errada.
Me chamou de Sam.
- Não é Sam?
- Não, senhora. É Cham.
- Desculpe, eu lhe chamei de
Sam? Que loucura...
- Chamou. Tudo bem. Deixa pra
lá. Voltando ao Noronha. Puxe pela memória... de repente...
- Noronha, Noronha...
- Isso. Noronha. Talvez por
lapso tenha se esquecido. Pode ser que ela faça parte do seu círculo de
amizades, ou do seu relacionamento familiar, uma...
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- O senhor me ofende falando
assim. Está me chamando de velha gagá?
- Em absoluto. De onde a
madame tirou essa ideia absurda?
- O senhor acabou de frisar:
“por um lapso”. Não tenho lapso, senhor Sam. Estou em pleno gozo das minhas
faculdades mentais. Imagine se iria esquecer o nome de alguém, ou de uma pessoa
que faz ou fez parte do meu círculo de amizades? Se ainda fosse um nome
difícil, como o seu, vá lá, mas Colônia...?
- Madame, Noronha. Noronha.
Lembra do Fernando?
- Fernando? Que Fernando?
- De Noronha.
- Não conheço nenhum Fernando
de Pamonha.
- Meu Deus do céu madame. Tem
alguém em casa junto com a senhora?
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- Sim!
- Quem?
- Para que o senhor quer
saber?
- De repente, se a senhora
chamasse...
- Outra vez me taxando de
maluca? Escuta aqui seu Sam...
- Sham, senhora. Sham... por
tudo quanto é mais sagrado. É a terceira ou a quarta, vez, sei lá, que a madame
esquece meu nome.
- Pois então, seu... seu...
- Está vendo? Na mosca!
- Calma. Não precisa repetir.
Concordo que seu patronímico seja um pouco fora do comum, mas... como lhe falei
e volto a repetir, pela quinquagésima vez, seu Vam. Aqui não tem nenhum
Bolonha. O senhor, efetivamente ligou para o lugar errado.
- Dona... perdão... madame...
meu nome e Sham, Sham, Sham. E o cidadão que procuro não se chama Bolonha e sim
Noronha.
- Então, isso mesmo: aqui não
tem nenhuma pessoa com esse nome. Passe bem, seu Pam.
Inopinadamente a velhinha
desliga na cara do cidadão.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza,
jornalista. De Aparecida do Norte - São Paulo.
19-5-2017
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