quarta-feira, 31 de maio de 2017

Há 25 anos escrevi este texto homenageando os comissários aposentados

Comecei a escrever este texto num pernoite no Porto, escrevi-o como uma merecida e singela homenagem às Comissárias e Comissários de Voo que se aposentavam. Na época, eu estava em plena ativa, é claro.

O artigo ‘Adeus –  E obrigado!’ foi publicado em 1993 no jornal ‘A Bússola’, do SNA - Sindicato Nacional dos Aeronautas. Anos depois também foi publicado na revista “speech”, da ACVAR – Associação dos Comissários da Varig. E aqui na revista saiu nos anos 2010 e 2011 (31 de maio).

Anos mais tarde, em 2005, já aposentado como “eles”, fiz um e-mail bonitinho. A formatação foi, mais ou menos, essa mesmo, letras brancas sobre fundo lilás escuro. O Arco do Triunfo à noite era a ilustração. Com a música La vie en rose (instrumental) como fundo musical. (No final deste post está um vídeo de Albert Armen, executando-a no acordeão.)



Por duas vezes, até aonde vai a minha lembrança, recebi na minha caixa de entrada este texto dado como apócrifo. A remetente escrevia que o encontrou nos seus antigos e-mails, well…

Adeus - e obrigado!
...nós continuamos por aqui.


Eles têm vinte e poucos, trinta e tantos, quarenta ou cinquenta e alguns anos de idade. Vieram de quase todos os estados brasileiros e até mesmo de países amigos. Alguns, têm três ou quatro anos de voo. Outros, começaram ainda ontem. Mas também há aqueles com mais de trinta anos em rota. E muitos que sonham em começar...

Muitos deles têm cursos superiores que os habilitam ao exercício das mais variadas profissões. A grande maioria fala, pelo menos, um idioma estrangeiro - e há quem domine mais de dois!

Muitos também já estavam bem instalados profissionalmente, mas deixaram tudo o que faziam antes. Desistiram de concorrer a empregos melhores, interromperam estágios, cancelaram projetos, adiaram noivados, alguns talvez tenham até brigado com a família, enfim, deixaram tudo de lado para abraçarem o que consideraram uma experiência única: voar servindo.

Atenderam a milhões de viajantes, sem nem lhes saber o nome. Cansaram-se em plantões noturnos intermináveis. Cochilaram em seus incômodos lugares de descanso. Lidaram com o público e desempenharam muitas outras tarefas, registrando queixas e críticas, desaforos, inconveniências.

Organizaram galleys, carregaram e guardaram embrulhos, sacos e malas. Atenderam doentes. Trabalharam com equipamentos sofisticados e, também, com peças obsoletas, ferramentas enguiçadas, improvisadas, quebradas, inadequadas. Tiveram que mostrar sempre boa vontade e um sorriso cordial.

Aturaram bêbados, desequilibrados, arrogantes e prepotentes. Atenderam a diretores, presidentes, gerentes, chefes, assistentes, "olheiros", pilotos, mecânicos de voo, colegas mil. Vips, Cips, assessores, empresários, "celebridades"... E, não raro, depararam-se com os "amigos" de "alguém importante", reivindicando tratamentos especiais e complicando-lhes o trabalho até o desespero?

Enfrentaram as emergências "naturais" e as mais imprevistas e delirantes. Continuaram mostrando boa cara e um sorriso bem-disposto. Aguentaram o frio e o calor, e "multidões" indisciplinadas. Prepararam-se intensamente para servir, agir, atuar. Guiaram viajantes, dando-lhes informações sobre tudo... Importava que explicassem, dessem a conhecer, contassem do seu país.

Como tal, cada um deles é um embaixador "full-time". E souberam recepcionar grupos de todos os quadrantes, cores, formas e feitios... Ajudaram idosos e deficientes, tiveram paciência com imbecis e difíceis ao trato. Trataram toda a gente com gentileza e afabilidade. Mesmo quando as crianças se tornaram insuportáveis, em sua "natural" indisciplina e falta de educação. Mesmo quando os viajantes eram grosseiros, estúpidos, perfeitos cretinos com o "rei na barriga". Eles sorriam da mesma forma, amavelmente, controlando com eficácia as situações difíceis e tensas, mesmo que estivessem à beira de um ataque de nervos.

Venderam a volta.

Certamente, alguns sofreram e outros tiveram saudades de casa. Alguns adoeceram, e houve até quem fosse embora e não mais voltou.

Ajudaram-se mutuamente nas mais diferentes tarefas. E também andaram na "maior". Estabeleceram cumplicidades esfuziantes. E, decerto, dançaram e namoraram. Organizaram jantares, "happy hours" e festinhas de aniversário. Passeios, farras e noitadas. Houve abstêmios e quem ficasse de pileque. Andaram em bando por esquinas, largos, catedrais, de noite, madrugada ou de dia, em mil lugares do mundo.

Riram solto. Contaram a vida uns aos outros. Falaram de suas terras, famílias, amigos, amores e desamores. Alegrias, vibrações, hesitações e inseguranças. Falaram de injustiças, combinaram viagens e visitas. Choraram sozinhos em quartos internacionais.

Passaram dez, vinte, trinta e poucos anos juntos, um tempo que ninguém pode tirar dessas Comissárias e Comissários de Voo. E, ao se aposentarem, "malgré tout", brilha em seus olhos uma experiência diferente e inesquecível, a certeza de uma aprendizagem do mundo absolutamente incrível e radiosa. As lágrimas se aproximam, já com saudades... Isso é uma coisa que eles, as Comissárias e Comissários, não trocariam por nada.
Adeus e obrigado. Nós continuamos por aqui, no ano que vem. 

Edição: JP
abril 2005

5 comentários:

  1. Dentro da minha filosofia, sei que poucos as entendem, eu comparo um avião à musica HOTEL CALIFÓRNIA.
    Nossas "hostess" de bordo à música "SHE".
    Nossos colegas à bordo os nossos "Guitar man".
    E a nossa vida apenas "uma velha roupa colorida.
    abraços e fui,,,

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  2. Caro Editor, o texto sempre será atual! Verdadeiro!
    Homenageando a todos Profissionais , Cmros e Cmras. Pelo tempo citado, a redação ocorreu no Ipanema Porto ou em Povoa do Varzim, lembro bem dessa época.
    Feliz dia do Comissário!
    Heitor Volkart

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  3. Quando faço minhas imprecisas comparações, levo em conta o que diz a letra.
    Dentro de um avião durante várias noites em dormir direito é como:

    Last thing I remember
    I was running for the door
    I had to find the passage back
    To the place I was before
    Relax, said the night man
    We are programmed to receive
    You can check out any time you like
    But you can never leave!

    As nossa colegas são sem dúvidas:
    She may be the face I can't forget
    The trace of pleasure or regret
    May be my treasure or the price I have to pay
    She may be the song that summer sings
    Maybe the chill that autumn brings
    Maybe a hundred different things
    Within the measure of a day

    She may be the beauty or the beast
    May be the famine or the feast
    May turn each day into a Heaven or a Hell
    She may be the mirror of my dreams
    A smile reflected in a stream
    She may not be what she may seem
    Inside her shell

    She, who always seems so happy in a crowd
    Whose eyes can be so private and so proud
    No one's allowed to see them when they cry
    She may be the love that cannot hope to last
    May come to me from shadows in the past
    That I remember 'till the day I die

    She maybe the reason I survive
    The why and wherefore I'm alive
    The one I'll care for through the rough in many years

    Me, I'll take her laughter her tears
    And make them all my souvenirs
    And where she goes I've got to be
    The meaning of my life is
    She,

    Os homens a bordo trabalhando como uma pequena banda de música, os homens que muitos gostariam de ser:
    Then the lights begin to flicker and the sound is getting dim
    The voice begins to falter and the crowds are getting thin
    But he never seems to notice he's just got to find
    Another place to play,
    (Anyway got to play, anyway got to play)

    (Neither way got to play, neither way got to play)

    E por fim nos dias de hoje nossas velhas roupas coloridas já não nos vestem, servem mais.
    Por fim para quem assistiu o filme FERNÃO CAPELO GAIVOTA.
    DESEJO À TO UM LONELY LOOKING SKY
    https://www.youtube.com/watch?v=zthqLVeyjOA



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