António Barreto
Há quem faça disso um programa político:
viver à custa dos outros! A defesa é paga pela América. As dívidas serão pagas
pelos credores. Os investimentos pelos europeus. Os estrangeiros que paguem a
nossa proteção
Nas vésperas da cimeira da
NATO em Bruxelas, o ministro da Defesa português prestou declarações às
televisões. Não terão sido esclarecimentos formais, em ocasião oficial, mas o
tom é elucidativo. Confirmou o ministro, com um sorriso de boa-fé, que era verdade
que Portugal não cumpria os seus deveres para a segurança coletiva, nem sequer
o compromisso mínimo estabelecido para a despesa com a defesa nacional, que é
de 2% do PIB. Mas disse também que era preciso considerar a nossa contribuição
qualitativa! Esta última é um mistério. As ilhas atlânticas? O mar? As praias?
Algo que seja só nosso e mais ninguém tenha? Ou um jeito português especial?
Dos 28 membros da NATO, apenas
cinco cumprem: Estados Unidos, Grã-Bretanha, Polónia, Estónia e Grécia. Todos
os outros ficam abaixo dos 2%. Como Portugal, com 1,3%. Menção especial para a
França, com 1,7%, a Alemanha 1,2%, a Itália 1,1% e a Espanha 0,9%!
Infelizmente, Donald Trump tem
razão. Diz ele que os Estados Unidos não estão dispostos a pagar pelos outros
sem que estes cumpram os seus compromissos. E ameaça os europeus. Não se sabe
bem de quê, mas deve querer dizer coisa má. O problema é que, neste caso, está
certo. Cada país membro da NATO tem de pagar pela sua defesa. A maior parte não
paga os 2%. Preferem gastar com coisas mais agradáveis e entregar-se à proteção
do poderio americano. A ideia é simples: tudo quanto ameaça a Europa ameaça
também os americanos. Como estes são mais fortes e mais ricos, eles que se
ocupem disso. E nem sequer a União tem uma política própria de defesa, muito
menos uma capacidade autônoma.
Pode ainda recordar-se que, há
quase vinte anos, a maioria dos partidos parlamentares (se bem me lembro, a
única reserva foi do PCP...) acabou com o serviço militar obrigatório. Sem
mais. Sem qualquer espécie de ideia sobre o que poderia ser uma contrapartida
civil ou de solidariedade. Na verdade, foi a boa demagogia da facilidade e as
velhas juventudes partidárias que forçaram a decisão! Mas a ideia estava dada:
não se gasta com a defesa, há coisas mais importantes. E, de qualquer maneira,
a NATO e os americanos estão aí para nos proteger.
Há atividades assim, em que
alguém paga, alimenta ou mantém outrem! Eis uma relação que tem
tradicionalmente um nome bem feio... E que se aplica às relações entre
americanos e europeus na área da defesa.
Portugal não é um caso raro
nem pior do que os outros. Há mais de vinte países da NATO que não respeitam os
compromissos nem cumprem as suas obrigações. Dependem dos Estados Unidos. Até
ao dia em que Donald Trump lhes dirá: "Não pagam pela vossa segurança?
Então deixaremos nós de pagar. Ou não garantimos a vossa liberdade. Ou então
exigimos contrapartidas políticas!" Nesse dia, toda a Europa, com excepção
da Grã-Bretanha e pouco mais, se elevará contra a prepotência imperialista
americana.
Esta atitude não está isolada.
Faz lembrar a de tantos que entendem que os credores devem obedecer aos
devedores e que aqueles a quem devemos dinheiro têm de fazer o que queremos e
aceitar as nossas condições. Há quem faça disso um programa político: viver à
custa dos outros! A defesa é paga pela América. As dívidas serão pagas pelos
credores. Os investimentos pelos europeus. Os estrangeiros que paguem a nossa proteção.
Devem também pagar os juros e as dívidas, assim como aceitar a renegociação e o
perdão da dívida. E devem subsidiar o desenvolvimento. Há mesmo quem queira
obrigar os estrangeiros a pagar pela educação em Portugal, dado que depois se
aproveitam dos emigrantes portugueses, cuja formação foi paga pelo país. É tão conveniente
ter o nosso patriotismo pago por outros! E a independência subsidiada!
Os povos e os Estados têm o
direito de não pagar a defesa nem as Forças Armadas. Como têm o direito de
pedir emprestado a fim de financiar os seus investimentos. Não têm é o direito
de exigir que outros os defendam, que outros paguem os seus militares e que
outros arrisquem a vida em sua defesa. Nem têm legitimidade para exigir que
lhes paguem ou perdoem as dívidas. Em poucas palavras: não têm o direito de
viver às custas dos outros, ao mesmo tempo que reclamam a independência e o
direito a serem tratados como iguais. Até porque não são iguais. Nem
independentes.
Título e Texto: António Barreto, Diário de Notícias, 28-5-2017
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