PERISCLÉCIO ENCONTRA o amigo e
compadre Arnóbio Sisudo no bar do Miráculo, onde haviam marcado vinte minutos
atrás, por telefone.
Pedem um café, se acomodam
numa mesa de fundo e começam a conversar. Perisclécio parece preocupado com o
companheiro. Realmente está. Em razão disso, vai direto ao assunto.
Perisclécio - Eu soube, pela
Belinha, minha empregada, que é amiga da sua secretária do lar, a Lurdinha que
a comadre Isaltina anda conversando com a bacia da privada. Essa história
procede Arnóbio?
Arnóbio – Sim, compadre
Perisclécio. Infelizmente é verdade.
Perisclécio - Meu Deus, que
loucura!
Arnóbio - Pois é amigo. Só me
faltava essa. Veja a minha situação. A que ponto chegou. Não sei o que faço...
perdi rumo, o prumo, o chão...
Perisclécio - E como soube
disso? Colocou câmera no banheiro?
Arnóbio - De forma alguma.
Isso seria invasão de privacidade...
Perisclécio – Por um lado ia
ser legal. A Lurdinha tem uma bunda...
Arnóbio – Você só pensa em
sacanagem, Perisclécio. Te chamo aqui para lhe expor um assunto sério e você
vem me falar do traseiro da Lurdinha?
Perisclécio – Perdão,
compadre. Não é de hoje e você sabe disso, que sonho com os fundilhos da
Lurdinha. Tudo bem. Esquece o que eu disse. Então, voltando ao seu caso. Como
soube dos fatos?
Arnóbio - Você não imagina.
Comecei a juntar pontos e nós. Algumas
conversas aqui e ali.
Primeiro a Lurdinha
conversando com as amigas ao telefone, entre elas, a Belinha. Depois nossa
filha com o namorado. Meus netos, com essa história, nem se fala. Estão meio
que abobalhados. Concluindo: diante desses fios soltos, passei a observar.
Discretamente. A princípio, pensei que a Isaltina falasse ao telefone. Mas ao
final de trinta dias, percebi que me enganei...
Perisclécio - Como sabe que se
enganou?
Arnóbio – Sua comadre não usa
celular no banheiro. Toda vez que entra para as necessidades fisiológicas, ou
banho, o aparelho fica na cozinha, sobre aquele armário cheio de mantimentos
que você nos deu de presente de casamento. De mais a mais, ela tem ojeriza a
esse tipo de modernidade.
Arnóbio – Por certo. Ela fica braba com nossos netos. Eles levantam com o celular, tomam café com celular, almoçam com o celular. Dormem com o celular. Isaltina grita, esbraveja, mas qual o quê!
Perisclécio - Sei como é isso.
Meus filhos não ficam atrás. Pois bem, voltando ao nosso papo, como chegou à
conclusão que a comadre Isaltina falava com a... com a bacia da privada?
Arnóbio - A própria me
contou...
Perisclécio – A comadre abriu
o jogo?
Arnóbio - Não, seu burro.
Presta atenção. A bacia. Andei dando uns “chega pra lá” nela... por fim
confirmou o que todos já sabíamos, mas não queríamos acreditar.
Perisclécio - Espera aí. Deixa ver se entendi. Você deu um chega pra lá na... na bacia da privada?
Arnóbio - Sim.
Perisclécio - E como fez isso? Encostando uma arma na boca da infeliz?
Arnóbio - Você além de não ser
nada engraçadinho virou piadista de terceira. Usei de outros métodos.
Perisclécio - Claro. Captei.
Você arrancou o acento dela nos tapas, digo, nas bundadas?
Arnóbio – Imbecil paspalho.
Vou embora...
Perisclécio - Calma, compadre.
Fica frio. Estou tentando tirar a sua preocupação. Sua testa está cheia de
rugas. Uma pitada de brincadeira, ajuda a melhorar. Então, me fala: cortou a
corda da descarga?
Arnóbio - Você é mesmo um
palhaço. Vou mandar você pra pu...
Perisclécio – Pula essa parte.
Pula essa parte. De mais a mais, você sabe que não vou pra lugar nenhum que me
mandar de cabeça quente. Relaxa. Respira. Toma o café. Vai acabar esfriando.
Arnóbio – Ok.
Perisclécio - Muito bem. Fala
logo de uma vez, compadre. Afinal de contas não sou adivinho. Como deu um chega
pra lá na... na bacia da privada?
Arnóbio - Inicialmente tivemos
uma longa conversa...
Perisclécio - Uma longa
conversa?
Arnóbio - Sim. Amistosamente.
Fiz perguntas. Ela nada. Não quis abrir o jogo. Insisti.
Perisclécio – E...?
Arnóbio - Como continuasse
intransigente, argumentei que aceitaria uma delação premiada. Todavia, não
revelaria a fonte. Ficaria só entre nós.
Perisclécio - Aí ela entrou na
sua.
Arnóbio - Qual o quê! Continuo
de guarda fechada. Aí me bateu uma ideia. Fui objetivo. Ameacei deixá-la cheia
de merda, por uma semana: “se você não me contar a verdade, se não colaborar,
deixarei você entupida de merda, até o pescoço”.
Perisclécio -
Kikikikikikikiki... bacia de privada tem pescoço? Não sabia! Deve ser
engraçado. Acaso quando ela sai pra passear mais o bidê, o lavabo, ou a
banheira, usa alguma gargantilha, cordão de ouro, perfume...?
Arnóbio – Vá te catar, seu
inconveniente. O caso é sério. Se a bacia tem ou não pescoço, se usa missanga,
nada disso vem ao caso.
Perisclécio – Tá, perdão. Você
não sabe brincar. Bom e daí...?
Arnóbio - Dai ela pensou,
pensou, ficou um tempo calada... por fim, abriu o bico.
Perisclécio - O bico?
Arnóbio - Isso mesmo. Contou
tudo.
Perisclécio - Uauuu! E o que
ela contou?
Arnóbio - Que Isaltina,
realmente, conversava. As duas têm tido longos papos. Viraram amigas. Chegaram
a trocar confidências. Sabia que até um diário está sendo escrito?
Perisclécio – A bacia da
privada está escrevendo um diário?
Arnóbio – Deixa de bancar o
idiota, Perisclécio. Bacia lá sabe escrever?
Perisclécio – Sei lá. Nessa altura do campeonato e em face do que
está me revelando, tudo é possível. Esquece. Viajei na maionese. Continue...
Arnóbio – Diante dessas
revelações, eu seria excessivamente boçal se não levasse esses fatos ao
conhecimento de um especialista.
Perisclécio - Especialista?
Arnóbio - Perfeitamente.
Procurei um médico de cabeça.
Perisclécio - Sei, um
cabeçudo?
Arnóbio - Mais uma brincadeira
sua, vou me levantar daqui e deixar você falando sozinho. Fui a um psiquiatra.
Perisclécio – Fez bem,
compadre. E ele?
Arnóbio - Tomou a decisão que
eu imaginava que um doutor conhecedor dessas causas fora do comum faria.
Perisclécio - Não enrola. Qual
a atitude do médico?
Arnóbio – Essa é a melhor
parte, Perisclécio. Pelo amor de eus, não ria. Sou capaz de jogar esse café nos
seus cornos.
Perisclécio – Fala de uma vez.
Não enrola.
Arnóbio – O doutor pediu,
compadre Perisclécio, pediu que eu levasse a bacia da privada no consultório
dele para uma conversa de pé de ouvido com ela.
Perisclécio cobriu o rosto com
as mãos. Abriu a boca, espantado. Estava, realmente espantado. Na verdade,
queria cair na gargalhada. Rir até dizer chega. Entretanto, ponderou a tempo de
evitar uma tragédia. Não seria legal, evidentemente, tendo em vista a situação
caótica do pobre do compadre. Sem contar que tal atitude poria fim à longa
amizade existente entre ambos. Indicar um médico, então, seria o cúmulo. Será
que ele estivera mesmo em um psiquiatra?
Pelo sim, pelo não, melhor seria deixar aquele assunto delicado, aliás,
delicadíssimo, de lado. No esquecimento.
Disfarçando o quanto lhe foi
possível, para não cair em riso incontrolável, alegou precisar chegar até o
banheiro. Antes de sair de cena, virou para o balcão e pediu à Miráculo que
trouxesse mais dois cafezinhos. Dessa vez, com leite, acompanhado de dois pães
com manteiga, no capricho.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza,
jornalista. De Brasília, Distrito Federal. 30-5-2017
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