Helena Matos
Beija-mão presidencial ao Papa em Monte
Real. Um primeiro-ministro a brincar às amas. O país olha para o lado. E
indigna-se com o "Correio da Manhã". É a propaganda, senhores. É a
propaganda.
O país teve um chilique: o Correio
da Manhã divulgou um vídeo em que se verá uma agressão sexual – ou que se presume ser tal – e
logo surgiu um vozear unânime de condenação. Pelos excessos a que os jovens da
geração mais preparada de sempre são capazes? Não, de modo algum. Como se sabe
os festejos dos jovens são assim uma espécie de inquérito à CGD: aconteça o que
acontecer só se deve divulgar uma pequena parte porque se conhecêssemos a
realidade ficaríamos muito traumatizados. E assim o ónus da questão recaiu
sobre o Correio da Manhã numa tal onda de indignação que até a
Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG) entendeu adequado “Apresentar
queixa no DIAP da Comarca de Lisboa, contra o Jornal “Correio da Manhã”, no
sentido de proceder às diligências que considere necessárias, tendo em vista o
apuramento de responsabilidade criminal, uma vez que as imagens divulgadas
indiciam a prática de crime contra a honra ou contra a reserva da vida privada.”
Portanto a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género apresenta queixa
contra o jornal que divulgou as imagens onde alegadamente se vê uma agressão
sexual a ser praticada por um homem contra uma mulher. Mas não foi precisamente
para lutar contra estas situações que foi criada a Comissão para a Cidadania e
Igualdade de Género? Quanto à “reserva da vida privada” que tanto preocupa a
Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género chamo a atenção que o Correio
da Manhã ocultou a identidade dos protagonistas.
Dir-se-á que era bem escusada
a divulgação das imagens e que o Correio da Manhã apenas queria
aumentar a leitura das suas páginas. Do último ponto não tenho dúvidas. Quanto
ao primeiro vamos lá deixar de ser hipócritas: o que está aqui em causa é
apenas a divulgação dessas imagens ter sido feita pelo Correio da Manhã,
um jornal popular detestado pela elite progressista e pelos meios ativistas do
costume.
Estes últimos consideram-se
detentores do monopólio da indignação, logo não só determinam aquilo com que
nos devemos indignar, mas também o quando e em que moldes. O problema do vídeo
divulgado pelo Correio da Manhã é mesmo esse: ter sido
divulgado pelo Correio da Manhã.
A gestão do monopólio da
indignação está em Portugal naquela faixa em que se aglutinam o velho
jacobinismo ao marxismo praticante ou transmigrado para os universos das
causas. Da importância política desse monopólio temos sinais todas as semanas.
Por exemplo, voltemos mais uma vez à vinda do Papa Francisco a Portugal.
Comecemos pelo momento em que o Papa foi recebido pelo Presidente da República.
Este recebe-o com vénia e beija-mão. O silêncio que caiu sobre esse gesto
contrasta com o sururu que acompanhou outro aquando da vinda a Portugal de
Bento XVI: Maria Cavaco Silva fez uma vénia ao então papa. Convém recordar que
Maria Cavaco Silva não era Presidente da República, não tinha qualquer cargo oficial,
mas era tão só casada com o então Presidente da República. Mesmo assim esse seu
gesto logo gerou indignação e artigos a criticá-la e também ao seu marido.
Agora foi o próprio chefe de Estado quem na base aérea de Monte Real, no
momento em que recebia outro chefe de Estado, fez uma vénia acompanhada de
simbólico beija-mão. Alguém viu?
O que aconteceu entre 2010 e
2017 para que aquilo que teria sido um escândalo há sete anos fosse agora
ignorado? Apenas que os monopolistas da indignação além de acharem que também
os papas devem ser submetidos ao seu exame prévio, não viam, em 2010, o então
Presidente como um aliado e agora veem o seu sucessor como um parceiro.
Parceiro instrumental e a prazo, mas por agora parceiro.
Mas o momento mais revelador
desta espécie de bitola que desliza sobre a realidade tornando-a execrável ou
aceitável consoante assim o decidem os monopolistas da indignação teve lugar
quando, segundo o Público, António Costa “tomou mesmo conta dos filhos de João
Miguel Tavares”. Independentemente do paradoxo subjacente ao facto de as
escolas católicas funcionarem no dia da vinda do Papa enquanto as públicas
encerram, aquilo a que nesse dia se assistiu em São Bento foi um daqueles
momentos em que se percebe a mais valia do monopólio da indignação. Em primeiro
lugar jamais um primeiro-ministro que não estivesse coordenado com esse sector
arriscaria dizer que tomava conta dos filhos de um colunista que se sentisse
prejudicado pela tolerância de ponto dada às escolas públicas pois de imediato
dezenas de comissões de pais ameaçariam levar os seus rebentos para São Bento.
Também não faltariam os psicólogos, sociólogos e especialistas em segurança
infantil a dizer que São Bento não reúne as condições de segurança
indispensáveis à guarda de crianças sejam elas três, quatro, dez ou vinte.
Desde as escadas à necessidade da sesta tudo seria visto ao detalhe. Em
seguida, viria a denúncia do óbvio: o primeiro-ministro só estaria por breves
momentos em São Bento pois tinha compromissos inadiáveis de agenda, no caso
receber o Papa, logo alguém – quem? Com que formação? Faz parte das suas
competências? O que disseram os respectivos sindicatos? – teria de ficar com as
crianças. Por fim, concluir-se-ia, com notória clarividência, que o
primeiro-ministro era um demagogo que depois de ter querido comprar o voto dos
funcionários públicos com a tolerância de ponto nem hesitava em recorrer ao
populismo mais óbvio para conseguir os seus objetivos. As redes sociais não
tardariam a tornar viral o lema “Com os meus filhos não!” desenhado sobre a
cara do dito chefe de executivo cuja cabeça já seria pedida em altos gritos
pela oposição e em sussurro pelos seus pares.
A gestão da indignação ou da
ausência dela fazem parte da propaganda. Boa parte do que para aí anda de
causas e causinhas são propaganda no velho sentido termo. E tal como nos velhos
tempos o reverso da indignação são a bajulação e a omissão. Aparentemente
espumas do tempo. Na prática factos selecionados que nos distraem do essencial.
É esse o vídeo da nossa vida e tem cenas mesmo chocantes.
PS. A propósito do
monopólio da indignação quantos debates, fóruns e textos se farão sobre as
escolhas do PS para o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais
e para o Conselho de Fiscalização do Sistema Integrado de Informação Criminal?
Para o primeiro, o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais,
foi indicado pelo PS, segundo leio mas tenho dificuldade em acreditar que tal
possa ser possível, o advogado Ricardo Rodrigues entre
outras coisas conhecido por numa entrevista que não lhe estava a correr de feição ter subtraído os gravadores aos jornalistas,
gesto que lhe valeu ser condenado (pena confirmada pelo Tribunal da Relação).
Para o Conselho de Fiscalização do Sistema Integrado de Informação Criminal o
eleito foi o advogado António Gameiro, condenado a restituir 45.000 euros a uma cliente (pena confirmada e agravada pelo Tribunal daRelação). Nestas escolhas ou há falta de critério ou a haver
critério ele é assustador.
Título e Texto: Helena Matos, Observador,
21-5-2017
Relacionados:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-