Aparecido Raimundo de Souza
TODOS NÓS, brasileiros, temos
propensões para sermos Otários e Manés. Catervas de carteirinha e sindicato.
Somos filhos, por herança genética de nossos antepassados, de uma classe de
malabaristas natos. Isso quer dizer que não aprendemos a profissão. Ela nasce
com a gente. Está no sangue. Como as digitais. Parece que a coisa vem grudada,
desde a concepção e, se desenvolve na medida em que o feto igualmente cresce e
toma formas e proporções distintas.
Ultimamente esses ilusionistas
andam em alta. Como os assaltantes, os larápios, trombadinhas, enganadores,
espertalhões, homicidas e estupradores e outras fantásticas atividades
inventadas pela evolução da humanidade abestalhada. Antigamente para serem
vistos em ação (especificamente os equilibristas) se fazia necessário ir a um
circo. Enfrentar filas quilométricas, adquirir os ingressos, comprar pipocas,
refrigerantes e sorvetes. Com os grandes espetáculos montados país afora, esses
profissionais (profissionais sim, por que não?!) passaram a ser vistos em todos
os lugares. Principalmente naqueles recantos tidos como cartões postais em que
você menos espera que eles estejam. Dias atrás capturamos um desses mambembes
dependurados no saco do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro.
Hoje, é comum toparmos com
eles (como os flanelinhas tradicionais, os pedintes e portadores de
deficiências as mais diversas) nos centros das cidades, às dúzias nos
estacionamentos, ou como uma chusma de crianças mendigando e se prostituindo
nas sinaleiras. Esses cidadãos do bem estão em voga, em moda, em alta e se
alastram pelos quatro cantos da federação como uma febre muito forte que
insiste em não curar nem que a vaca cante Fafá de Belém ou saia voando por aí
afora. Se duvidar, esse estado mórbido bota o sujeito na UTI, com passagem só de
ida, sem direito a conexão no céu.
Uma das modalidades está
ligada aquela que comumente se destaca mais e vemos pelos cruzamentos das
principais avenidas: a criação. Em nome dela, esses manipuladores de objetos se
diversificam. Uns pulam na frente dos veículos munidos com seis ou oito
bolinhas de cores variadas. Põem em prática uma série de alegorias com essas
bolinhas, que elas próprias se espantam e ficam boquiabertas, imaginando como
seus donos conseguiram tamanha proeza. Outro grupo brinca de engolir fogo,
jogar facas num alvo dançante (geralmente o alvo é uma jovem toda descabelada
metida num biquíni preto com bolinhas alaranjadas do “tempo do onça”), ou comer
giletes e sentar e passear sobre cacos de vidros descalços.
Existe, à parte, uma
turminha que se especializou em vender maconha, craque (o cachimbo vai de
graça) e outras especiarias, sem ser notada. Eles geralmente são identificados
por se disfarçarem de policiais da guarda municipal, com suas motocicletas barulhentas
adesivadas com as marcas da prefeitura. Um ou outro é descoberto, quando, por
azar, um cachorro aparece do nada e resolve fazer seu pipi levantando a
perna. Quando o sujeito tenta escapulir
da mijada, o comprador sai às carreiras atrás do elemento e a transação é
realizada.
Pois bem, amadas e amados, não
importa o estilo que essas criaturas utilizam. O fato é que, sem sombra de
dúvidas, o desdobramento da fantasia está condicionado dentro de uma disciplina
meticulosamente estudada, e prevalece, no seu auge, enquanto o festim está em
ação. Enquanto os infelizes se desdobram para ganhar uns trocadinhos, os
motoristas entediados com as fuças de “não estou nem aí” (confortavelmente
sentados em seus carrões, com ar refrigerado falando ao celular, vendo televisão,
enlaçados numa bela garota de sainha curta e pernas de fora), esperam que o
sinal mude do vermelho para o verde, para que possam seguir viagem.
Uma parte da culpa pela
ascensão desses personagens circenses (ou ruenses) se deve aos nossos representantes,
ou melhor, aos nossos cafajestes e pilantras na Câmara, no Senado, nos
ministérios, nos palácios bem guardados, e outras pocilgas não citadas, mas que
todos sabem existir e abundar. Para
cobrir os rombos, os gastos astronômicos e as falcatruas que vivem aprontando,
esses filhos da puta jogam, atiram uma enxurrada de impostos nas costas do
trabalhador. Daquele infeliz assalariado, do desgraçado que compõem a banda
mais indigente da plebe desamparada e desprovida, dos que, em épocas de
eleições, correm a trocar votos por cestas básicas e pagamentos de contas de
luz e água entre outros pedidos esdrúxulos.
Já não queremos mencionar as
medidas provisórias, as votações traiçoeiras por baixo dos panos, nas caladas
das noites, que ao serem editadas e tornadas públicas dia seguinte, visam única
e exclusivamente enfiar uma trolha sem tamanho, descomunal, no traseiro magro
de todos nós consanguíneos dessa republiqueta de salafrários e ludibriadores do
Povinho fodido. Dos senhores Amarildos da Silva e senhoras Marias Desdentadas.
Isso mesmo, caros leitores.
Formamos um exército infindável de boçais e cavalgaduras cada dia maior de
Amarildos e Marias da melhor qualidade. Para político bandido nenhum botar
defeito. E como representantes dessa classe de descamisados, perdidos, sem eira
nem beira, diante da pouca vergonha que impera na Capital do País, e que se
alastra como erva daninha, ou pior, como um desses tumores malignos, que não
tem cura.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza,
jornalista. De Vila Velha, no Espírito Santo.14-5-2017
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