Moaini Matondo
Neste tempo de aparente
renovação, o que se pode dizer do Jornal de Angola é que “não aprendeu, mas
esqueceu”. Vem isto a propósito do recente editorial “O debate autárquico e os
cépticos”, publicado a 3 de julho passado.
Mas antes, revisitemos a
História. Em 1814, em França, um novo rei Bourbon, Luís XVIII, assumiu o poder
depois da tempestade da Revolução Francesa e de Napoleão. O seu irmão mais
velho, Luís XVI, havia sido guilhotinado nos alvores da Revolução, em 1793, à
semelhança de muitos outros familiares. Mesmo assim, quando restaurou a
dinastia, Luís XVIII repetiu comportamentos do falecido irmão morto e perseguiu
os antigos revolucionários. Em consequência, a família apenas reinou por mais
16 anos, sendo definitivamente erradicada do trono francês em 1830. Pelos seus
erros constantes e reiterados, diz-se dos Bourbons que “não aprenderam, nem
esqueceram”.
Voltando ao Jornal de Angola:
o editorialista dedica-se a um exercício de enaltecimento das virtudes do
“processo de auscultação e recolha de contribuições para o pacote legislativo
sobre as eleições autárquicas”. Depressa, porém, deixa cair a máscara e fustiga
as vozes dissonantes, os cépticos e os contraproducentes. Assanhado, acusa os
cépticos de produzirem “alusões infundadas segundo as quais ‘estava tudo
cozinhado’ e que o presente processo mais não era senão um mero exercício sem
qualquer relevância”.
Mas então, na perspectiva do
Jornal de Angola, o que é a auscultação? É emitir uma dúzia de rascunhos de
normas jurídicas mal amanhadas e pedir contribuições na distribuição das
vírgulas e dos pontos finais?
De facto, o Jornal de Angola
não aprendeu nada sobre o que é a democracia. A democracia é o dissenso, a
diferença de opiniões, a oposição. É deste exercício de dissonância, de
crítica, de cepticismo que nascem as soluções democráticas. Se não existisse o
cepticismo, Galileu nunca teria descoberto que a Terra se move à volta do Sol,
e ainda todos julgaríamos que a Terra era o centro do Universo. Foi o
cepticismo que permitiu a evolução da ciência e da humanidade. Mais do que
qualquer outra atitude, a atitude céptica é a grande responsável pelo
progresso.
Ah! Mas no Jornal de Angola
ainda julgam que o Sol anda à volta da Terra e esta é o centro. A Terra do
Jornal de Angola chama-se agora João Lourenço, outrora José Eduardo dos Santos.
E os cépticos que duvidam de que estas personagens sejam o centro do mundo
estão condenados à fogueira.
É aqui que entra o
esquecimento. O Jornal de Angola esqueceu-se dos anos em que, em uníssono com a
restante imprensa estatal, defendeu de forma canina o saque do país, a
impunidade, a ditadura, tudo em nome do patriotismo e do semi-endeusamento de
José Eduardo dos Santos, assim como da inexistência de vozes dissonantes.
Esqueceu-se das loas que teceu a José Eduardo dos Santos e à sua família.
Esqueceu-se que defendeu empedernidamente a posição de Isabel dos Santos como
presidente da Sonangol, que agora ataca.
Não aprende, mas esquece.
Infelizmente, a incapacidade
de aprendizagem é o traço constante do Jornal de Angola. Antes atacavam quem
José Eduardo dos Santos mandava. Agora atacam quem João Lourenço manda. Os
atacados são, exclusivamente, aqueles que o presidente em exercício indica,
caso contrário já teriam surgido umas questõezinhas sobre a impunidade de
Manuel Vicente…
A verdade é que o Jornal de
Angola não investiga, não tem iniciativa. Vive de invectivas alucinadas e do
que lhe mandam dizer.
Se quer discutir as
autarquias, devia discutir, desde logo, a inconstitucionalidade deste processo
de gradualismo geográfico, que só existe na imaginação dos estrategas do poder,
ou apresentar-nos modelos comparados. A realidade é que, para as autárquicas,
está a ser montada mais uma farsa. Onde se viu um país que demora vinte anos a
instaurar autarquias? Em que o partido do poder escolhe onde vão ser as
primeiras eleições?
Se o MPLA quisesse levar a
sério a criação das autarquias e respectivas eleições, se estivesse minimamente
empenhado no processo próprio das democracias, teria chegado a um acordo de
regime sobre o tema com os principais partidos da oposição. Assim, é o partido
que define tudo, uma pura batota… E é este partido-Estado, este regime
despótico, que o Jornal de Angola defende.
Não há discussão, nem
democracia no Jornal de Angola, apenas uma sintonização obediente e servil com
o novo chefe.
O Jornal de Angola esqueceu o
seu velho dono, mas não aprendeu nada.
Título, Imagem e Texto: Moaini Matondo, Maka Angola, 4-7-2018
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