O duplo padrão em vigor no país:
manifestar-se contra o STF é crime; desejar a morte do presidente é apenas
exercício da liberdade de expressão
Ana Paula Henkel
No último livro de Ben
Shapiro, O Lado Certo da História, o autor norte-americano dedica
um capítulo inteiro aos avanços da humanidade e nos mostra como nações e
sociedades se desenvolveram e podem desfrutar hoje da vasta prosperidade
material e liberdade individual. A obra, que visita séculos de filosofia,
religião e pensamento político, mostra como a receita de liberdade de ideias,
de expressão e econômica é um dos pilares do sucesso ocidental. Nunca na
história fomos tão livres para criar, empreender e progredir.
O autor conservador deixa
claro, e mostra com dados e estatísticas (crime quase hediondo hoje em dia),
que as nações que foram criadas e sustentadas com base na ideia de liberdade
individual dentro de um ambiente moral definido são as mais prósperas do mundo,
onde um dos principais legados é a inegociável defesa da liberdade. O livro,
lançado em 2019, é até hoje difamado e demonizado pela esquerda nos Estados
Unidos e no Brasil que tenta travestir a liberdade — principalmente a de
expressão — como uma ameaça aos justiceiros sociais e suas pautas politicamente
corretas. Mesmo diante dos imensos progressos alcançados na humanidade,
embasados na liberdade e na autonomia individual, nunca se viu uma histeria tão
grande, com doses cavalares de vitimização e reclamação, como se as novas
gerações vivessem num antro de opressão.
A gritaria da nova geração que
não arruma o quarto, mas “quer arrumar o mundo” derrubando estátuas e queimando
prédios, está por toda parte. A “cultura do cancelamento” está nas escolas, nas
empresas, nas redes sociais e espalhada pela sociedade como erva daninha. “Mas
você não se pronunciou sobre isso!”, “Agora você falou demais!” é o que mais
vemos em plataformas digitais, mesas de bar e salas de jantar. E justamente
agora, nos tempos mais prósperos da civilização, o cotidiano parece ter se
tornado uma senzala intelectual, em que os autoproclamados senhores das
casas-grandes do pensamento acorrentam e julgam quem é ou não digno da
liberdade de expressão.
Foi-se o pudor
de mascarar a clara tentativa de amordaçar, censurar e intimidar conservadores
e liberais
Mas a gritaria e a histeria
não se compartimentalizaram nas redes sociais ou na animosidade de debates
calorosos que enfrentamos no dia a dia. A óbvia agressividade contra cidadãos
que ousam expor o pensamento conservador e liberal, sem passar pelo crivo de
comissariados ideológicos, pode ser algo assustador para quem é alvo de
linchamentos virtuais e tentativas de assassinato de reputações. Isso é grave e
deve ser combatido. Para isso, o silêncio, muitas vezes provocado pela turba
sedenta de sangue que adora falar, não pode ser opção. Porém, o que assusta
mais no cenário que envolve todos esses cavaleiros do apocalipse é mais grave.
O que espanta é que esse novo comportamento pode agora ser visto passeando e se
solidificando nas esferas de alguns poderes da República. E, para isso, o
silêncio também não pode ser uma opção.
Na semana em que testemunhamos
mais desmandos por parte do STF e do Senado, claramente alinhados no
cerceamento da liberdade de expressão e nas manobras que têm como princípio
manter cidadãos calados, do outro lado do espectro político presenciamos a
festa da democracia e da liberdade, com jornalistas em grandes veículos de
comunicação celebrando a confirmação de que o presidente contraiu o coronavírus
e desejando sua morte. O “ódio do bem” é autorizado e desejar a morte de
oponentes políticos é parte da democracia, apenas a celebração dos tempos mais
livres da humanidade e da liberdade de expressão em sua totalidade. Para os
adversários do governo, tudo bem ignorar legislações e prerrogativas
institucionais, prender jornalistas pelo crime de criticar cortes e seus
agentes públicos e políticos. Em teoria, para eles, seriam medidas cabíveis
contra os que praticam o “ódio ilegal”. Em tempos de pós-verdade, leis e lógica
se tornaram detalhes abstratos, umas coisinhas incômodas que de vez em quando
precisam ser empurradas para debaixo do tapete.
Foi-se o pudor de mascarar a
clara tentativa de amordaçar, censurar e intimidar conservadores, liberais e
quem ouse criticar alguns ungidos em Brasília. O clube da falsa ética, composto
não apenas de políticos, acadêmicos e membros da imprensa engajada que pediram
a censura das mídias sociais e da internet, mas de membros da mais alta corte
do país, divorciou-se da realidade e entrou em processo litigioso com a
sociedade. Durante uma pandemia histórica, a única coisa que se espalhou mais
rápido que o coronavírus foi a censura e as ações por mais restrições à
liberdade de expressão. As reais máscaras colocadas nos rostos do mundo foram
extirpadas daqueles que se escondiam nos armários da falsa proteção à
democracia.
Dono da bola,
Alexandre de Moraes chutou para fora do campo sagrados direitos constitucionais
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Ilustração: Flávio Viana |
A birra covarde de Alexandre
de Moraes resultou numa canetada autoritária que mandou para a prisão o
jornalista Oswaldo Eustáquio por ter feito duras críticas à Corte e ao
ministro. O “ódio do bem” de Alexandre de Moraes também expediu mandados de
busca em uma dezena de residências de cidadãos comuns, parlamentares ligados ao
governo e, de quebra, proibiu que outros brasileiros usassem suas redes sociais
ou se comunicassem com pessoas ligadas ao inquérito. Qual inquérito? Aquele
das fake news a que ninguém — ninguém, nem os advogados dos
investigados e presos — tem acesso nem sabe do que se trata. Alexandre de
Moraes é o menino mimado da Corte e, para provar que acha que é o dono da bola,
ele chutou para fora do campo sagrados direitos constitucionais como a
liberdade de expressão, a liberdade do exercício profissional, do processo
legal, da garantia do sigilo da fonte e da privacidade.
Vivemos um claro estado de
exceção no Brasil, no qual as ilegalidades de agentes pagos por todos nós, com
o dinheiro do contribuinte, não são expostas por uma imprensa que não apenas
perdeu o monopólio da informação, mas o rumo, o profissionalismo e a decência.
Mais uma vez, é necessário que palavras de ícones na defesa da liberdade sejam
repetidas por aqui. Ao longo de seus oito anos de governo como presidente dos
Estados Unidos, Ronald Reagan proferiu inúmeras vezes, talvez pela necessidade
de um real alerta, a seguinte declaração: “A liberdade nunca está mais de uma geração
distante da extinção. Nós não a passamos para nossos filhos hereditariamente.
Ela deve ser defendida, protegida e entregue a eles para que façam o mesmo”.
Nossa linha de ação não pode
ficar na esfera de hashtags nas redes sociais. Há muito mais
em jogo do que tentativas de assassinato de reputações. A liberdade, em várias
esferas, está na berlinda. Não é apenas um direito nosso questionar e cobrar
consequências diante desses delírios de ministros. É um dever proteger nossas
instituições das violações dos deveres constitucionais de seus membros. É
necessário romper a barreira do medo e interromper as ações daqueles que, em um
novo tribunal da pós-verdade, acham que estão acima do bem, do mal, e da
Constituição.
A mais alta
corte do país precisa ser lembrada de que há algo acima dela: nossa
Constituição
Diante dos claros abusos de
Alexandre de Moraes, protegidos por outros membros da corte que deveria
salvaguardar nossa Constituição, urge que pautemos o Senado para que a casa
apresente para votação o pedido de impeachment do ministro do
STF. Desmandos e violações à democracia são combatidos com mais democracia e
com a régua firme das leis. A mais alta corte do país precisa ser lembrada de
que, por mais alta que seja, acima dela ainda estão a sociedade e a
Constituição que nos rege.
Certa vez, um leitor fez um
comentário sobre um de meus artigos aqui na Oeste que
sintetizou bem o nascimento e a proposta desta revista. Ele disse: “Há dois
tipos de imigrações, as que foram na direção do lugar onde o sol acorda e as
que foram na direção onde o sol dorme. Lá nasceu a saga da Oeste. A
saga dos que não temem se perder no escuro até encontrar a luz”.
Aqui, apontaremos sempre, com
profissionalismo e sem medo, o que pode tirar o Brasil do caminho do real
progresso, assim como as transgressões sérias de agentes públicos e políticos
que violam direitos constitucionais.
Para graves difamações, já há
leis e mecanismos de ação. Mas leis e abusos oriundos das vontades ungidas de
membros encastelados em suas torres de marfim não podem e não devem
criminalizar opiniões que ofendam. De tolos e mimados, já bastam os novos
revolucionários com suas guilhotinas virtuais. A liberdade de se expressar,
mesmo a dos jacobinos da internet, não pode — jamais — ser guilhotinada. Nossa
revolução aqui é contra a espiral do silêncio. Seja contra os reis da Corte ou
os bobos da imprensa.
Título e Texto: Ana Paula
Henkel, revista Oeste, 10-7-2020, 8h33
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